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Não há como atribuir o colapso da economia ao “desmonte do Estado”

Folha de S. Paulo


A queda do PIB virou motivo de debate. Há quem a atribua às políticas de austeridade, mas, como mencionei na minha coluna anterior, trata-se de uma falsidade. Só não sei dizer se sua origem é ignorância, desonestidade intelectual ou a mistura tóxica de ambas.

A começar porque não houve, pelo menos até agora, nenhum sinal de austeridade fiscal.

Ao contrário, os dados disponíveis revelam que os gastos públicos continuaram firmes e fortes, aliás, bem mais firmes e fortes do que a economia brasileira.

Tomemos, para começar, os gastos do governo federal, que, ajustados à inflação, atingiram R$ 1,27 trilhão em 2016, ante R$ 1,26 trilhão em 2014.

É verdade que parte desses gastos corresponde a transferências operadas pelo governo federal (por exemplo, R$ 518 bilhões em benefícios previdenciários), que obviamente têm impacto sobre a carga tributária e causam toda sorte de distorções, mas não necessariamente capturam o consumo do setor público.

Já o consumo da administração pública, conforme calculado nas contas nacionais, mede aquilo que o governo (federal, estadual e municipal) toma para si em termos dos recursos reais (pessoal, material, serviços etc.).

Em 2014, equivalia a R$ 1,47 trilhão; em 2016, a R$ 1,45 trilhão, queda inferior a 2%, em período marcado por redução do PIB superior a 7%. Posto de outra forma, o consumo público caiu pouco menos de R$ 24 bilhões; já o PIB despencou R$ 511 bilhões.

Não há como, de forma honesta ao menos, atribuir o colapso ao “desmonte do Estado”. Não se trata de opinião, mas de fatos amparados por mais de um conjunto de estatísticas.

Há apenas uma promessa de ajuste, centrada essencialmente na questão previdenciária, que começou a ser debatida em meados do ano passado e pode, ou não, se tornar realidade.

Já o investimento veio em queda livre, e não apenas nos últimos dois anos mas desde o terceiro trimestre de 2013 (em plena vigência da “Nova Matriz”), acumulando retração de R$ 306 bilhões entre 2014 e 2016 (R$ 365 bilhões na comparação com 2013), o que me parece, de longe, o fator mais importante para explicar o desempenho lamentável da economia no período.

Entre as múltiplas variáveis que afetaram negativamente o investimento (e não foram poucas), destaco a forte elevação do risco-país, não só porque representa um aumento direto no custo de capital das empresas mas porque também encarece o dólar (portanto, o custo dos bens de capital) e pressiona a inflação e a taxa de juros, cujo impacto sobre o investimento é também negativo.

A evidência empírica sugere que esses efeitos se materializam com defasagem ao redor de três trimestres, ou seja, o desempenho do investimento ao final do ano passado refletia um risco-país na casa de 4,5% ao ano observado no primeiro trimestre, resultado da percepção de um governo politicamente morto.

Com a aprovação do teto de gastos e a proposta de reforma da Previdência, porém, temos hoje um risco-país na casa de 2,5%. A austeridade, ainda na fase da promessa, deve, ao contrário do que dizem, impulsionar o investimento e, com ele, o crescimento.

Mais certo do que isso apenas a crença que, quando isso acontecer, não haverá de faltar gente dançando na ponta de uma agulha para tentar criar fatos alternativos. Vai ser divertido.

As opiniões aqui expressas são as do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman