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Crise política, reformas e estabilidade macroeconômica

O Estado de S. Paulo


Por que, diante de uma crise política grave como a atual, não ocorreu uma forte depreciação do real e uma elevação expressiva dos prêmios de risco? Não há uma causa única, e sim um conjunto de causas. Ao contrário do ocorrido em crises anteriores, desta vez não há uma crise de balanço de pagamentos – as reservas são altas e há elevados superávits comerciais –, e o nível deprimido da atividade econômica garante a continuidade da queda da taxa de juros.

Soma-se a isso que a execução da política econômica foi atribuída a uma equipe competente, com diagnóstico correto e grande capacidade de execução, inclusive nas intervenções nos mercados em meio à turbulência gerada pela crise. Porém, mais importante do que tudo isto é a crença de que mesmo com um governo politicamente enfraquecido ainda possamos caminhar na execução da agenda de reformas, uma hipótese cada vez mais arriscada à medida que piora o quadro político.

Em seu diálogo com Joesley Batista, Temer cometeu erros graves de natureza ética, legal e política. Pouco a pouco foi ficando claro que a solução política, que é respaldada pela Constituição – a eleição indireta de um novo presidente – desagradava a classe política e não entusiasmava a população. A rejeição por parte do TSE da anulação da chapa na qual foi eleito vice-presidente deu uma sobrevida a Temer, que vem tentando superar a queda de governabilidade, cujo efeito é semelhante ao ocorrido ao final do governo Sarney, com a diferença que agora não há nem uma crise de balança de pagamentos nem uma hiperinflação.

Em meio à queda de popularidade, Temer assiste ao esgarçamento da base aliada, e parece tentado a usar recursos fiscais inexistentes e promessas de conter as investigações ora em curso para agradar parlamentares, mesmo que isso comprometa a economia e afronte a vontade popular.

Ao aceitar sua participação no governo, o PSDB – o maior partido da base aliada – o fez com base em uma agenda de reformas explicitada na “Ponte para o futuro”. Aquele foi um bom começo: Temer buscava aglutinar forças em torno de ideias voltadas para os interesses do País, e não em torno de interesses pessoais ou de grupos. Agora o PSDB vem se debatendo entre se afastar de um governo que tem o rótulo de reformista, mas que se mantém no poder beneficiando-se de relações promíscuas com empresários que não buscam eficiência, e sim vantagens proporcionadas pela sua proximidade com Brasília, ou manter-se ligado ao governo na tentativa de se beneficiar de alianças que na próxima eleição favoreçam grupos dentro do partido.

A governabilidade é importante porque para retomar o crescimento o Brasil precisa de reformas macroeconômicas, como a da previdência e a tributária, e microeconômicas: nas formas de financiamento do BNDES; que baixem os spreads bancários; ou que reduzam os riscos regulatórios e facilitem o uso de capitais privados na infraestrutura. Crescimento econômico é sinônimo de aumento de produtividade e tal aumento depende crucialmente das reformas microeconômicas, que na sua grande maioria não dependem de aprovação no Congresso. Essa é a boa notícia. A má notícia, no entanto, é que na ausência do equilíbrio macroeconômico nem mesmo a aprovação das reformas microeconômicas garante a retomada do crescimento.

O exemplo é o do primeiro governo de Lula, que teve enorme sucesso nas reformas microeconômicas – no setor habitacional; na generalização do acesso ao crédito pessoal; na formalização do mercado de trabalho; e na Lei de Falências, entre outras –, mas viu a esperança de crescimento sustentado desmoronar totalmente quando ele e sua sucessora abandonaram a seriedade nas políticas fiscal e monetária.

A moral da história é que as reformas macroeconômicas, começando pela da Previdência, são fundamentais para o crescimento, gerando um ambiente de estabilidade e de baixos riscos. Infelizmente, a crise política abala a governabilidade e o quadro piora ainda mais se, na tentativa desesperada de se manter no poder, Temer agasalhar “pacotes de bondade” que comprometam a estabilidade macroeconômica e, no limite, coloquem em risco a colaboração de uma equipe econômica competente.

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Affonso Pastore