Resumos

O Desafio do Ajuste Fiscal

Palestrante: Mansueto Almeida

Nota: O evento teve foco na apresentação da evolução e situação atual do quadro fiscal. Os dados apresentados apontam na direção de uma deterioração progressiva das contas públicas. Foram apresentadas projeções com diferentes cenários para o crescimento dos gastos. Verifica-se que mesmo sob hipóteses bastante fortes será difícil equilibrar as contas públicas no curto prazo. Diante do quadro desafiador, foram discutidos possíveis caminhos que vão desde reformas estruturais até o aumento de impostos, ainda que de maneira temporária. A apresentação foi seguida por um debate em que os presentes discutiram as origens do problema fiscal e as possíveis medidas que poderiam ser implementadas para reversão da situação atual.

Resumo:

A situação fiscal se deteriorou sensívelmente nos últimos anos. Houve uma inflexão na política fiscal a partir de 2007 com aumento dos gastos públicos com programas sociais, empréstimos do tesouro para bancos públicos e subsídios. Há um problema fiscal estrutural que se origina dos gastos com seguridade social (INSS, LOAS, FAT, RPPS, Bolsa Família). A situação foi agravada pela fase de contração do ciclo econômico que impõe frustração de receitas. O requilíbrio das contas públicas de maneira estrutural depende da revisão das leis que regem as despesas obrigatórias que são essencialmente compostas por gastos com funções sociais do Estado. Apesar do quadro grave, o País tem uma janela de oportunidade para implementar reformas para o que parece haver uma convergência de diagnóstico e vontade política.

  • Quadro Fiscal 
    • O quadro fiscal apresenta dois componentes: i) o componente estrutural que se deve ao elevado nível de gastos com seguridade social; ii) o componente conjuntural que se deve à fase do ciclo econômico e às políticas implementadas nos últimos anos que geraram compromissos futuros;
    • Sobre o problema estrutural, enquanto as receitas do governo são variáveis, 61,6% das despesas se referem à Previdência e Assistência Social: INSS, RPPS, FAT, LOAS e Bolsa Família – desses, apenas o Bolsa Família é discricionário e não indexado, os demais programas são de alguma forma indexados e sua evolução têm dinâmica própria;
    • Sobre o problema conjuntural, a receita líquida do governo central como percentual do PIB que atingiu o pico de 18,9% em 2007, caiu para 17,4% em 2015, enquanto no mesmo período a despesa primária como proporção do PIB que era de 16,7% em 2007, aumentou para 18,5% do PIB em 2015;
    • Assumindo que o PIB nominal cresce entre 7% e 8% em 2017 e 2018, e que a despesa primária do governo central cresce apenas pelo INSS – o que é uma hipótese bastante forte – a despesa primária como proporção do PIB cairia apenas 0,9 pp do PIB.
    • Esse diagnóstico aponta para um quadro bastante desafiador no sentido de ajustar as contas públicas no curto prazo apenas com corte de gastos. Não há consenso a respeito de como lidar com o problema. Há os que defendem que se deveria focar em reformas estruturais e conviver com déficit nos próximos dois anos; e outros que defendem que o foco tem que ser equilibrar as contas públicas no curto prazo, como prioridade.
    • Se nada for feito para alterar a dinâmica, a relação dívida atingirá algo como 90% do PIB em 2019.
  • Problema Estrutural
  • A despesa primária do governo central cresceu de 10,8% do PIB em 1991 para 18,1% do PIB em 2014. Em 2015, a despesa primária atingiu 18,48% do PIB desconsiderando as pedaladas fiscais.
  • A origem do problema fiscal estrutural está no elevado nível de gastos com seguridade social. O Brasil gasta 24,5% do PIB em seguridade social, considerando gastos com Educação, Saúde Pública, Seguro Desemprego e Abono Salarial, Bolsa Família, Previdência e LOAS.
  • O crescimento das despesas com INSS, LOAS, Seguro-Desemprego e Abono Salarial e programas sociais representam 73% do aumento da despesa primária do governo central entre 1991 e 2015.
  • Previdência e Programas de Transferência de Renda
  • Os programas de transferência de renda e Previdência (INSS, RPPS, FAT, LOAS e Bolsa Família) que representavam 56,8% da despesa primária do governo central em 2002, tiveram uma mudança de nível a partir de 2003 e atingiram 61,6% em 2015.
  • Há uma confusão entre Previdência e Assistência Social
    • A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS): concede benefício de um salário mínimo para idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência, cuja renda familiar seja menor do que ¼ do salário mínimo.
    • A correção dos benefícios é feita seguindo a mesma regra do salário mínimo;
    • Políticos (mesmo os “esclarecidos”) têm dificuldades em aceitar que os benefícios poderiam ser menores do que um salário mínimo;
  • As regras para concessão de benefícios geram distorções em muitos casos
    • Se em um casal, o marido contribuiu com a Previdência e a esposa não, a renda per capita no momento da aposentadoria seria meio salário mínimo e a esposa não se qualificaria para receber o benefício pela LOAS. Se em outro casal nenhum dos dois contribuiu para Previdência, a renda per capita seria zero e ambos se qualificariam para receber um salário mínimo;
  • Questões demográficas adicionam pressão aos gastos com Previdência e LOAS
    • A população está envelhecendo. Em 2000, a população com 65 anos ou mais representava 8,7% da população entre 14 e 64 anos, em 2020 essa relação vai aumentar para 15,3%.
    • Em 2015, para cada pessoa com mais de 65 anos havia oito pessoas no mercado de trabalho. Em 2040, para cada pessoa com mais de 65 anos haverá quatro pessoas no mercado de trabalho.
    • Apenas os gastos com Previdência Social, RPPS e LOAS representaram 12,4% do PIB em 2015. Mantidas as regras atuais esses gastos representarão 18,3% do PIB em 2050.
  • A despesa com INSS em proporção do PIB era 4,9% em 1997; atingiu 6,9% em 2014, um acrescimento de 2 pp do PIB. Entre 2014 e 2016, a despesa com INSS como percentual de PIB crescerá 2pp do PIB. O mesmo acréscimo que demorou 17 anos para se materializar, ocorrerá em apenas 3 anos.
  • Despesas de Custeio
  • As Despesas de Custeio somaram R$ 805,6 bilhões, em 2015, um acréscimo de 9,2% em relação a 2014, em termos correntes.
  • O financiamento do estado do bem estar social mais educação (Assistência Social, Previdência, Saúde, FAT, Educação) consumiu R$ 686,1 bilhões, em 2015.
  • As despesas com subsídios, sentenças judiciais e compensação do RGPS atingiram R$ 74,2 bilhões, em 2015.
  • O Custeio discricionário representou R$ 45,3 bilhões. Desses o maior gasto é com Defesa Nacional, o segundo maior gasto é o Judiciário.
  • Em resumo, as funções sociais do Estado representam 84,8% das Despesas de Custeio, do restante o governo tem discricionariedade apenas sobre 5,6%, uma vez que os gastos com compensação do RGPS e sentenças judiciais seguem uma dinâmica própria e os gastos com subsídios se referem a equalização de taxa de juros de contratos em aberto.
  • Problema Conjuntural
  • A Receita Líquida do governo central como proporção do PIB que era de 14,1%, em 1997, chegou ao pico de 18,9%, em 2007. A partir de 2013, houve queda significativa desse indicador que, em 2015, caiu para 17,4% próximo ao nível de 2004.
  • A Despesa Primária como percentual do PIB, por outro lado, que era de 13,8% em 1997 atingiu 18,5%, em 2015.
  • Entre 2010 e 2015, a Despesa Primária do governo central cresceu 1,55pp do PIB, em que pesaram as despesas com Subsídio e INSS que aumentaram no total cerca de 1,6pp do PIB.
  • O ajuste fiscal que se tentou fazer a partir de 2015 foi basicamente focado em corte de investimento, que entre 2014 e 2015, caiu 0,38pp do PIB.
  • A conta com subsídios que representava 0,25% do PIB em 2010, cresceu para 1,05% do PIB em 2015.
  • Conta Ampliada de Subsídios
  • A Conta Ampliada de Subsídios somou R$ 62 bilhões entre PSI, ProAgro, CDE, MCMV e Desonerações.
  • A conta com subsídios (PSI e Proagro) que foi em média de aproximadamente R$ 10 bilhões entre 2010 e 2014, atingiu R$ 23,3 bilhões em 2015.
    • PSI: Programa de Sustentação do Investimento
    • PROAGRO: Programa de Garantia da Atividade Agropecuária
  • A Contra de Desenvolvimento Energético (CDE) passou de zero em 2010, para R$ 9,2 bilhões em 2014. Essa conta foi reduzida em 2015, para R$ 1,3 bilhão.
  • A conta com programa Minha Casa, Minha Vida que era de R$ 1,5 bilhão, em 2010, cresceu para R$ 17,6 bilhões, em 2014. Essa conta foi reduzida para R$ 12 bilhões em 2015 – e aqui há uma manobra do governo ao ter repassado parte da conta para o FGTS.
  • As desonerações que não existiam em 2010, cresceram progressivamente até atingir R$ 25,4 bilhões.
  • Ajuste Fiscal em 2015
    • A tentativa de ajuste fiscal em foi feita basicamente através da redução de investimentos. O investimento da União sem estatais (incluindo MCMV) foi reduzido de 1,36% do PIB em 2015, para 0,94% do PIB.
    • Uma parte das despesas já foi reduzida a níveis em que dificilmente será possível fazer novos cortes. Por exemplo, o investimento em Eeducação que atingiu o ápice de R$ 11,8 bilhões em 2012, foi reduzido para R$ 5,8 bilhões em 2015, e a projeção é de que caia para R$ 3 bilhões em 2016.
    • Houve também uma economia em despesas com Abono Salarial da ordem de R$ 9,4 bilhões em 2015. Essa economia temporária decorreu da mudança no cronograma de pagamento e já está se revertendo em 2016.
  • Cenário para 2016
    • A Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviada ao congresso inicialmente previa um deficit primário de R$ 30,5 bilhões. Posteriormente, foi alterada e a Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada que previa um superávit primário de R$ 24 bilhões;
    • A LOA previa que a receita total do governo seria R$ 1,451 trilhão em 2016, um aumento da ordem de R$ 200 bilhões em termos nominais em relação a 2015;
    • A LOA previa ajustes discretos e com efeitos temporários do lado da despesa. Apenas a despesa com INSS deve crescer 0,5pp do PIB em 2016;
    • A mediana da expectativa do mercado para Receita Total divulgada no Prisma Fiscal de Abril é de R$ 1,275 trilhão, enquanto a mediana para o déficit primário é de R$ 104 bilhões;
  • As dificuldades em se promover o Ajuste Fiscal
  • O superávit primário inicialmente proposto pelo governo para 2016 estava baseado em um aumento de receitas da ordem de R$ 100 bilhões;
  • A carga tributária já é bastante elevada para um país de renda média. A aprovação da CPMF ajudaria, mas o potencial de arrecadação não seria suficiente para resolver o problema fiscal;
  • Considerando a hipótese de que o ajuste fiscal deva ser feito através de corte de gastos, será necessário fazer a revisão dos gastos com funções sociais do Estado.
    • Regras para concessão e reajustes de benefícios pela LOAS
    • Reforma da Previdência
    • Revisão dos mínimos legais para gastos com Saúde e Educação
  • A conta de subsídios continuará elevada
    • A reversão de desonerações enfrenta resistência no Congresso. Grupos que conseguem se organizar melhor são capazes de pressionar politicamente o Congresso e o governo para evitar a reversão;
    • A conta de equalização de juros continuará elevada, uma vez que se refere ao pagamento por contratos ainda em aberto;
  • Há fatores já contratados para piora nas contas públicas
    • O governo Dilma concedeu aumento de 27% para o funcionalismo público de maneira escalonada de 2016 a 2019.
    • Os estados entraram com ação no STF pedindo a revisão da dívida com a União, para que fossem cobrados juros simples ao invés de juros compostos. O STF estava inclinado a dar ganho de causa para os estados, o julgamento foi interrompido e dado um prazo para que a União negocie com os estados. Qualquer que seja a negociação vai passar por alguma forma de redução do serviço da dívida dos estados.

Discussão:

 A discussão foi feita em torno dos seguintes temas:

  • Quais medidas serão necessárias para fazer o ajuste fiscal? Essas medidas poderão ser aprovadas considerando sua impopularidade?
  • Como equacionar a questão fiscal dos estados?
  • Como equacionar a necessidade de recapitalização das estatais?
  • Haverá a necessidade de criação de impostos? Quais impostos poderiam ser criados ou quais poderiam ter sua alíquota aumentada?
  • A saída passaria por um impor um limite legal para o crescimento de gastos? Como esse limite seria implementado? O que prevaleceria como obrigação de gastar ou como proibição de gastar?
  • Possíveis medidas para implementação do Ajuste Fiscal
  • O novo governo terá que implementar medidas impopulares no sentido de revisar os gastos com funções sociais do estado.
  • Entre as possíveis medidas estão
    • Aprovação de limites legais para o crescimento do gasto público;
    • Desvinculação dos benefícios pagos a título de Assistência Social dos reajustes do salário mínimo;
    • Reforma da previdência com imposição de idade mínima ou outro tipo de mecanismo que aumente a idade para aposentadoria;
    • Revisão de aumentos salariais concedidos pelo governo para o funcionalismo público que ainda não tenham sido votadas pelo Congresso;
    • Congelamento do piso nacional dos professores;
    • Privatizações, concessões, venda de ativos;
  • A Situação dos Estados
  • Os estados estão em uma situação fiscal díficil. Além das dívidas, muitos deles tiraram aposentados e pensionistas da base de cálculo considerada para o limite de gastos com salários – essa é uma fonte importante das dificuldades dos estados;
  • Os estados contraíram dívidas para financamento de investimentos, deixando de investir recursos próprios e liberando recursos do orçamento que foram usados para aumento da despesa com pessoal;
  • Além das dívidas, há uma piora fiscal contratada originária do aumento de salários concedido de forma escalonada;
  • A Lei de Estabilidade do Servidor Público impõe dificuldades para demissão de funcionários com estabilidade e, em função disso, os estados têm pouca flexibilidade para ajustar o gasto com pessoal;
    • Os estados podem demitir servidores com estabilidade, caso estejam desenquadrados, mas antes de demitir um servidor com estabilidade é preciso antes demitir todos os servidores que não estáveis, o que na prática inviabiliza demissão de servidores com estabilidade;
  • Será necessário fazer uma repactuação com os estados, provavelmente, com condicionantes e contrapartidas (por exemplo, privatizações de companhias estatuais, bancos, etc);
  • A Situação das Estatais
  • Não se tem um diagnóstico claro a respeito da situação das estatais. O que é necessário fazer para ajudar cada uma delas é diferente.
  • A Petrobras, por exemplo, contratou bancos para fazer venda de ativos, apenas o fato de ter havido uma mudança de governo já aumentou a demanda pelos ativos;
  • A Reforma da Previdência
  • Há um ambiente político favorável para aprovação de uma reforma da Previdência. Os políticos sabem que esse assunto terá que ser visitado;
  • Não se tem clareza a respeito de qual seria o prazo de transição, quando a reforma passaria a valer ou qual seria a natureza da reforma (idade mínima, fator previdenciário, etc);
  • No caso da LOAS, há necessidade de desvinculação do benefício ao salário mínimo. Essa proposta enfrenta resistência mesmo de políticos “esclarecidos”,
  • Outros agentes políticos podem exercer influência sobre o Congresso para aprovação da reforma da Previdência. Se não for aprovado algum tipo de reforma da Previdência que controle o crescimento explosivo do gasto, o governo central terá dificuldade para repassar verbas para os municípios de modo que os prefeitos têm um incentivo para cobrar o Congresso e o governo para que se faça a reforma;
  • Limite para o aumento de gastos
  • A solução passa pela imposição de algum tipo de limite para o crescimento dos gastos públicos ,mesmo que de maneira temporária;
  • Essa medida imporia restrições e custos políticos relevantes:
    • Limite para o reajuste de salários de servidores públicos
    • Flexibilização da estabilidade dos servidores públicos
    • Flexibilização das regras para redução de vencimentos com redução de jornada;
    • Alteração do gasto mínimo legal com Saúde e Educação
  • Sem a flexibilização das regras que impõem despesas obrigatórias haverá um conflito entre qual comando é mais forte: a obrigação ou a proibição de gastar;
  • Condições Políticas para implementação do Ajuste Fiscal
  • O governo anterior foi responsável pela deterioriação das contas públicas. O novo governo será compelido a tomar ações e estará constantemente sob a pressão de duas forças. Se por um lado o ajuste depende da tomada de medidas impopulares que farão com o que o governo perca suporte, por outro o mercado punirá o governo duramente, caso o ajuste não seja implementado. A punição do mercado teria implicações que dificultariam o ajuste e a retomada da atividade;
  • A equipe de articulação política do governo tem os melhores negociadores. Apesar da baixa popularidade, o governo começa com maioria no Congresso o que ficou claro pela expressiva votação da admissibilidade do processo de impeachment na Câmara e no Senado;
  • Há uma elite no Congresso que tem a consciência do quão importante é a aprovação de medidas que promovam o ajuste fiscal. Os políticos parecem ter uma percepção bem melhor do tamanho dos desafios;

 

Resumo e Nota do Evento preparados por: Renoir Vieira

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