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Não vamos sonhar que Brasil vai sair rápido da crise, diz ex-chefe do BC

Poucos economistas brasileiros – pouquíssimos, na verdade – podem se equiparar, em sua trajetória profissional, a Affonso Celso Pastore. Depois de quase seis décadas de atividade, o Pastore acumulou essas descobertas como pesquisador, professor, consultor e servidor público.

O intelectual rigoroso, que contribuiu para o desenvolvimento teórico de sua especialidade, e o analista de opinião da realidade brasileira, também ocupou cargos públicos de relevo. Primeiro, entre 1979 e 1983, como secretário da Fazenda de São Paulo, e depois, na presidência do Banco Central, entre 1983 e 1985.

No Banco Central, o Pastore enfrentou uma das muitas crises da dívida externa pelas quais passou na economia brasileira, em nenhum caso, em consequência da elevação das taxas de juros internacionais, como resposta ao choque do petróleo, nas barbatanas dos anos 70. como pressões inflacionárias do período, lidando com as imagens causadas pela falta de instrumentos utilizados para empreender.

Professor na Faculdade de Economia da USP por quase 40 anos, e, depois, na Fundação Getúlio Vargas, a partir de 1999, Pastore é coordenador do Codace (Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos), hospedado no Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia), que avalia e determina os ciclos de recessão e crescimento da economia brasileira. Aos 81 anos, o economista é ativo participante do debate público da economia, mantendo a coluna semanal no jornal “O Estado de S. Paulo”.

A organização do ex-presidente do BC Ilan Goldfajn e o jornalista Fernando Dantas, neste mês de julho, editor do Portfolio-Penguin publicou “A economia com rigor” . O livro, uma homenagem ao percurso profissional do Pastore, nasceu de um seminário, realizado em 2019, no Cdpp (Centro de Debate de Políticas Públicas), do qual o Pastore é um dos fundadores, em comemoração aos 80 anos do economista. Com artigos de economistas expoentes da chamada linha ortodoxa, para qual Pastore se filia, uma obra promove uma interessante ressurreição da evolução das pesquisas, debate em torno das teorias e políticas públicas, no Brasil dos anos 50 até os dias de hoje.

Nesta entrevista ao UOL, Affonso Celso Pastore conta como vê o futuro da economia brasileira nos tempos de pandemia de Covid-19. O economista explica por que não acredita em recuperação rápida da atividade econômica. “Não vamos recuperar a recuperação em V, diz.” Essa recuperação só existe na cabeça de quem não faz um minuto para raciocinar sobre a natureza do fenômeno “.

Pastore também acusou o presidente Jair Bolsonaro – e seu modelo, ou o presidente americano Donald Trump – de não darem valor à vida e apenas pensarem nos seus futuros políticos. “Não há escolha entre salvar vidas ou economia”, assegura. “Presidente responsável precisa salvar vidas e a economia”. Segundo ele, nesse contexto, falar em prejuízos na economia é “desculpa de mau vendedor”.

UOL – Qual letra do alfabeto identifica melhor a marcha da economia brasileira na pós-pandemia ? Será que com uma recuperação muito rápida e vigorosa? Com U, em que vai haver recuperação, mas ela será um pouco mais lenta? Com um W, que recuperação é recebida, com segundas ondas, com quedas em sequência e voltas também em sequência? É com L, uma situação pior que cai e não volta?

Affonso Celso Pastore – Gostaria de excluir duas letras dessa possibilidade: o V e L. Acho que a economia se recupera em uma determinada hora. Em V, não tem essa hipótese na frente. Pode ser um U, com parte de baixo um pouco mais longa, e talvez o lado direito um pouquinho mais curto do que o lado esquerdo. Pode ser um W.

Por que tem essa dúvida? Esta é uma recessão completamente diferente de todas as pessoas que estudaram na vida. Não há nada com aquelas depressões do tipo de 1929. Ela não tem relação com uma crise de 2008, que era uma crise bancária, sistêmica, que usava uma bolha de bolha, que era uma bolha imobiliária, que todo mundo achava que não existe, que não provocou uma forte contração, mas que foi rapidamente consertada. Foi arrumada, com pouco de martelo a mais do que desvio, mas a economia se recuperou. O Brasil teve uma recuperação em V em 2008.

Tivemos dois trimestres consecutivos de queda no PIB, nessa época. Um maior foi no primeiro trimestre de recessão. O PIB deve ter caído para uma taxa anualizada de 15%. Na segunda, caiu uma taxa anualizada metade reduzida. Agora, no terceiro trimestre, já conseguimos crescer uma taxa anualizada de 8%, e aí foi de 8% para 9%, de 9% para 10%. Entrou no ano de 2010, quando o PIB na média de 2010 em relação a 2009, cresceu 7,5%, que são taxas no ritmo do milagre brasileiro. Nós nunca mais vimos isso. Na crise de 2008, a recuperação foi muito rápida, o consumo das famílias praticamente não caiu. Tivemos um pequeno desemprego.

Primeira diferença. Quem nos impôs essa recessão foi um meteoro que caiu na Terra e pegou uma Terra inteira, chamada pandemia. Você pode ter duas atitudes com relação à pandemia. A atitude da Idade Média, não qualifica você não faz nada – coitados! eles não tinham o que fazer quando tinham uma peste negra, quando tinham uma peste bubônica. Você não tinha ciência, você não tinha conhecimento. Quer dizer, o que determina um número enorme de mortes.

Aqui no Brasil, temos um presidente que olha para isso, faz graça, etc. Mas não podemos deixar de morrer, a vida humana tem um valor extraordinário e temos o valor da vida humana. Para evitar esse número enorme de mortes, é preciso adotar estratégias de afastamento social. Para isso, a melhor teoria conhecida é a martelar e depois dançar. Primeiro, uma martelada, feche a economia, faça um bloqueio muito rígido para poder achatar ou contatar.

No segundo momento, começa a dançar, sem sentido, o ritmo de crescimento aumenta, reduz a atividade, o ritmo de queda, abre a economia um pouco mais. Quem usou essa estratégia do martelo foi para a China e outros asiáticos. Eles tiveram mais sucesso do que na Europa, como foi o caso da Coreia do Sul e do Japão. Outros que conseguiram sucesso com essa estratégia foram a Austrália e a Nova Zelândia.

A Europa começou mais tarde. Eu estava na Itália, coincidentemente, em janeiro, quando uma coisa começou. Logo no início, os italianos negam o problema, mas logo quando descobrem um problema grave, usam um bloqueio muito rígido. Para sair de casa, como as pessoas precisam de um atestado de autodeclaração que tinha no supermercado, na farmácia, e logo voltariam para casa. Não é possível encontrar uma cidade para outra. O mesmo aconteceu na França, na Alemanha.

Depois de Boris Johnson cair em si, aconteceu também na Inglaterra. Hoje, como economias da Europa estão abrindo. Esses países não têm vírus, o que só ocorre como vacinas, e ainda não temos. Significa que nenhuma dessas economias poderá se recuperar rapidamente. Não é possível alimentar essa ilusão nem nos países que fizeram o direito ou distanciamento.

Como devemos encarar os fatos essa realidade e quais os seus efeitos sobre a economia? Trump e Bolsonaro têm alguma razão para dizer que a cura da doença, com o fechamento da economia, pode matar mais do que a própria doença?

Vou dar uma resposta com histórias de como o mundo reage. A China fechou tudo e este ano a China cresce, depois de dois trimestres de queda. A Coreia do Sul encontrou tudo, e a recuperação é muito mais rápida na Europa e nos Estados Unidos. A mesma coisa com a Austrália, agora você pode recuperar mais rapidamente. O que, então, posso dizer o quanto Trump quanto Bolsonaro pensará no futuro político deles. Eles não dão valor à vida. E essa desculpa de danos à economia é uma desculpa de mau vendedor.

A Europa, coitada, se atrasou, fechou, e o ano que vem se recuperar. Nenhum país da América Latina, das Américas de um modo geral, obterá esse tipo de desempenho. Todos têm recessões mais fundas e mais tempo para recuperação, porque nenhum deles conseguiu segurar uma curva de contágio. No Brasil, uma curva de contágio agora se estabilizou. Ela vinha crescendo, crescendo, crescendo, mas ainda não começou a cair. No México, ela está subindo. No Chile, quando acelerou, o Chile fez um bloqueio, e, aparentemente, segurança ou contágio. Nós temos que ver como é que fica.

Em todos esses casos, infelizmente temos mais algumas ondas de contágio. O Rio de Janeiro abriu. É surpreendente o que aconteceu nos bares do Leblon sem abrir o Rio de Janeiro. É surpreendente o que acontece … você é um fator de comunicação para uma sociedade que tem um perigo de contágio, ou um sujeito pode dizer: “eu sou um atleta”, como disse Bolsonaro. “Eu não tenho problema”. Mas se ele estiver contaminado, ele está contaminando os outros. As pessoas têm que ter consciência disso.

Ainda que os governos ajam e não expliquem para uma sociedade – que parte da liderança de um governante é fazer essa informação chegar à sociedade e, sem fundo, orientar uma sociedade, ainda que esse governante seja uma irresponsável, como é o caso de Bolsonaro , ou como é o caso de Trump, uma sociedade não é irresponsável. A sociedade toma medidas espontâneas de isolamento.

Resumindo, não há uma escolha para salvar vidas, com isolamento ou salvar uma economia. Um presidente responsável tem que fazer como duas coisas.

É possível chamar essa retomada moderada em 2021, depois de forte o que deve ocorrer em 2020, de recuperação, sem exceção, sem aspas?

Vou pegar uma projeção do Banco Central: 6,5% deste ano. A população cresce 0,8%. Portanto, a renda per capita cai 7,3%. Ela não tinha se recuperado no nível que estava antes de outra recessão, em 2014. Ainda está com renda per capita 4,5% abaixo do pico de 2014. 4,5% com mais 7,3% dá 11,8% , 12% abaixo da renda per capita de onde nós podemos usar em 2014. Suponha que a economia cresça 3,5% no ano que vem, vamos supor que cresça 4% no ano que vem. Tira 0,8% da população. Você caiu 12%, base baixa de 12% e 3%. Você ainda vai estar 9 pontos percentuais abaixo de onde estava lá atrás.

Por que estou chamando atenção para isso? Porque, na recessão de 2014, uma força motriz de recuperação, uma única, foi uma coisa chamada consumo das famílias. A taxa de investimento nunca será recuperada. O consumo do governo não pode ser recuperado, porque a partir de 2016 estamos no teto de gastos. Então, estava congelado pelo teto de gastos. O governo não pôde fazer política expansionista fiscal. Terminou uma pandemia, uma economia voltará ao teto de gastos, porque não será possível ficar gastando, porque o Brasil é um país com baixa tributação.

Será que o consumo seria agora em força motriz? Onde está o desemprego no final deste ano? Estamos usando os dados do Pnad Contínuo para poder começar uma estimativa … como ela continua, três meses, sai um mês, entra outro, sempre sem um trimestre contínuo, você tem mensalmente ou dado para saber direito aonde vai um taxa de desemprego, que estava em 12% antes de começar essa história inteira. Esse taxa de desemprego pode chegar a 18%, pode ir a 19%, pode ir a 20%, pode ir a 21% no final deste ano. Você não conseguirá reempregar esse pessoal, não será que a indústria volte a investir. A indústria está tomando um tombo daqueles como cair de cima do Himalaia para baixo. Quando eu olho para isso, eu penso, ou o consumo vai ter alguma recuperação, mas ele não pode ser uma força motriz.

Ah, o governo está transferindo R $ 600 por mês para as famílias desassistidas que, infelizmente, no Brasil são muitas. Não estou falando em milhões, estou falando em milhões, milhões de pessoas com 30, 40, 50 milhões de pobres desassistidos. Esse pessoal recebe os R $ 600 e consome tudo. Vai para o supermercado, compra comida e não morre de fome. Agora, na nossa sociedade, que tem uma distribuição de renda muito concentrada, infelizmente, o peso desses 40 milhões ou 50 milhões de pessoas no consumo de famílias é muito pequeno. O número dramático no país como o Brasil é o consumo depende da classe média para cima. É lá que você compra um automóvel, que compra roupas, que compra sapatos, que compra bens e equipamentos domésticos, compra panela, você compra tudo ou compra.

Esse tipo de pessoa é uma pessoa que reage ao risco de uma pandemia de uma forma extremamente racional. Se você tiver um aumento de renda, ele entrará para aumentar a economia. Para você garantir a próxima crise. Se você não tiver um aumento de renda, desculpa, você pode cortar o seu consumo. Não tem como recuperar o consumo das famílias. Assim, em 2010 e 2012, os táxis de investimento no Brasil estavam entre 20% e 21% do PIB, ela estava entre 16% e 17%. A estimativa é que não seja final deste ano, ela está em 12%.

Nunca foi tão baixa.

Nunca foi tão baixa. Estamos vivendo uma recessão mais profunda da história, que tem um risco de um vírus que não foi dominado, que indica que a recuperação será lenta. Então, não vamos dar um sonhar com recuperação em V, que essa recuperação em V existe na cabeça de quem não parou um minuto para poder raciocinar sobre a natureza do fenômeno.

E de onde virá a recuperação, de onde virá o impulso para a atividade crescer? Não é consumo, é menos investimento, é investimento público, é setor público? De onde virá?

