Resumos

A República Desejada

Palestrante: Cristovam Buarque

Nota: O debate teve foco na discussão dos problemas do sistema educacional e em propostas de como reformá-lo. A exposição levou em conta os desafios de se reformar o sistema “on-the-fly”, considerando os interesses de grupos organizados. Foram debatidos os desafios de curto e de longo prazo e como esses desafios se relacionam com a necessidade de melhoria da educação. A apresentação foi seguida por um debate a respeito das dificuldades políticas no cenário atual e a necessidade de mudanças, inclusive na Constituição, que viabilizem a solução dos desafios de curto prazo e apontem para a possibilidade de se implementarem reformas estruturais como a própria reforma do sistema educacional.

Resumo:

O Brasil tem grandes desafios para resolver seus problemas estruturais que passam pela reforma política, de Estado e pela reforma do sistema educacional. Há grandes desigualdades regionais quanto à qualidade e ao acesso à educação. A reforma proposta para o sistema educacional inclui a introdução de ensino integral, melhoria da infraestrutura, mudança no processo de contração dos professores, revisão do regime de estabilidade e introdução de critérios rigorosos e meritocráticos de avaliação. As medidas são simples, possíveis de serem financiadas, mas enfrentam resistência política. Para que uma reforma desse tipo seja implementada é preciso que o país consiga atender a condições precedentes como, no curto prazo, o ajuste fiscal e a solução da crise política. A sociedade precisa ser convencida a se engajar em um projeto de longo prazo para melhoria da qualidade da educação no plano nacional.

 

  • O fracasso da Política
    • A política fracassou duplamente:
  1. não está servindo como força aglutinadora da sociedade, não foi capaz de apresentar um projeto com o qual a sociedade se identifique;
  2. não está servindo como vetor do progresso;
    • A mudança de governo – ainda provisória – é um passo na direção de restaurar o papel aglutinador da política, mas para que isso se efetive é necessário enfrentar alguns desafios:
      1. equilibrar as contas públicas;
      2. resgatar a credibilidade da Presidência da República, e se possível de todo o corpo político;
  • buscar o diálogo com todas as forças políticas;
  1. alcançar a retomada do crescimento e do emprego;
  2. promover a estabilidade monetária;
  • O papel da política como força motriz do progresso depende de agendas de longo prazo que são relegadas pelo imediatismo;
  • Oportunidades Desperdiçadas
    • Ao longo da história, o Brasil desperdiçou oportunidades
      1. No século XIX, enquanto o mundo se voltava para a revolução industrial com avanço técnico, com trabalho livre e livre mercado, o Brasil continuou ruralista, escravocrata, patrimonialista e controlador do mercado;
      2. A partir dos anos 30 do século XX, houve um processo de industrialização com base em indústrias antigas, enquanto o mundo já migrava da “industrialização do fazer” para a “industrialização do criar”;
    • Outros países souberam aproveitar essas oportunidades como a Coréia do Sul que estava atrás do Brasil em termos de desenvolvimento econômico nos anos 60 e hoje está à frente por ter aproveitado as oportunidades.
  • Alternativas para os Problemas Estruturais
    • Punição rigorosa dos casos de corrupção, inclusive, com a revogação da prerrogativa de foro especial;
    • Reforma política com introdução do voto distrital misto, adoção de uma cláusula de barreira que desestimule a criação de novos partidos, fim do fundo partidário e migração para o parlamentarismo;
    • Reforma do Estado: introdução da meritocracia, quebra do corporativismo do funcionalismo público que se apropriou do Estado, diminuir a quantidade de cargos de confiança;
    • É preciso um programa para superação da pobreza. Há uma narrativa falsa de eliminação da pobreza pelo antigo governo, a realidade é que houve apenas transferência de renda que alivia o sofrimento, mas não resolve o problema;
    • Estímulo ao avanço técnico e cientítico que não é suficientemente valorizado pela sociedade.
  • Educação, Avanço Técnico e Científico
    • A educação é um componente fundamental para solução dos problemas estruturais do País. A educação de todos os brasileiros é o caminho tanto para redução das desigualdades quanto para o desenvolvimento econômico.
    • É necessário criar um sistema nacional do conhecimento e inovação. As universidades que temos não são ligadas à inovação. Com algumas exceções, as universidades têm aversão à iniciativa privada que, por sua vez, tem desprezo pela universidade e preferência por adquirir tecnologia importada;
    • Os órgãos de fomento não se interessam em financiar o avanço tecnológico. O BNDES, por exemplo, é um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo e não tem uma política para financiar pesquisas e patentes;
    • A sociedade entende conhecimento como universidade, mas a base fundamental para formação do capital humano não é a universidade, é a educação básica.
  • Proposta de Reforma Educacional
    • Introdução de educação de tempo integral com currículo uniformizado;
    • Federalização da responsabilidade pelo financiamento da educação básica, de modo a diminuir as desigualdades regionais advindas das diferenças de capacidade de financiamento;
    • A gestão das escolas seria feita de maneira descentralizada, o Estado deve se responsabilizar pelo financiamento, mas a administração deve ser feita pelos professores e pelos pais.
    • Introdução de um sistema nacional de contratação, de modo que sejam adotados critérios rigorosos e uniformes de contratação;
    • É necessário que os professores:
      1. Sejam bem remunerados, para que pessoas qualificadas se interessem por serem professores;
      2. Sejam escolhidos por critérios rigorosos, para que os melhores quadros da sociedade sejam selecionados;
  • Se dediquem integralmente à profissão;
  1. Sejam avaliados constantemente por critérios meritocráticos;
  2. Não tenham estabilidade no cargo, uma vez que isso tornaria a avaliação irrelevante;
  • É preciso melhorar a qualidade da infraestrutura, para que os prédios sejam confortáveis, agradáveis e tenham instalações e recursos adequados.
  • Implementação da Reforma Educacional
    • A implementação das medidas necessárias para reforma do sistema educacional seria feita ao longo de duas décadas, com a introdução de mudanças cidade por cidade;
    • O financiamento desse novo sistema requereria que se gastasse dez mil reais por aluno por ano, isso equivale a um gasto de 6,3% do PIB, enquanto hoje se gasta 5% do PIB;
  • Dificuldades para reforma do Sistema Educacional
    • A reforma necessária para mudar o sistema educacional é simples do ponto de vista operacional. É possível de ser financiada pela sociedade, mas há grande resistência no campo político;
    • Não seria possível reformar o sistema que está em funcionamento. É necessário substituir o sistema atual por um novo, de maneira gradual;
    • O corporativismo dos profissionais da educação impede mudanças na direção de reformar o sistema, com a introdução de critérios meritocráticos;
    • É necessário convencer a sociedade a se engajar em torno de um projeto de longo prazo, de 20 a 30 anos;

Discussão:

 A discussão foi feita em torno dos seguintes temas:

  • Quais são os caminhos para aprovação das medidas necessárias para o ajuste fiscal?
  • Diante da necessidade de fazer cortes no orçamento que afetarão diferentes setores, qual a dinâmica para viabilizar a aprovação no Congresso?
  • Quais as dificuldades para financiamento da educação e qual a importância da vinculação dos gastos com educação com a arrecadação de impostos?
  • Quais são as dificuldades para se implementar um projeto de reforma de longo prazo como a proposta para reforma da educação?
  • Governo Provisório
    • O governo provisório tem pouco tempo para aprovar um conjunto de medidas que restaure a confiança dos agentes econômicos e que por sua vez se traduza em uma melhora das condições econômicas;
    • O presidente Temer optou por apontar ministros que ajudariam nas negociações com o Congresso, ainda que houvesse algum risco de que esses fossem implicados pelas investigações da Lava Jato;
    • Haveria a oportunidade para que as medidas fossem negociadas com os parlamentares sem a intermediação de líderes partidários, caso em que não seria necessário compor um ministério com nomes influentes no Congresso, mas que poderiam estar envolvidos na Lava Jato. Contudo, o governo provisório tem pouco tempo e essa alternativa seria mais demorada;
    • O governo provisório não foi eleito para implementar a agenda necessária para o ajuste fiscal, está se valendo da legitimidade e da base de apoio que lhe foi dada pelo Congresso ao afastar a presidente Dilma;
    • O governo provisório deve se preocupar com sua credibilidade e não com a popularidade;
  • Necessidade de Reforma Política
    • É necessário que a classe política restaure sua credibilidade e seja capaz de agir e fazer o papel de força aglutinadora da sociedade.
    • Para que o País caminhe na direção de fazer reformas estruturais, é importante resolver o caos político. Não é possível fazer avanços com a poliferação de siglas partidárias;
    • Terá que ser feita uma reforma política que deve incluir uma cláusula de barreira, para que os partidos que tenham menos do que 5% do eleitorado não tenham acesso a tempo de televisão e ao fundo partidário;
    • Deve se acabar com a possibilidade de coligação. Muitos partidos desaparecerão à medida que muitas coligações têm sido feitas apenas para que um partido obtenha mais recursos;
  • Reforma da Constituição
    • É preciso fazer uma reforma da Constituição pelo menos para reformar o sistema político, com um número menor de constituintes e com limitação de forma que os constituintes não pudessem se reeleger por um período determinado, para desestimular a introdução de mudanças com objetivo de atender suas bases eleitorais;
    • A Constituição prevê uma série de direitos que honeram o Estado e foram introduzidos principalmente para agradar as bases eleitorais e autopromoção dos constituintes;
    • Sem uma constituinte não há uma perspectiva de reforma do Estado. Os vícios aí colocados continuarão sem a perspectiva de uma discussão da própria Constituição;
    • É necessário que a sociedade civil se mobilize para dar uma perspectiva nova a respeito de quais são as pautas relevantes a serem eventualmente discutidas em uma constituinte;
  • Saída para crise política
    • Dificilmente a classe política conseguirá reaver sua crebilidade em menos do que dois ciclos de eleições;
    • As reformas de Estado são bastante difíceis. Não há mais espaço para promessas de que todos sairão ganhando – não é o caso.
    • É necessário que a sociedade entenda de maneira clara quem vai perder, o que vai perder e porquê.
    • Só haverá a possibilidade de reformas estruturais a partir de 2018. Seria necessário que algum projeto fosse colocado na direção de enfrentar os problemas, que colocasse propostas claras as explicasse à sociedade;
    • No caso de a sociedade eleger alguém com uma agenda clara de reformas, esse governo teria a possibilidade e a legitimidade para introduzir as medidas necessárias.
  • Financiamento da Educação e Dificuldade de Reforma
    • No curto prazo, o Brasil precisa fazer um ajuste fiscal sério. A Desvinculação das Receitas da União (DRU) e a limitação de crescimento para os gastos do governo, que estão em discussão no Congresso, são fundamentais, mas se forem implementadas de maneira linear podem trazer prejuízos a saúde e a educação;
    • Idealmente, não deveria haver uma vinculação constitucional para os gastos com qualquer área. Países sérios não precisam de vinculações desse tipo. O orçamento deve ser flexível para acomodar diferentes situações;
    • Seria muito melhor que ao invés de vinculações de gastos, houvesse o comprometimento da sociedade com um projeto de longo prazo de melhoria da qualidade da educação, de modo que nenhuma vinculação fosse necessária;
    • A substituição do sistema educacional existente por outro é um projeto de longo prazo, há dificuldade de se convencer a sociedade de que esse deve ser um projeto de Estado e não de governo.

 

 

Resumo e Nota preparados por: Renoir Vieira

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