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Rumo ao bicentenário

Valor Econômico

As opiniões aqui expressas são as do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

O próximo mandato presidencial será marcado pelo bicentenário da independência, a ser celebrado em 2022. Esse tipo de evento tende a suscitar um aumento da reflexão sobre a história nacional, nossas conquistas e problemas.

Do ponto vista (que reconheço ser limitado, talvez míope) do nível de renda relativo, provavelmente teremos muito pouco o que celebrar. O fato é que nesses quase duzentos anos a economia brasileira avançou pouco, ou nada, na convergência com as economias de renda mais alta. O país nasceu no meio da tabela, subiu um pouco até a virada dos 1970 para os 1980, e retrocedeu desde então.

Essas são, pelo menos, as constatações oferecidas pelos estudos estatísticos liderados pelo falecido economista da OCDE e da Universidade de Groningen, Angus Maddison, e aqueles pesquisadores que deram continuidade ao
seu trabalho.

Maddison e sua equipe compilaram dados de renda per capita de diversos países, em séries temporais que, no caso brasileiro, começam no início do século XIX. Sua amostra original foi estendida até 2010 pelo Maddison-Project (os interessados podem consultar o site http:www.ggdc.net/ maddison/maddison-project/ home.htm).

O quadro que emerge não nos é muito favorável. Considerando-se dólares constantes aos preços de 1990, nosso melhor momento foi justamente no início. Em 1820, às vésperas da independência, nossa renda per capita foi estimada como sendo cerca de 50% da americana. No decorrer do século XIX, os EUA decolaram, e nós seguimos em berço esplêndido, e nossa renda per capita caiu a 23% da americana, no ano da proclamação da República. O debate sobre as razões para o atraso brasileiro durante o Império é rico, mas ainda inconcluso – cabe notar, contudo, que excepcional mesmo foi o desempenho da economia americana, várias outras, como o Brasil, mostraram retrocesso importante no período.

Os primeiros anos da República não foram muito alentadores, a renda per capita foi estabilizada, em torno de 15-16%, mas a defasagem perante os EUA não chegou a ser efetivamente reduzida. O período varguista, 1930-1945, assistiu a grandes oscilações da renda relativa, provavelmente mais associadas ao que se passava nos EUA, queda
forte durante a Grande Depressão seguida pelo boom ocorrido durante a Segunda Guerra, do que a desenvolvimentos locais.

A volta da democracia, com a constituição de 1946, se daria com uma renda per capita equivalente a apenas 16% da americana. O período subsequente assistiu um crescimento mais forte, e a renda subiu a cerca de um quinto da americana nos anos JK. Os anos 1960 assistiram a um novo período de estagnação relativa, ou pausa na
convergência, que duraria de 1963 a 1968.

Os anos 1970 marcariam o auge do nosso desempenho econômico relativo, ainda que suas bases tenham sido frágeis – foram nos anos 1970 que acumulamos a dívida externa que explodiria nos anos 1980, contribuindo para a estagnação posterior. O período foi marcado, também, por uma ação estatal focada nos investimentos em infraestrutura e no financiamento ao setor industrial, em detrimento a qualquer rede de proteção social, e sem endereçar desequilíbrios macroeconômicos básicos, como a inflação e a conta corrente – o mix de políticas do período era, assim, insustentável tanto do ponto de vista político quanto econômico.

Ademais, os anos setenta foram período de desempenho macroeconômico bem sofrível nos EUA, o que nos favorece nesse tipo de comparação. Mesmo com essas ressalvas, cabe ressaltar que de 1968 a 1980 a renda per capita brasileira subiu de 18 para 28% da americana. Simples extrapolação desse desempenho sugeria, na virada
dos 1970 para os 1980, que o Brasil entraria no século XXI como um país remediado, quase rico.

O período da Nova República, pós Constituição de 1988, foi marcado por estabilidade em patamar ainda longe de satisfatório, com renda per capita oscilando entre 19 e 21% entre 1990 e 2006. Mostramos modesto avanço relativo no período 2007-2010, chegando a 23% nesse último ano, mas em boa parte em função da crise americana. Os dados da tabela de Groningen terminam em 2010, mas obviamente o desempenho econômico posterior sugere que qualquer ganho obtido no período 2006-10 deve ter sido revertido com folga.

Olhando o restante dos Brics, tínhamos uma corrida relativamente emparelhada entre Brasil, China e Rússia na virada da década, com renda per capita semelhante, em torno de um quarto da americana. África do Sul e Índia largaram em desvantagem, com renda cerca de 15 e 11% da renda americana, respectivamente. Nosso desempenho
desde o início do governo Rousseff sugere que ficamos para trás, ainda que provavelmente não a ponto de sermos ultrapassados pelos membros desse segundo pelotão.

O atual governo vem lançando as bases de um novo período de crescimento, ao trabalhar para restaurar a sustentabilidade das contas públicas e reduzir de vez a inflação. Essas são condições absolutamente necessárias, mas não suficientes, para que voltemos a crescer de forma sustentada e, quem sabe, para que possamos almejar um desempenho macroeconômico que vá além da mediocridade relativa dos últimos 200 anos. Nesse contexto, a ampla e corajosa agenda de reformas microeconômicas liberalizantes que o governo começa a apresentar é um sopro de esperança – antes tarde do que nunca.

As opiniões aqui expressas são as do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita