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O final da calmaria?

Valor Econômico


O ano de 2017 foi marcado por uma aceleração e maior disseminação do crescimento global. Todos os grandes blocos econômicos EUA, Europa e Ásia têm exibido expansão vigorosa, em certos casos com crescimento acima do potencial. Mesmo assim, as pressões inflacionárias seguem contidas e diversos bancos centrais (inclusive o nosso) estão lidando com patamares de inflação inferiores às metas.

Como a inflação, em contraste com o crescimento, reluta em acelerar, os bancos centrais têm, liderados pelos países anglosaxões, normalizado as posturas de política monetária em ritmo bastante gradual.

A combinação de crescimento robusto com aperto monetário lento, gradual e previsível, tem, por sua vez, favorecido uma compressão da volatilidade dos preços de ativos, em escala global, e reforçado o apetite por risco.

Isto tem ocasionado uma valorização aparentemente descolada de fundamentos em certos segmentos, como mercado de renda fixa (títulos públicos e corporativos de emissores com histórico complicado), bem como certos mercados imobiliários (na Austrália, Canadá e Suécia), além, aparentemente, de ativos mais alternativos, como arte, móveis e relógios vintage, sem esquecer as criptomoedas.

A taxa de juros, instrumento básico da política monetária na maioria dos países relevantes, tem efeitos sobre o equilíbrio macroeconômico, inflação e no curto prazo desemprego e atividade, mas tem também influência sobre o apetite por risco: quanto mais baixa a taxa de juros, maior o incentivo para comprar ativos de risco. A dificuldade de certos bancos centrais é que o patamar de taxa de juros que devem almejar para atingir seus objetivos macroeconômicos parece encontrar-se, por razões que merecem outra coluna, significativamente abaixo daquele que inibiria uma certa exuberância nos mercados de ativos.

O possível aperto das condições financeiras poderia ser de tal ordem que a recuperação seria posta em risco Ao buscar cumprir seus mandatos macroeconômicos, os bancos centrais podem acabar perseguindo posturas de política monetária que podem fragilizar a estabilidade financeira, atuando, assim, contra o mandato prudencial, que também cabe aos BCs.

Um instrumento não deve perseguir dois objetivos, então a solução adotada pela maioria dos bancos centrais tem sido perseguir objetivos macroeconômicos com política monetária, via manipulação das taxas de juros, e perseguir a estabilidade financeira por meio de políticas prudenciais/regulatórias.

Ocorre que a atuação das entidades regulatórias, perante as perenes inovações do mercado, não raramente se mostra ineficaz. Um aparato regulatório adequado é fundamental para o bom funcionamento dos mercados, não há dúvida, mas sua eficácia requer adaptabilidade e agilidade não triviais. Além disso, diferentes agentes no mercado financeiro estão sob jurisdição de reguladores distintos, cuja coordenação nem sempre é perfeita.

A taxa de juros acaba sendo um instrumento que afeta o custo de financiamento e de oportunidade de todos os intermediários financeiros, sejam bancos, gestores de ativos, hedge funds etc. Nas palavras de Jeremy Stein, exmembro da diretoria do Fed, a taxa de juros é a variável que cobre todas as brechas “Overheating in Credit Markets: Origins, Measurement and Policy Responses”, discurso em simpósio do Fed de St Louis, 2013. Mas utilizar a taxa de juros para inibir o apetite por risco pode, dependendo do estágio do ciclo econômico, ser incompatível com o mandato macroeconômico. A calibragem do balanço dos bancos centrais, além de medidas prudenciais, também pode ser utilizada para afetar os mercados com objetivos de estabilidade financeira, mas isso também poderia, ocasionalmente, atuar contra as metas macroeconômicas.

Os dados mais recentes sobre a inflação nos EUA parecem indicar que o período de hibernação da Curva de Phillips poderia estar caminhando para o seu final, e o risco do banco central americano ter que acelerar o ritmo de ajuste monetário estaria, consequentemente, aumentando. Caso esse risco se materialize, os preços de ativos, em especial naqueles mercados que têm exibido maior exuberância, podem sofrer correções expressivas. Estaríamos diante do contexto em que a taxa de juros adequada para fins macroeconômicos se moveria de forma relativamente rápida para o patamar que inibe a assunção de riscos.

A despeito da melhora da qualidade da política econômica observada nos últimos 18 meses, o Brasil ainda é, graças a sua vulnerabilidade fiscal, um país de risco elevado (vale dizer, cujos ativos se movem mais que proporcionalmente ao mercado em geral).

Assim, uma correção global pode nos afetar de forma particularmente intensa. O custo de não avançar no ajuste fiscal, com a resistência de segmentos da classe política à aprovação da reforma da previdência, por hora mascarado pelo ambiente financeiro internacional benigno, poderia ficar evidente de forma súbita, e o possível aperto das condições financeiras poderia ser de tal ordem que a recuperação da economia seria posta em risco. Ainda há tempo para se preparar para o fim da calmaria, mas não convém procrastinar ainda mais.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita