Resumos

Combate à Corrupção no Chile

Palestrantes: Eduardo Engel e Fábio Medina Osório

Nota: O modelo foi centrado em um estudo de caso do Conselho Presidencial contra Conflito de Interesse do Chile que foi presidida pelo Prof. Eduardo Engel. Foi apresentada a trajetória recente dos casos de corrupção no Chile, entre o final de 2014 e o começo de 2015, que foram o gatilho para a criação da comissão. O Conselho Presidencial contra Conflito de Interesse teve total independência do Poder Executivo. Foi formado por pessoas com diferentes backgrounds, sem a participação de políticos ou empresários. Em 45 dias, a comissão foi capaz de apresentar propostas concretas que foram levadas a presidente Bachelet e estão em discussão no congresso. O caso foi apresentado dentro de um arcabouço conceitual em que é preciso criar a estrutura de incentivos correta e ter mecanismos para instrumentalizar essa estrutura de incentivos. As medidas que estão sendo aprovadas representam uma evolução no quadro institucional daquele país. Apresentação foi seguida pela discussão de como esse caso pode ser reproduzido no Brasil e quais são os desafios que o país enfrenta nesse campo.

Resumo: Uma série de casos de corrupção ocorridas entre o final de 2014 e o começo de 2015, levou a uma crise de confiança nos políticos, nos partidos políticos e na política. Esse momento abriu uma janela de oportunidade que culminou na criação do Conselho Presidencial contra Conflito de Interesse. Em apenas 45 dias, utilizando resultados de outras comissões, consultando a sociedade, especialistas de outros países e outras organizações, o conselho foi capaz produzir um relatório com 236 propostas em 21 áreas temáticas. Dentre elas, 217 propostas foram aprovadas pelo conselho por unanimidade. Em 24 de abril de 2015, o relatório foi entregue a presidente Bachelet. Dois dias depois, ela fez um discurso na tevê apresentando a agenda anticorrupção. Entre maio e junho de 2015, o Executivo apresentou 21 iniciativas de lei e 14 medidas administrativas. O número de propostas era tão grande e o apoio do público tão crucial, que duas ONGs se uniram para lançar um site em que o público pode acompanhar o progresso das medidas no congresso. A agenda vem fazendo progresso, apesar de o público continuar cético a respeito de sua aprovação. Ainda assim, 60% dos chilenos acreditam que os políticos conseguirão reconquistar sua confiança, caso aprovem a maior parte das propostas da agenda.

  • O que motivou a criação da comissão
    • Entre o setembro de 2014 e março de 2015, uma série de casos envolvendo financiamento ilegal de campanhas eleitorais, tráfico de influência e conflitos de interesse levaram a uma crise de confiança.
    • Inicialmente, os casos envolviam apenas um dos partidos políticos mais importantes, mas em seguida descobriu-se que havia um esquema de corrupção financiando políticos e partidos políticos em geral.
    • Havia uma cadeia de financiamento de políticos e partidos políticos também de esquerda que era alimentada por empresários da direita.
    • A confiança geral da população nos políticos e o no governo, que já era relativamente baixa, caiu aproximadamente à metade, nesse período.
      1. A confiança no governo que era de 35% passou para 16%.
      2. A confiança no congresso passou de 18% para 7.5%.
  • A confiança nos partidos políticos passou de 8.5% para 3%.
  • No começo de 2015 foi relevado um caso de tráfico de influência envolvendo o filho da presidente Bachelet.
  • Isso levou á criação do Conselho Presidencial contra Conflito de Interesse, Tráfico de Influência e Corrupção.
  • Funcionamento da comissão
    • A comissão teve total liberdade para escolher os seus membros e os tópicos que seriam tratados. A única condição é que fosse apresentado um relatório no prazo de 45 dias. Houve total independência do Poder Executivo.
    • A comissão foi composta por 16 pessoas de várias áreas. Nenhum político ou empresário esteve envolvido.
    • As propostas incluídas no relatório final deveriam ser específicas e decididas por unanimidade.
    • A comissão teve ajuda de um corpo técnico. Utilizou-se de achados de outras comissões e da experiência de seus membros. Além disso, foram acessados consultores de maneira oficial e não oficial para opinar sobre determinados temas.
    • Foram realizadas reuniões com instituições e estudiosos, realizadas audiências públicas em cinco cidades e coletadas propostas por escrito.
  • Resultados gerais do relatório
    • Corrupção, tráfico de influência e conflito de interesse são essencialmente sintomas de um arcabouço institucional fraco que não coíbe esses comportamentos.
    • O relatório final foi entregue em 45 dias como previsto. Foi composto por cinco capítulos, 21 áreas temáticas, 12 prioridades e 236 propostas das quais 217 foram aprovadas pela comissão por unanimidade.
    • Os tópicos da agenda anti-corrupção:
      1. Previnir a corrupção
      2. Regular os conflitos de interesse
  • Financiamento político
  1. Aumentar a confiança do mercado
  2. Integridade, ética e direitos civis
  • Prevenindo a corrupção
    • O Chile aparece em boas posições nos rankings internacionais de corrupção basicamente porque o governo central não tem muitos casos de corrupção e os governos locais têm acesso a poucos recursos.
    • As principais propostas para previnir a corrupção incluídas no relatório apontam:
      1. Os problemas no nível municipal são principalmente dois: baixa capacidade de técnica e muita liberdade para que os prefeitos aloquem recursos. De modo que é necessário monitorar e fortalecer as prefeituras.
      2. Reforma do funcionalismo público.
  • Reformar o sistema de licitações, concessões e gastos com defesa.
  1. Melhoria dos sistemas de investigação e punição dos casos de corrupção.
  2. Aumento da transparência e acesso do público à informação.
  3. Responsabilização criminal de pessoas não naturais.
  • Prevenção da corrupção no uso de terra.
  • Criação de uma agência para avaliação dos programas de política pública.
  • Regulação de conflitos de interesse
    • No Chile havia casos em que servidores públicos e políticos continuavam exercendo outras atividades, enquanto estavam no governo. Era fundamental criar políticas que prevenissem incompatibilidades antes, durante e depois de deixar um cargo público.
    • O Chile já tinha uma lei para declaração de bens, mas a norma era fraca e poderia ser violada sem consequências, o que a tornava inútil. Uma proposta foi colocada em substituição à anterior.
    • Houve também uma proposta para regulamentar o lobby.
  • Financiamento político
    • Os partidos políticos e os políticos eram financiados exclusivamente por dinheiro privado por meio de doações ou recursos próprios. Não havia qualquer subsídio para partidos políticos.
    • Foi proposta a introdução de financiamento público não exclusivo, mas em troca se exigiu transparência.
    • Havia uma lei de financiamento de campanha que supostamente prevenia que os partidos e candidatos soubessem quem eram os doadores. É claro que os doadores e os políticos se comunicavam e esses últimos tinham ciência sobre quem fazia doações. Apenas o público não ficava sabendo quem financiava os partidos e os políticos. Foi proposta uma lei para para que todas as doações se tornassem conhecidas pelo público.
    • Também foi necessário aumentar o poder do regulador, para que pudesse implementar as mudanças necessárias. As mudanças propostas visam tornar as campanhas orientadas em propostas e não em marketing político.
  • Aumentando a confiança do mercado
    • Reforçar os reguladores, particularmente, a comissão de valores mobiliários, basicamente pela introdução de leis, proteção para informantes/testemunhas e pela melhoria da comunicação e troca de informação entre as agências.
    • Foi feita uma série de propostas para garantir que as agências reguladoras não sofressem interferência política e pudessem agir com autonomia.
    • Propostas para melhorar a governança corporativa.
  • Integridade, ética e direitos civís
    • Introdução de temas de ética no sistema educacional.
    • Criação de um escritorio de Ombudsman para que o público pudesse denunciar e direcionar reclamações.
    • Criação de um sistema de conduta para o setor público e privado.
  • Arcabouço conceitual
    • A agenda de reformas, cujos principais itens foram citados acima, é bastante ambiciosa. As propostas foram desenhadas com base no reconhecimento da importância dos incentivos.
      1. O benefício do crime deve ser menor do que o valor esperado de punição (B<pC).
      2. Os custos tem componentes não monetários.
    • Há sempre o questionamento se novas leis são necessárias ou se apenas fazendo-se valerem as já existentes, os problemas seriam resolvidos. No caso do Chile, a conclusão da comissão anticorrupção é que as leis não eram adequadas, ainda que fossem dotadas de força.
    • Outro tema que se coloca é a necessidade de uma mudança cultural em que as pessoas façam as coisas certas por convicção e não pelo medo da punição. Sob os incentivos corretos, ou seja, tendo as leis certas e com essas leis sendo enforçadas com o tempo pode se observar uma mudança cultural.
  • Aproveitando a janela de oportunidade
    • O estado precisa de reformas que geralmente não são feitas em tempos de calmaria, quando a população está relativamente satisfeita; e a necessidade de mudança não é percebida como imediata.
    • No dia 24 de abril de 2015, a Comissão entregou o relatório para a presidente Bachelet. Quatro dias depois, a presidente fez um discurso em rede nacional de TV sobre a agenda de honestidade e transparência.
    • Entre maio e junho de 2015, o executivo apresentou 21 iniciativas de lei e 14 medidas administrativas, envolvendo 18 das 21 áreas temáticas debatidas no relatório.
  • Importância do papel de diferentesa no processo de aprovação da agenda
    • Líderes Políticos
      1. Executivo: importante melhoria na condução do processo legislativo.
      2. Congresso: novos líderes apareceram.
  • Melhora no diálogo entre as partes na busca por entendimento comum.
  • Mídia
    1. Crucial para denunciar casos de corrupção.
    2. Ajuda diminuir a resistência em relação ao pontos mais difíceis.
  • Sociedade Civil
    1. Papel crucial durante o período em que não havia liderança política.
    2. Cobrança de informações rápidas e precisas sobre o processo.
  • Observatório anticorrupção
    • Seria muito difícil para o público acompanhar todas as propostas em discussão no congresso. Um dos pilares para a agenda ser aprovada é justamente o apoio do público, assim, era necessária uma ferramenta.
    • Espacio Público e Ciudadano Inteligente – duas ONGs se juntaram para lançar em novembro de 2015, um site para que o grande público pudesse acompanhar a evolução das 236 propostas, de 21 áreas temáticas que estavam de alguma forma tramitando no congresso;
    • O site avalia
      1. O progresso dos objetivos com notas em 1.0 a 7.0.
      2. O grau de progresso de aprovação no Congresso: 0 a 100%.
    • Especialistas atribuíram pesos de importância para propostas e áreas temáticas;
  • Avaliando o progresso da agenda anticorrupção
    • A média ponderada por área temática está em 4.3 (56%).
    • Grandes diferenças entre as áreas temáticas:
      1. 5 areas tiveram leis aprovadas.
      2. 5 áreas tem leis analisadas e em processo avançado do aprovação.
  • 2 áreas com leis analisadas, mas pouco progresso na aprovação.
  1. 9 áreas não tiveram progresso significativo.
  • O Grande paradoxo
    • Embora a agenda esteja progredindo e até de maneira notável, dadas as condições, a percepção do público não é necessariamente essa.
    • O público não se interessa por notícias de progresso, parece ser um caso de ver para crer.
    • Mesmo que controvérsias beneficiem a agenda pelo debate e pela discussão de alternativas que podem ou não ser incorporadas, controvérsias não são boas para percepção do público a respeito da agenda.
    • De todo modo, uma pesquisa de maio de 2016, mostra que 60% dos chilenos acreditam que, em passando a maior parte das medidas propostas pela agenda anticorrupção, o público retomará a confiança na política.

Discussão: 

A discussão foi feita em torno dos seguintes temas:

  • Dentro de um arcabouço correto de incentivos, o crime é desincentivado pela punição. Por outro lado, valores morais que vêm com educação também influenciam a decisão. Quão importante são essas duas facetas: educação e incentivos?
  • Diante de tudo que se sabe sobre os casos de corrupção no Brasil, por exemplo, que mesmo com a Lava Jato e todas as investigações em curso, ainda há casos de empresários sendo achacados, não seria o caso de se analisar como facilitar a comunicação desse tipo de crime?
  • Qual a relevância das propostas feitas pelo ministério público como agenda anticorrupção?
  • Como quebrar a interlocução entre o agente público e o contratado para o serviço público como ocorre nos EUA, através da introdução de performance bonds?

 

 

 

  • Mudança institucional e cultural
    • Mudanças culturais acontecem lentamente ao longo de gerações, enquanto os agentes se deparam com incentivos em suas decisões diárias. Valores morais e incentivos são igualmente importantes. A esperança é que, com o tempo, a estrutura de incentivos correta contribua para o desenvolvimento de valores morais que previnam a corrupção.
    • Analisando países que geralmente são colocados em melhores posições nos rankings anticorrupção, países nórdicos, por exemplo, nota-se que as suas leis não são muito melhores do que em países em posições moderadas, o que é uma evidência de que há algo mais além de incentivos.
  • Iniciativas Anticorrupção no Brasil
    • No Chile a criação de ombusdman foi uma das propostas da agenda anticorrupção. O cidadão brasileiro tem dificuldades em comunicar crimes de corrupção – algo que a proposta anticorrupção do Ministério Público tenta endereçar. Apenas a possibilidade de comunicar a corrupção a uma autoridade que não tem envolvimento já é um avanço importante.
    • As propostas anticorrupção do Ministério Público estão na direção certa, ainda não há um empenho aberto do governo federal para que as propostas sejam aprovadas, mas há alguma simpatia pelas propostas dentro do governo.
  • Tornar fracos os vínculos entre empresários e o contratante
    • Seria importante enfraquecer os elos entre empresários e contratantes para a execução de obras públicas o que foi feito nos EUA, em 1932, com o Miller Act. É algo fundamental, mas tem problemas de execução no Brasil, que não são desprezíveis, por exemplo, convencer as seguradoras a emitir um performance bond.
    • No Brasil, há um modelo bastante perculiar em que o governo faz contratos sem que o projeto executivo esteja pronto. A empreiteira entra com o capital de giro para operar a obra, mesmo com atraso do governo. Os custos são maiores do que o esperado. No final, é feito um aditivo contratual que encarece a obra e as empresas se especializam em gestão contratual. Essa situação cria barreiras de entrada a empresas estrangeiras, diminui a competição e acaba por estimular a simbiose entre o agente público e o empresário, criando incentivos perversos.

Resumo e Nota preparados por: Renoir Vieira

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