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Corrupção e pobreza

Valor Econômico


Há fartas evidências de que corrupção e pobreza caminham juntas pelo mundo. Por ser um fenômeno complexo e multifacetado, o estudo da corrupção – que “é o abuso da função pública para benefício privado” – exige uma abordagem multidisciplinar, que vem se desenvolvendo há várias décadas entre pensadores da área do direito, da história, da psicologia, da administração pública e, mais recentemente, da economia.

À economia cabe explicar as intrincadas ligações entre a corrupção e o desempenho econômico. Sabe-se que mais da metade da população mundial vive em países com níveis elevados de corrupção, dentre os quais estão países muito pobres. Dos 10 países com maior índice de corrupção, dentre os 176 analisados pela Transparência Internacional, em 2016, 4 estão na África Subsaariana (Somália, Sudão do Sul, Sudão e Guiné-Bissau) e 3 no Oriente Médio e Norte da África (Síria, Iêmen e Líbia). Dos 10 países com menor índice de corrupção, 7 estão na União Europeia e na Europa Ocidental (Dinamarca, Finlândia, Suécia, Suíça, Noruega, Holanda e Alemanha). Salta aos olhos a associação entre países ricos pouco corruptos e países pobres muito corruptos e imersos em conflitos violentos. O Brasil encontra-se na 79ª posição, o que significa que já avançamos bastante com relação aos mais corruptos, sobretudo no que diz respeito à corrupção miúda (pagamento de propina para a obtenção de documentos, de matrículas em escolas, de consultas médicas, etc). Mas há um longo caminho à frente como mostra o quadro dantesco de corrupção sistêmica desvendado nos últimos três anos e meio pela Operação Lava-Jato.

Evidência adicional e robusta da associação entre pobreza e corrupção aparece no diagrama de dispersão entre a renda per capita e as notas atribuídas aos graus de corrupção por países, ambas para o ano de 2014 (veja o gráfico). De fato, quanto mais rico o país, menor é a corrupção existente, e vice-versa. Mas não há uma relação de causalidade, ou seja, não se pode afirmar que a corrupção provoca a pobreza e nem que a pobreza provoca a corrupção. Como desenrolar esse novelo?

À primeira vista tem-se a impressão de que bastaria calcular a soma do dinheiro utilizado nas propinas para explicar os danos provocados na economia. Mas esta é uma estimativa ingênua, que abandona o mais importante em favor do que parece ser mais fácil estimar. Não há procedimento balizado por critérios contábeis que seja capaz de medir uma coisa que, por natureza, tem múltiplas facetas e é feita em sigilo para proteger os participantes. Mesmo se imaginássemos a existência de um ser onisciente que nos revelasse precisamente os registros dos valores envolvidos em todos os atos de corrupção saberíamos, apenas, qual seria o seu efeito direto. Por ignorar os efeitos indiretos este valor – provavelmente astronômico – seria muito menor do que o verdadeiro custo da corrupção.

A corrupção afeta os pilares do funcionamento da economia de mercado, reduzindo a sua eficiência e produtividade, sobretudo através da seleção adversa e da má alocação dos recursos. Em uma concorrência com cartas marcadas vence a empresa que paga a maior propina, e não a mais eficiente, resultando em obras superfaturadas, escolhidas para maximizar as propinas pagas a políticos e empresários e não para aumentar o bem-estar social. Infelizmente, há inúmeros desses casos à nossa volta. A refinaria Abreu e Lima, negociada pelo governo Lula para agradar a Chávez – uma obra que jamais se pagará -, foi inicialmente orçada em US$ 2 bilhões e acabou absorvendo US$ 18 bilhões.

Quantos investimentos de alto impacto social poderiam ter sido realizados com esses recursos? Estádios para a Copa do Mundo foram construídos em capitais onde não há sequer campeonatos de futebol significativos, como Brasília, Cuiabá, Manaus e Natal, envoltos em suspeitas de corrupção, num claro desperdício de recursos, sempre escassos.

Outro tipo de exemplo vem do relato de Rose-Ackerman e Palikfa [2016] sobre a China, revelando que o terremoto de maio de 2008 matou 7 mil pessoas, das quais mais de 5 mil eram crianças, vítimas do desmoronamento de escolas públicas que colapsaram enquanto os prédios vizinhos ficaram intactos.

Claros sinais de corrupção na construção das escolas emergiram das investigações, indicando que exigências técnicas foram burladas e que parte do material destinado às obras foi ilegalmente revendido. A repercussão do episódio contribuiu para que o governo adotasse um programa anticorrupção que vem dando resultados positivos. Nenhum desses e de milhares de outros efeitos indiretos da corrupção podem ser medidos com precisão, mas afetam o dia a dia das pessoas, a qualidade das suas vidas e a produtividade da economia.

A dificuldade de medir adequadamente o impacto da corrupção na economia abre, na verdade, um caminho muito mais promissor. No lugar de perguntar qual a magnitude do impacto da corrupção sobre a economia, o relevante é perguntar o que explica a diferença existente entre os vários níveis de desenvolvimento dos países. Assim fazendo curiosamente vamos descobrir que muitas das forças que explicam as diferenças entre o estágio de desenvolvimento dos países são as mesmas que explicam as diferenças em seus níveis de corrupção. Na raiz tanto da pobreza e corrupção elevada, como da riqueza e corrupção baixa está a qualidade das instituições, como ensinam North e Acemoglu.

Algumas maneiras de organizar as sociedades encorajam as pessoas a inovar, a assumir riscos, poupar para o futuro, desenvolver habilidades pessoais, confiar umas nas outras e pensar na coletividade. Outras não. Nosso desafio, diante da constatação da realidade dramática revelada diariamente pela Lava-Jato, é repensar como garantir que as instituições protejam o bem comum e não interesses de grupos que se agarram ao poder com o objetivo de se perpetuarem. Se tivermos sucesso, construiremos um país mais justo, democrático e próspero.

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Cristina Pinotti