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O investimento ESG

Grandes decisões de alocação de capital serão cada vez mais influenciadas por critérios ambientais, sociais e de governança

A recente reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos teve o meio ambiente como tema central. A preeminência dada ao tema influenciou a escolha de palestrantes e dominou a cobertura midiática. Mais importante, foi tema recorrente nas reuniões bilaterais entre empresas e investidores, que acabam sendo tão ou mais relevantes e estratégicas que os eventos abertos. E o recado foi claro: as grandes decisões de alocação de capital serão crescentemente influenciadas por critérios ambientais, sociais e de governança (ou ESG, a sigla em inglês). Isso terá implicações importantes para a alocação de capital em nossa economia, seja em termos macro ou setoriais.

O investimento ESG é caracterizado por considerar, além da performance financeira futura de uma companhia, seus impactos sociais e ambientais e também aspectos éticos e de governança. A dimensão ambiental é frequentemente salientada, no contexto das discussões sobre ESG, mas não é seu único aspecto. O investimento ESG normalmente se baseia em ratings por meio dos quais empresas e setores são classificados. Quanto maiores os riscos e quanto menos preparada estiver a empresa para lidar com eles, pior será a classificação, que pode ser utilizada como fator de desconto no preço alvo das ações.

Reguladores, em especial da Europa, onde o movimento ESG é mais forte e disseminado, e investidores primários, como fundos de pensão, fundos patrimoniais de universidades ou instituições filantrópicas e certos fundos soberanos não raramente requerem que os gestores de investimentos levem em conta critérios ESG em seus processos decisórios. A indústria de fundos em mercados maduros, por sua vez, passou a ofertar produtos ESG, alguns com ênfase em aspectos específicos, ambientais ou sociais, para se antecipar a tais demandas.

Riscos ambientais incluem atividades que podem ter impactos sobre a natureza e/ou a saúde humana. Historicamente, esse tipo de risco era avaliado mais em função de potenciais impactos de curto prazo, mas nos últimos anos a questão da sustentabilidade ambiental no médio e longo prazos, especificamente no caso das emissões de carbono, tem se tornado mais relevante. Uma planta industrial que apresente baixo risco imediato para a saúde humana, mas que seja intensiva na emissão de carbono, terá classificação ESG relativamente desfavorável.

Empresas podem incrementar riscos sociais quando seus produtos geram danos aos usuários ou consumidores, ou quando contribuem para a manutenção de condições de trabalho arriscadas ou degradantes.

Já os riscos de governança têm a ver com as práticas de gestão da companhia, seu grau de independência do conselho, diversidade, tolerância com práticas eticamente questionáveis ou ilegais (como a corrupção).

As grandes decisões de alocação de capital serão cada vez mais afetadas por critérios ambientais, sociais e de governança

O investimento ESG é uma resposta do setor financeiro às demandas sociais e, assim, é bem-vindo. Mas as implicações da emergência do investimento ESG não são triviais. Uma delas é, potencialmente, incentivar a verticalização das empresas. Uma interpretação estrita de critérios ESG significa que não basta que uma empresa adote melhores práticas; é preciso que seus fornecedores, pelo menos os principais, também estejam alinhados. Isto pode levar empresas a considerarem aquisições que, de outra forma, não estariam sendo contempladas com vistas a reduzir o risco ESG. Mas preocupações ESG podem também incentivar a inovação, como a busca mais intensa por fontes de energia renováveis.

Outra implicação é, em linhas gerais, incentivar o investimento em ações do setor de serviços em detrimento de ativos emitidos por empresas do setor primário ou da indústria, que, todo o resto sendo igual, dada a natureza das atividades, enfrentam riscos ambientais mais elevados.

Um caso interessante é o das empresas de tecnologia. Estas, geralmente, têm notas elevadas sob o critério do risco ambiental, mas não necessariamente sob o ponto de vista do risco social dada a possibilidade de utilização espúria de dados pessoais ou ameaças à privacidade dos usuários. Esse cenário ilustra um aspecto importante do movimento ESG na atualidade: a ausência de critérios universalmente aceitos. A dificuldade se inicia pelo fato de que há uma multiplicidade de ratings, alguns públicos, compilados por entidades que dão apoio ao mercado, e outros internos, gerados por prestadores de serviços, investidores ou bancos de investimento.

De qualquer forma, é possível fazer algumas conjecturas sobre o impacto do movimento ESG no mercado brasileiro. Os gestores vão ter que adotar critérios de sustentabilidade e boas práticas nas suas políticas de investimento, mormente os voltados ao mercado acionário. Provavelmente, haverá também o aumento da popularidade de produtos alinhados a princípios ESG – fundos com essa abordagem ainda são uma fatia muito pequena do mercado. Os analistas de bancos, por sua vez, terão, cedo ou tarde, que passar a adotar de forma explícita critérios ESG na sua avaliação das empresas.

Do ponto de vista macroeconômico, critérios ESG podem vir a influenciar a alocação de capital entre países, embora a taxa de crescimento provavelmente continue sendo o determinante mais importante. Em resumo, países e empresas podem até tentar ignorar os princípios ESG, só não podem se surpreender se fluxos de capitais e preços de ativos forem afetados de forma cada vez mais intensa por esses critérios.

Fonte: Valor Econômico

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita