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Mesmos sintomas, causas distintas

No Brasil, convivemos há muitas décadas com juros muito elevados. Na coluna de hoje, não quero tratar da formação dos juros ao consumidor —o spread bancário dado pela diferença entre a taxa de captação dos bancos e o juro cobrado do tomador de empréstimos—, mas tratarei da taxa básica, a Selic, que é a taxa pela qual o Banco Central remunera as reservas bancárias excedentes.

Apesar de elevada, a taxa Selic tem caído. O objetivo da coluna é entender melhor o processo de queda da Selic e também o processo de formação dos juros básicos da economia.

Uma situação particularmente difícil ocorre quando temos um mesmo sintoma que tem diferentes causas. É a difícil situação de um médico que tem de fazer um diagnóstico. O sintoma é o mesmo, mas a doença muda.

Ocorreu um fato como esse nos elevados juros básicos do Brasil.

Inicio a análise no segundo mandato de FHC, após a construção das instituições de política macroeconômica que temos hoje: Banco Central com independência operacional e regime de metas de inflação; câmbio flutuante e política fiscal responsável. Este último item com muitas restrições e qualificações ao longo desses anos. Em particular, o período que coincide com a passagem de Arno Augustin na Secretaria do Tesouro Nacional não pode ser qualificado como de política fiscal responsável.

Nesse período que vai de 1999 até hoje, há dois subperíodos bem diversos. No primeiro, até 2002, os juros básicos eram elevados pois o prêmio de risco era elevado. Subtraindo do juro doméstico o prêmio de risco internacional e o juro externo, não sobrava muita coisa. Ou seja, os juros básicos brasileiros eram elevados essencialmente devido ao elevado prêmio de risco.

Em 2003, após sabermos que tínhamos um governo de esquerda fiscalmente responsável, o risco-país caiu muito. No entanto o juro básico não caiu na mesma proporção.

O que ocorreu?

Meu colega do Ibre Braulio Borges matou a charada há algum tempo. Bráulio mostrou que nos dez anos de 2004 até 2014 a economia brasileira operou a pleno emprego de fatores. No jargão da profissão, foram anos em que não havia nenhuma ociosidade. Pelo contrário.

Por que a inflação não estourou? Primeiro motivo, os juros foram elevados. Mas somente os juros elevados não seriam suficientes, pois, como vimos, aqueles foram anos de economia acima do pleno emprego.

O que manteve a inflação relativamente estável, mesmo com a economia permanentemente operando além de suas capacidades, foi a enorme virada nas contas externas. Segundo as Contas Nacionais do IBGE, em 2003 a economia exportou 3,3% do PIB de poupança para o resto do mundo.

No ano de 2014, importamos 3,6%. Ou seja, nesses dez anos, houve uma virada nas contas externas de 6,9 pontos percentuais do PIB. Esses números já se encontram a preços constantes e, portanto, já consideram o efeito da subida dos preços das commodities sobre as nossas contas externas.

Ou seja, a inflação não estourou de 2004 até 2014 pois a oferta internacional supriu o excesso de demanda sobre a oferta doméstica.
Modelos que temos desenvolvido no Ibre sugerem que a alteração na política fiscal no governo Temer —emenda constitucional 95, que estabelece limite ao crescimento da despesa pública— e o ajuste fiscal que temos promovido —bem menos intenso do que se pensa, pois ainda não foram aprovadas reformas que reduzam o gasto público estrutural— têm sido suficientes para promover uma nova redução do juro básico de nossa economia.

O ajuste fiscal estrutural é condição para perenizarmos os juros básicos mais baixos.

Fonte: Folha de S. Paulo

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa