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A eficácia da política monetária depende da política fiscal

O Banco Central tem insistido que há um aumento da potência da política monetária. Enquanto o BNDES era o único emprestador a prazos longos, e o fazia a taxas de juros subsidiadas, o mercado de capitais no Brasil encolhia. Quando o governo criou a TLP, eliminou os subsídios, e pisou no freio dos desembolsos do BNDES, contrariamente ao pessimismo de muitos, floresceu o mercado de capitais, operando a taxas de juros de mercado.

Outra condição importante é que o declínio das taxas reais de juros não se deve apenas à queda da taxa Selic em busca da convergência da inflação para a meta através do fechamento do hiato do PIB. Há uma queda da taxa real de juros de equilíbrio – a taxa neutra de juros –, que já vem ocorrendo há alguns anos. Querem uma estimativa da intensidade? No outro episódio de euforia no mercado de ações, em 2005, quando foram realizados inúmeros IPOs e “follow-ons”, uma NTN-B de 10 anos rendia ao seu comprador 12% ao ano, enquanto agora rende apenas 3%.

Com taxas reais de juros mais baixas e com o crescimento vigoroso do mercado de capitais, surgiu um novo canal de transmissão da política monetária, que é o dos empréstimos de longo prazo ao setor privado. Se o governo Rousseff não tivesse destruído o aparato institucional dos investimentos em infraestrutura realizados através das concessões ao setor privado, já estaríamos assistindo a leilões competitivos com a participação de estrangeiros, que se financiariam em reais no mercado de capitais.

Se a indústria brasileira não estivesse debilitada e com elevados níveis de capacidade ociosa, poderia aproveitar a euforia da bolsa para realizar “follow-ons” ou usar o mercado de capitais para financiar investimentos. Não se cura uma doença grave com aspirina, e para que estes setores se reergam muitas reformas terão que ser feitas, estabelecendo claramente quais são as regras do jogo, aumentando a previsibilidade e reduzindo riscos e incertezas. Esta é uma das razões pelas quais não se pode esperar uma aceleração sensível do crescimento no curto prazo.

Porém, ainda assim a recuperação deverá prosseguir estimulada pelo consumo das famílias, que continuará crescendo, e pelo ressurgimento da construção imobiliária. A queda permanente da taxa real de juros de longo prazo eleva a expectativa de maiores vendas de imóveis a preços mais altos, o que estimula os investimentos na sua construção, que pode ser financiada com empréstimos aos construtores a prazos mais longos e a juros mais baixos. Mas se crescem os preços dos imóveis, a demanda deveria cair, o que atuaria na direção contrária. Felizmente, o Banco Central é um regulador atento, e vem atuando para estimular a execução da portabilidade dos financiamentos imobiliários, o que força a sua repactuação e, com isso, baixa as taxas de juros em financiamentos novos, compensando o desestímulo à demanda vindo do aumento de preços. Tudo isso somente se tornou possível porque ocorreu uma queda sem precedentes nas taxas de juros de longo prazo, e isto não pode ser revertido.

Diante do surgimento deste novo canal de transmissão da política monetária, que eleva a sua potência, o Banco Central baixou a taxa básica de juros até onde era recomendável, evitando introduzir na curva de juros um “prêmio de inflação” que elevasse as taxas em operações mais longas e reduzindo a potência da política monetária. Se isto ocorresse, os empréstimos de longo prazo se tornariam mais caros, desestimulando os investimentos em construção civil, em infraestrutura e naquelas indústrias que se encontram em situação melhor do que as demais.

Contudo, a manutenção das baixas taxas de juros em empréstimos de longo prazo não depende apenas do Banco Central. Elas somente se mantêm baixas porque na percepção do mercado caiu o risco de ressurgimento da dominância fiscal, e para que esta expectativa não se frustre é preciso que sejam aprovadas, ainda neste primeiro semestre, as reformas que garantam o cumprimento do teto de gastos. Assim, a prioridade neste início de 2020 se concentra na aprovação da reforma administrativa, na PEC emergencial do corte de gastos e nas duas outras PECs: a do pacto federativo; e a dos fundos públicos. Com isso, evita-se o surgimento de um “prêmio de risco” que eleve as taxas de juros de longo prazo e reduza a potência da política monetária, abortando a tênue tendência à recuperação da economia brasileira.

Fonte: Estado de SP

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Affonso Pastore