CDPP na Mídia

‘A corrupção precisa deixar de ser um tabu’

Entrevista com Maria Cristina Pinotti, para JOTA


Maria Cristina Pinotti, organizadora do livro ‘Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas’, fala sobre o impacto dos malfeitos

Maria Cristina Pinotti, diretora do CDPP / Crédito: Divulgação

O grande cronista carrega o dom de captar o espírito de seu tempo. Em Dom Casmurro (1899), Machado de Assis fez Bentinho refletir sobre as “grandes raivas” de Otelo “por causa de um lenço –um simples lenço!”. Na peça de Shakespeare, o singelo pedaço de tecido seria, aos olhos do mouro, a prova cabal da infidelidade de Desdêmona. Bentinho, torturado pela dúvida de ter sido traído por Capitu, confabula consigo mesmo a respeito de como “os lenços perderam-se; hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há e valem só as camisas”. Em tempos mais cínicos, diria Machado, nem evidências contundentes são capazes de demover a má vontade de alguns contra a necessidade de enfrentar assuntos espinhosos. Parece ser o que se vê atualmente nas discussões sobre a corrupção no Brasil.

Os desvios de dinheiro público até pouco tempo atrás eram coisa de alguns milhões. Hoje parecem causar algum espanto apenas as ocorrências medidas em muitos bilhões de dólares –e ainda assim se houver provas definitivas do malfeito, mas sabe-se que corrupto não assina recibo. Recentemente, o economista Bruno Carazza, em sua coluna no jornal Valor Econômico, rememorou o escândalo dos Anões do Orçamento, ocorrido em 1993, para dar uma escala às proporções alcançadas pelos esquemas ilícitos. Naquele episódio, a Odebrecht já ocupava um papel de relevo, tendo desembolsado 3,2 milhões de dólares a PC Farias para conquistar contratos no governo Collor. Foi quase um trocado, comparando-se às cifras atuais: o infame “departamento de operações estruturados” da empreiteira (vulgo departamento de propina) fez circular 3,4 bilhões de dólares entre 2006 e 2014. O dinheiro extravasou as fronteiras do Brasil e irrigou negociatas em vários países latino americanos, que agora tentam, com maior ou menor sucesso, limpar a casa. Não se conhece paralelo na história sobre uma tal desenvoltura na operação de corrupção.

 A Operação Lava Jato, que chega agora ao seu quinto ano, expôs, em conjunto com suas ramificações, a maneira como a corrupção se alastrou e passou a ser sistêmica. É indissociável da atividade política, do processo eleitoral e de negócios –e negociatas— envolvendo grandes empresas nacionais que se relacionam com governos. Sem falar nas suas conexões com o crime organizado. Essa bola de neve só conseguiu ir tão longe por causa da impunidade epidêmica. Se tivesse sido combatida lá atrás, quando as cifras eram mais modestas, talvez não tivesse fugido do controle. Mas ocorreu o oposto: leis e regras foram alteradas favorecendo a sua proliferação. Esse é um dos argumentos centrais do livro Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas, que chega agora às livrarias (Portfolio Penguin). Organizado pela estudiosa da teoria da corrupção Maria Cristina Pinotti, o trabalho traz a visão de dois dos principais magistrados italianos participantes dos inquéritos na Operação Mãos Limpas, Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, além de artigos do então juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, que escrevem sobre os avanços, ataques e desafios enfrentados pela operação brasileira. O prefácio é do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

No capítulo de abertura, “Corrupção, instituições e estagnação econômica”, Maria Cristina discute até que ponto o crescimento econômico e a corrupção estão ligados e usa a Itália como um alerta para o Brasil. A operação Mãos Limpas, iniciada em 1992, foi abortada dois anos depois pela reação do sistema político (leis foram alteradas, condenações foram revistas, magistrados foram perseguidos). No lugar de reduzir a corrupção, os políticos perpetuaram a impunidade e dificultaram a identificação desse tipo de crime. A produtividade na economia caiu desde então, e o país enfrenta uma longa estagnação, distanciando-se dos pares europeus. É uma evidência forte da importância da qualidade das instituições – e dentre elas, do Judiciário – na explicação do desenvolvimento econômico e da corrupção.

De acordo com Maria Cristina, é impossível calcular o custo exato da corrupção, já que há custos diretos e indiretos, a maioria deles invisível. Apesar disso, estudos indicam que países mais corruptos são menos produtivos e atraem menos investimentos, o que freia o desenvolvimento econômico. Ademais, quando a Justiça não é eficiente e a corrupção é elevada, os empresários mais bem-sucedidos costumam ser os mais bem-relacionados, e não os mais inovadores ou produtivos. Apesar disso, o enfrentamento da corrupção não costuma ser um tema tratado com relevância pelos economistas. Muitos deles veem as propinas como a “graxa” para facilitar os negócios em países nos quais o setor público é pouco confiável e eficiente. Para Maria Cristina, a extensa literatura existente sobre o tema mostra que esta afirmação nada mais é que uma falácia cinicamente utilizada por corruptos ou ingênuos. Desenvolvimento econômico sustentado e baixos níveis de corrupção têm a mesma raiz: a qualidade das instituições. Enquanto não entendermos a dinâmica da corrupção, suas motivações e origens não conseguiremos nos livrar dela, afirma Maria Cristina. “A corrupção precisa deixar de ser tabu entre os empresários, advogados e economistas.”

Na entrevista a seguir, Maria Cristina, que faz parte da diretoria do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), resume as ideias discutidas no livro e analisa os caminhos para o país enfrentar a corrupção.

Há quem diga que a corrupção sempre existiu no país e agora ela apenas veio à tona. A senhora concorda com essa afirmação ou acredita que tenha havido uma mudança de paradigma nos últimos anos?

É importante deixar claro o conceito de corrupção que importa. Trata-se do desvio de dinheiro público para benefício privado. A corrupção, como a doença, sempre vai existir, mesmo em países considerados modelos de baixa corrupção. Há, entretanto, uma questão de grau. Uma pessoa estar com resfriado é diferente de outra com septicemia. Ambas estão doentes, mas há uma grande diferença quanto aos custos e riscos que trazem ao portador. No governo Itamar Franco, por exemplo, um ministro foi demitido porque teve a sua conta do hotel, algo como 800 dólares, paga por uma empresa. Isso era motivo para demitir um ministro. Não faz tanto tempo assim, coisa de pouco mais de 20 anos. De lá para cá, a corrupção deixou de ser episódica para se generalizar. Isso a Lava Jato mostrou: a dimensão do dinheiro, o número de pessoas envolvidas. Basta olhar o Rio de Janeiro.

A senhora e outros autores do livro afirmam que no Brasil não há dúvidas de que a corrupção tenha se tornado sistêmica. O que isso significa?

No Brasil, há evidências de sobra de que a corrupção tenha se tornado sistêmica, seja pela magnitude inimaginável dos valores envolvidos como pela abrangência do fenômeno, como mostra a Lava Jato. Em depoimentos, envolvidos afirmam que formar carteis, subornar e pagar propinas era a “regra do jogo”. Isso é corrupção institucionalizada, sistêmica, uma verdadeira epidemia que assolou o país. Por trás dela, obviamente, existe a certeza da impunidade, o crime compensa e não tem risco. Cria-se a crença de que não existe outra maneira de fazer as coisas, seja na política ou na economia, e a corrupção se expande ainda mais.

Como isso ocorreu?

A mudança de patamar da corrupção foi estimulada por vários afrouxamentos institucionais. Uma primeira alteração ocorreu no financiamento de campanha, com a autorização para as empresas financiar partidos e políticos sem nenhum tipo de restrição. Empresas com negócios com o governo deveriam ser impedidas de contribuir. Havia pouca transparência na prestação de contas. Na sequência, caiu a cláusula de barreira nas eleições. Isso, junto com o fundo partidário, fez do Brasil o país com o maior número de partidos. Assim a política honesta fica praticamente impossível. Junte-se a isso a existência do foro privilegiado e está aberta a avenida para a seleção adversa: grande parcela de quem vai para a política, deseja faturar com o fundo partidário e quem tem ficha suja e pretende se beneficiar do foro privilegiado.

Como as leis são feitas por esses políticos, seu interesse é obviamente manter o status quo. Os ajustes esporádicos só ocorrem depois de muita pressão da sociedade. Agora o Supremo mexeu novamente na cláusula de barreira. Vamos ver qual será o resultado. O número de partidos precisa diminuir, senão é impossível criar uma maioria em torno de princípios e programas e continua vivo o incentivo para transformar o Congresso em um balcão de negócios. Dessa maneira, o dinheiro do tributo pago por toda a população, que deveria ser usado para a educação, para a saúde e para a segurança acaba sendo desviado para o enriquecimento de alguns.

Por isso o livro é dedicado às vítimas difusas e anônimas da corrupção, que somos todos nós. A população precisa fazer pressão para virar esse jogo; não será o Legislativo que vai liderar esse movimento.

A senhora afirma também que nem todas as pessoas que cometeram deslizes gostariam de ser corruptos, mas acabaram reagindo aos incentivos e tiveram um comportamento oportunista, pragmático. Poderia explicar?

Vale o conceito popularizado por Serpico, mas anteriormente utilizado por diversos teóricos da corrupção, da ciência política, da psicologia social e da economia. Frank Serpico foi um policial de Nova York que, no início dos anos 1970, decidiu denunciar casos de abuso e corrupção em seu departamento. Serpico dizia, com certo humor, que 10% da força policial era absolutamente incorruptível e outros 10% seriam totalmente corruptos. A grande maioria dos policiais entre estes dois extremos “gostaria de ser honesta”, tipificando um comportamento contingente, determinado pela expectativa que as pessoas tenham sobre o comportamento dos seus pares. Alguns teóricos definem essa maioria como “oportunista”, “pragmática” ou “mais corruptível que corrupta”. No Brasil são também conhecidos como “espertos”. Existe um exemplo muito simples disso. Quando estamos no carro em uma estrada e o trânsito não flui, depois de certo tempo começamos a ver um carro passando pelo acostamento, aí vem outro, e vem outro, até que haverá tantos carros no acostamento quanto na rodovia. A maioria, formada por “espertos”, desrespeita a lei e o bem-estar dos demais motoristas que a seguem. Basicamente, isso ocorre porque quase nunca há policiamento que imponha sansão aos infratores, nem desincentivos à tal prática, como obstáculos nos acostamentos que impeçam a fluência de trânsito. Ambos mudariam a propensão a delinquir, minimizando o problema.

A maioria à qual a literatura se refere, que não é totalmente desonesta nem totalmente honesta, reage aos incentivos. Se as leis de combate à corrupção são abrandadas ou não são aplicadas, aqueles que “gostariam de ser honestos” vão para o lado da corrupção. Existem situações mais extremas, das quais estamos livres, no Brasil, mas que ocorrem em países altamente corruptos, como alguns da África. O pai só consegue marcar consulta para o seu filho doente se pagar uma propina. Neste caso, o funcionário público encarregado do agendamento cobra a propina, que provavelmente será dividida com o supervisor, e com o chefe do supervisor, e assim por diante. Sem punição, esse tipo de corrupção tende a se perpetuar. É conhecido o caso dos funcionários públicos que criam dificuldades para vender facilidades. Nesse caso, é uma falha do sistema controle da qualidade do serviço público.

Muitos juristas avaliaram que o projeto apresentado por Sergio Moro, por si só, não vai resolver em nada a questão da criminalidade, porque de muito pouco adiantaria o aumento das penas. Qual a sua avaliação?

O projeto procura modernizar o sistema jurídico e torná-lo mais eficiente. Pode ser aprimorado, mas é muito abrangente, corajoso e vai na direção correta. O direito penal existe porque não existe outra maneira de fazer valer a lei, alterando o comportamento dos indivíduos, sem que haja a perspectiva da punição. Um exemplo é o cinto de segurança. As campanhas educativas surtiram muito pouco efeito. O cinto passou a ser usado apenas quando os motoristas e começaram a ser multados. Hoje todo mundo usa cinto de segurança. No caso de crimes passionais, é verdade que talvez a perspectiva de ser penalizado tenha menos efeito sobre a decisão de uma pessoa praticar ou não um delito. Mas em crimes racionais, como é a corrupção, a pena e a perspectiva de impunidade são sim levadas em consideração pelo criminoso. A corrupção é um crime racional do início ao fim. Um corrupto vai em busca das melhores oportunidades, dos parceiros mais confiáveis, dos esquemas para apagar os seus rastros, de maneiras de lavar o dinheiro. Se não aumentar a percepção de custo, o corrupto terá apenas benefícios. Existe um único caminho para mudar esse comportamento: combatendo a impunidade e elevando as punições.

Falta autocrítica aos advogados, ao fecharem os olhos para os incentivos institucionais à corrupção?

É difícil generalizar, vejo grandes escritórios preocupados com o assunto e prontos a ajudar seus clientes a se blindarem da ocorrência de corrupção nas suas empresas. Mas é verdade, também, que há advogados que se beneficiam da ineficiência do Judiciário, daí a resistência diante a propostas de reformas. Voltemos ao exemplo da Itália. É um país muito parecido com a França, em termos de renda per capita, nível educacional, desenvolvimento econômico. Mas na Itália existe o dobro de advogados per capita em relação à França. A hipertrofia do número de advogados é um sintoma ineficiência da Justiça. A resolução de processos na Itália chega a levar o dobro de tempo de casos similares na França. No Brasil vemos um fenômeno similar.

Por que a corrupção fugiu do controle?

Existem alguns fatores, quase sempre ligados à impunidade. Anteriormente, o corrupto só ia para a cadeia depois da condenação em quarto grau, algo que não existe em lugar nenhum do mundo. Graças ao número de recursos possíveis e aos prazos de prescrição, a impunidade era quase certa. Por isso a pressão, agora, para que seja derrubada a prisão depois da segunda condenação. Outro ponto é que a corrupção geralmente não é tratada como se fosse um crime violento e, por isso pode ser tolerado. Como não é violento? As crianças não recebem educação e saúde, os viadutos caem, há falta de segurança.

Outro aspecto que favorece a impunidade é o fato de a corrupção ser um crime fugidio. Para ele acontecer, as suas pegadas precisam ser eliminadas. Então é muito difícil fazer um flagrante. São necessários instrumentos como as delações, as análises de informações fiscais, a fiscalização da atividade financeira. Ao mesmo tempo, não existe uma vítima objetiva, a vítima é difusa. Se alguém roubar o meu carro, eu vou fazer a denúncia à polícia. Agora, se alguém roubar parte do meu imposto, como é que vou reclamar. Essa é a vítima difusa que nós precisamos sensibilizar.

Como reverter a situação?

Em primeiro lugar, tornar o Judiciário mais eficiente. É isso que nos ensinam a história e a teoria. É fundamental, também, ter o apoio da população, que é quem elege e pressiona os congressistas. E diante de tanto descalabro, a população, felizmente, adquiriu intolerância quanto à corrupção. A chamada petty corruption (a pequena corrupção cotidiana) parece ser pequena entre os brasileiros, ao contrário de países africanos, e outros mais corruptos. Antes era comum o pagamento de propinas para fazer passaporte, renovar documentos. Hoje existe o Poupa Tempo, um exemplo de como a eficiência combate abusos. A Receita Federal é também muito eficiente, o que faz muita diferença. O problema é quando o Congresso, no lugar de simplificar e tornar mais eficiente o sistema tributário, faz inúmeros Refis, que beneficiam vários parlamentares. É um círculo vicioso de maus exemplos. No cotidiano dos italianos parece existir mais corrupção do que entre nós. E, segundo Gherardo Colombo, isso foi um problema na Mãos Limpas. Quando as investigações chegaram aos contadores, que guardavam segredos sobre os malfeitos (tributários, entre outros) de pessoas da classe média, profissionais liberais, a Mãos Limpas começou a perder o apoio da população. Aqui A Lava Jato, ao contrário, ficou focada na Petrobras e suas ramificações.

Gherardo Colombo afirma que talvez a corrupção italiana não tivesse ido tão longe caso os processos de investigações feitas nos anos 80, como no caso da loja maçônica Propaganda 2 (P2), tivessem permanecido em Milão, em vez de terem sido remetidos para Roma, no centro do poder político. O fato de a Lava Jato ter sido comandada a partir de Curitiba, distante dos centros de poder, contribuiu para o avanço das investigações?

Pode ter ajudado, sim, mas não apenas isso. Por uma feliz coincidência, o caso caiu na mão do juiz Sergio Moro, um estudioso da Mãos Limpas. Em 2004, ele havia publicado o artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Dez anos mais tarde, cai nas mãos dele um caso muito parecido em muitos aspectos. Não sei quantos juízes brasileiros estudaram a Mãos Limpas, mas Moro foi o primeiro juiz brasileiro a escrever um artigo sobre o assunto.

Outra crítica frequente à Lava Jato, e também feita no passado à Mãos Limpas, é o seu impacto nas empresas e, como consequência, na economia. De fato, a maior parte dos funcionários de uma companhia envolvida em escândalos acaba pagando um preço elevado, sem ter tido nenhuma culpa. É possível separar a empresa de seus principais executivos e controladores?

Querem poupar a empresa e aumentar a sua produtividade? É só vendê-la. Os envolvidos respondem à Justiça e a empresa continua. O que vimos foi o contrário, os controladores buscando a todo tempo formas de permanecer no comando. A empresa não precisa acabar; mudem o dono. A empresa não existe desligada da sua administração e da governança. Não é a empresa que é corrupta, e sim os seus administradores e o seu board.

Piercamillo Davigo afirma que “a corrupção e o crime organizado são companheiros de viagem”. Como se dá essa relação?

Na Itália isso ficou muito evidente. Na comparação com outros países da Europa, o ponto de maior discrepância, nos estudos internacionais, é o rule of law. Quando o empresário confia no judiciário, adota critérios da meritocracia nas empresas. Quando não, precisa se cercar de pessoas de sua confiança, de pessoas amigas, não necessariamente as mais adequadas e eficientes. É a maneira de se defender. Ou temos o empresário que busca proteção na máfia. Políticos foram protegidos e financiados por mafiosos. A Lava Jato também mostrou pontos de ligação do chamado crime comum, do narcotráfico, com a corrupção. Por isso que a discussão da corrupção precisa deixar de ser um tabu. Como é que podemos falar em aprimorar as instituições brasileiras sem que a corrupção seja enfrentada?

Os promotores da Lava Jato tiveram seguidas derrotas no STF nos últimos dias.  O ministro Gilmar Mendes falou em “guerra de poderes”. Os procuradores falam em risco de vitória da impunidade. Tendo em vista a a experiência da Mãos Limpas, como a senhora analisa os acontecimentos recentes?

Não vamos subestimar a criatividade e tenacidade dos corruptos em sua busca pela impunidade e a volta do que era bom para eles. O grande objetivo dos defensores da impunidade é derrubar a prisão depois da segunda instância. Existem outras propostas que enfraqueceriam a repressão aos corruptos. A cada semana surge uma ideia nova. A última foi mandar crimes de caixa dois para a Justiça Eleitoral. Não faz sentido. A Justiça Eleitoral não tem estrutura para isso, a sua prioridade é o funcionamento das eleições. Há interesses muito grandes envolvidos, defendidos por pessoas encasteladas no poder. Por isso a discussão dos custos da corrupção é tão importante para sensibilizar aqueles que não estão envolvidos no círculo vicioso da corrupção, que é a grande maioria da população brasileira.

Sergio Moro, em seu artigo no livro, diz que “há a possibilidade de a sociedade civil e a imprensa, saturadas de escândalos de corrupção, relaxem a vigilância sobre os governantes e permitam não só a continuidade da corrupção sistêmica, mas também a volta da tradição da impunidade”. Existe o risco de frustração?

O processo de reconstrução da integridade do país é longo e cheio de percalços. Sempre será difícil punir todo mundo pelos erros do passado, mas o exemplo da punição de pessoas poderosas ajuda muito. Além disso, crimes menores que surgirem devem ser investigados e punidos de acordo com a sua gravidade. E é preciso assegurar que, daqui para frente, as coisas funcionarão de uma maneira diferente. A direção do projeto apresentado por Moro vai no sentido correto, de modernizar as leis e aumentar a eficiência da Justiça. Agora é esperar para ver como será a tramitação do projeto no Congresso.

Por Giuliano Guandalini

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