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‘Discussão de aumento da carga tributária não pode ser tabu’

Economista do Itaú Unibanco também defendeu reformulação de programas de distribuição de renda; Mesquita participou da série de entrevistas ‘Economia na Quarentena’, do ‘Estadão’

Embora o Brasil ainda esteja no pico da pandemia de covid-19, o economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, afirma que o Brasil não pode perder o foco nas contas públicas. Segundo ele, a agenda de reformas propostas pela equipe econômica do governo precisará voltar à pauta em breve, sobretudo para mostrar ao investidor estrangeiro de que o Brasil não vai perder o controle de seu endividamento.

Mario Mesquita
Economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, discutirá os desafios para o Brasil crescer pós-pandemia. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

E nenhuma alternativa pode ser descartada nessa luta pela recuperação da economia e da credibilidade internacional. “Dado o crescimento da dívida, inevitavelmente, se a gente quiser minimizar o risco fiscal, vai ter de contemplar, mesmo que,de forma temporária, o aumento da carga tributária. (Isso) não deve ser tabu”, disse Mesquita, que participou nesta terça-feira, 7, da série de entrevistas ao vivo Economia na Quarentena, do Estadão.

A discussão do orçamento para 2021 não será fácil, até porque ele terá de apontar para o controle de gastos e, ao mesmo tempo, para a distribuição de renda que se mostrou necessária em meio ao caos econômico causado pelo coronavírus. Para o economista, no entanto, a estratégia precisa ser de longo prazo e contemplar uma eventual saída dessas pessoas dos programas sociais. “A questão é que a gente precisa desenhar uma porta de saída, que deve ser pela educação. A solução permanente não é o auxílio, mas sim o País crescer.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista: 

Quais são os passos para a reconstrução do Brasil pós-pandemia?

Primeiro, a gente não perder o que começou a conquistar nos últimos anos, que é uma combinação rara taxas de juros e de inflação muito baixas. Isso está viabilizando uma transformação no mercado de capitais e na forma de o brasileiro investir. A gente vinha numa configuração de política econômica interessante, com taxa de câmbio mais competitiva. Uma condição para isso foi o processo bem gradual de ajuste fiscal desde 2016, com teto dos gastos, e do qual a gente se desviou em 2020. A necessidade desse desvio é consenso entre os analistas (para o período da pandemia). Mas precisamos voltar aos trilhos.

E quando é a hora de fazer essa escolha? Analistas falam de setembro como um mês chave para se ter ideia dos estragos provocados pela covid-19…

Há calendário fiscal brasileiro, que prevê que a gente trabalhe no orçamento agora em agosto e setembro; e tem o calendário da pandemia, que ninguém controla. Não sei se a gente vai ter tanta clareza assim da evolução da pandemia até setembro. De qualquer forma, a gente tem de trabalhar no orçamento para o retorno da política fiscal para uma trajetória de ajustes. Não sei se vai ser possível rever a agenda de gastos extraordinários de 2020 e 2021. Mas andar em direção ao ajuste é necessário porque nossa dívida pública já deve superar 90% do PIB este ano. Isso é muito alto para um país emergente.

Quais devem ser as prioridades da agenda econômica para manter o ajuste fiscal?

Lá atrás, o governo tinha falado de reforma administrativa. O governo deve ter mecanismo de gestão sobre sua força de trabalho. Dado o crescimento da dívida, inevitavelmente, se a gente quiser minimizar o risco fiscal, vamos ter de contemplar, mesmo que de forma temporária, o aumento dos impostos. A gente tem uma reforma tributária em curso. O eixo dela não era aumentar a carga de impostos, mas simplificar. Só que de lá para cá, a dívida pública deu um salto de 15 pontos porcentuais do PIB. Sob o ponto de vista de minimização de risco, deve contemplar sim esta discussão (de alta da carga tributária?), ela não pode ser tabu. Não é desejável, mas é que a gente precisa, dada a emergência fiscal na qual a gente se encontra. 

Qual é o espaço de elevação de impostos?

Tem desonerações que temos há muito tempo na nossa economia. De fato, podemos repensar a questão da pejotização, alguns setores que têm tratamento tributário favorecido. Há uma lista grande de desonerações que somam alguns pontos porcentuais do PIB. Parece que faz mais sentido isso do que aumentar ainda mais os impostos já existentes. Até essa crise era consenso de que a carga tributária era elevada e não poderia subir. Dado o aumento da dívida em relação ao PIB, não dá para a gente descartar uma alta temporária da carga tributária para reduzir o risco fiscal.

Dá para calcular o peso do auxílio emergencial na economia?

Com o auxílio, a gente estima que a renda disponível para as famílias este ano deve ficar relativamente estável ou ter um pequeno crescimento, de 1%. A massa salarial deve cair algo em torno de 10% a 15%. Mas isso tem um custo fiscal. Nossa conta é que cada R$ 100 por mês de auxílio custa 0,1% do PIB. Então, a decisão de estender o auxílio por dois meses a R$ 600 deve custar algo em torno de 1,8% do PIB para um país com gastos já elevados.

Economistas falam que o Bolsa Família ajuda as pessoas e sai relativamente barato. Neste ponto, distribuir diretamente para as pessoas os recursos pode ser uma boa solução para o Brasil?

Durante muito tempo, havia um preconceito em relação às pessoas de renda mais baixa. A ideia era de que as pessoas não saberiam gastar. Isso é um tremendo preconceito. Esse desenho de concentrar o dinheiro na mãe de família, que sabe muito bem onde alocar os recursos, se tornou exitoso. Na gênese, a transferência era condicionada à família manter as crianças na escola. Acho que o programa de transferência de renda vai ser tão exitoso quanto menos relevante ele ficar ao longo do tempo. Isso significará que as famílias de baixíssima renda estão conseguindo aumentar a sua renda. A questão é que a gente precisa desenhar uma porta de saída, que deve ser pela educação. A solução permanente não é o auxílio, mas sim o País crescer.

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Muito se fala em privatizações e concessões. É uma forma rápida de fazer a economia andar mais rápido?

Pode ajudar no setor de infraestrutura e atrair capital. No entanto, vamos continuar a ter dificuldades de implementação. Temos um gargalo de projetos, de licenciamento que tende a ser lento… Então ajuda, mas eu não vejo como algo que resolve do dia para a noite.

O emprego vai muito mal. Como pode se dar a recuperação nessa área?

Sempre que tem recessão o emprego é prejudicado. O mercado de trabalho costuma se recuperar sempre no fim das crises. Não vai ser diferente desta vez. O principal fator da retomada do mercado de trabalho serão os efeitos das decisões de política monetária que foram tomadas nos últimos 18 meses. Quando o Banco Central corta juros, o impacto vem daqui a 12 meses.

Como o sr. vê o comportamento do investidor estrangeiro sobre o Brasil?

Há uma busca por retorno financeiro (no mundo todo). O Tesouro Nacional e a Petrobrás fizeram emissões muito bem-sucedidas no mercado de renda fixa. Há muito apetite do investidor por ativos de risco – e isso ajuda. Mas nós precisamos nos ajudar. Se a gente olhar a moeda, o real tem tido um desempenho pior do que a maior parte de seus pares. É uma combinação das taxas de juros em níveis historicamente baixo scom risco fiscal elevado.

A crise política não afugenta esses investidores?

Adiciona incerteza e é algo que afugenta capital. Hoje eu vi várias declarações de retomada de agenda de reformas e da discussão da autonomia do Banco Central. Acho que seria muito positivo se a gente tivesse uma pacificação mais persistente do ambiente político nacional e a retomada das reformas. Isso seria bem-vindo.

O que mais atrapalha?

Outro ponto que não pode ser subestimado de forma alguma é a questão ambiental, principalmente para o investidor em Bolsa e os que vêm para ficar no longo prazo. Tenho percebido, em meus contatos, essa preocupação. A pandemia é o grande foco do mundo atual, mas o segundo tema é o ambiental. Está  todo mundo atento ao que o País vai fazer. Se a gente não adotar uma política que seja consistente com as tendências globais dominantes, a gente pode enfrentar consequências da forma de atração de capital.

A gente não tinha um problema na questão ambiental e agora passou a ter?

Sempre tivemos o problema, mas ele estava sendo administrado de uma forma razoável, na visão dos investidores internacionais. E agora estamos sendo questionados, estamos vendo movimentos nessa direção por vários investidores. É uma preocupação que tem sido passada para mim e para várias outras pessoas aqui no mercado brasileiro de forma recorrente e intensa. Se o mundo tem uma opinião, é melhor a gente escutar. 

O FMI veio piorando as previsões para a economia brasileira e hoje já prevê queda superior a 9%. Como o sr. vê isso?

Espero uma queda mais modesta da economia, de 4,5%. Uma contração mais intensa no segundo trimestre, de cerca de 10% a 11%. A recuperação do terceiro trimestre será muito em função da base deprimida do segundo. Para chegar no número do FMI, precisaria haver a segunda onda (da pandemia). Aí a gente contemplaria uma queda bem pior para o PIB.

Fonte: Estado de SP, por Fernando Scheller e Mônica Scaramuzzo

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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