Eu sei onde ela não vem. Podemos até prorrogar esse orçamento de guerra. Eu acho que muito provavelmente será o que causará esse orçamento de guerra, porque você não pode deixar de morrer, por causa da covida, mas se não morrer de fome, é outra história. Estamos fazendo um déficit público este ano de 12% a 14% do PIB. A dívida pública bruta, que era de 78% em dezembro de 2019, salta para cento e poucos por cento, 100%, 101%, 102% no final deste ano. Você vai ter que continuar fazendo controle de gastos. Você vai ter que voltar ao controle de gastos. Então, o governo não tem forma de ser a força motriz.

Tem um instrumento que se chama política monetária. Não é por ligação com a casa, porque eu ando por lá, durante uma certa época da minha vida, que eu comprei simpatia pelo Banco Central. Mas nem sempre eu tive simpatia. Depende de quem está lá. Essa equipe que está lá está fazendo direito. Eles são à prova de qualquer tipo de erro? Ninguém é capaz de provar qualquer tipo de erro, todo o mundo comete um erro na vida, mas uma massa de alertas é muito maior que qualquer fração de erro que eles estão cometendo. Eles estão sujeitos a crédito para impedir que empresas quebrem. Por exemplo, você tem um crédito dado a pequenas e médias empresas, que pagam uma folha de pagamento e optam por não despedir os trabalhadores, qual o governo entra com 85% de risco.

Mas parece que não está chegando ou que os bancos também não estão consultando ocarcar nem com 15% desse risco.

Eu vou dizer o seguinte: é difícil. Você faz uma primeira medida, não funciona, você tem que refazê-la, você tem que ver onde está que está com erro. Uma das vantagens dessa equipe – estou me referindo ao Banco Central, não estou me referindo ao resto do governo – eles reconhecem onde está com dificuldade, tentam, às vezes não usa solução, mas pelo menos tem uma tentativa. Se falhar numa tentativa e dez, acertar oito e ficar devendo duas. Isso chega, esse crédito e cobrança de juros baixos. Agora, os próprios taxa de juro para baixo têm um limite.

Então, chega um certo momento em que até a política monetária tem seu limite. Nós não podemos esperar que ela entregue mais do que ela pode entregar. Ela tem uma capacidade limitada de fazer economia voltar. Você vai voltar devagar. Você vai dar um estímulo, ou o estímulo vai gerar um pequeno aumento de consumo. Você vai empregar uma pequena fração de desempregados. Na hora em que você faz isso, um setor que produz um certo tipo de bem-estar é causar esses consumos, que não emprega um pouco mais de pessoas, que não consome um pouco mais. Lentamente, a economia vai voltando.

Podia vir para o setor externo, então o mundo inteiro está em recessão. Não é só o Brasil. Tem uma recuperação da China. Ela vai crescer 1% este ano. O ano que vem talvez cresça 3%. A China costuma crescer 10%, 11%. Para aquela explosão de preços de commodities, o Lula teve o que aconteceu em 2010, o que foi um … assim, o [Edmar] Bacha costuma dizer o que foi uma coisa externa, que, sem fundo, fez o cara se beneficiar daquilo. Não tem essa bonança externa, porque a China não consegue fazer isso. Então, a recuperação não vem do lado de fora. Nós deixamos o nosso problema fiscal evoluir para um nível muito grave. Tanto que tive que botar uma alteração constitucional congelando gastos. Olha onde nós tivemos que chegar. Não vai ser fácil o caminho.

Até quanto pode cair nos juros básicos, para evitar todos esses problemas?

O Brasil é um país que tem um risco maior do que os outros. Se ele tiver um risco maior do que os outros, o nosso imposto mínimo de juros é maior do que os impostos mínimos de um país que não tem risco. Os Estados Unidos não têm risco. A Inglaterra tem toda uma história lá para trás, não tem risco. Você pode olhar para a Austrália e dizer que a Austrália não tem risco. Mas na América Latina tem todo risco. A taxa de juros está bem baixa hoje. Se você olhar um taxa real no Brasil, ela já está em zero. Estamos com uma Selic de 2,25%, mas estamos com uma economia próxima. Estamos com um taxa real em zero. Agora, se você for para um taxa nominal em zero, você vai ficar com uma taxa real negativa. Você tem um prêmio de risco no Brasil que é positivo.

O Brasil é um país que tem um risco maior do que os outros. Se ele tiver um risco maior do que os outros, o nosso imposto mínimo de juros é maior do que os impostos mínimos de um país que não tem risco. Os Estados Unidos não têm risco. A Inglaterra tem toda uma história lá para trás, não tem risco. Você pode olhar para a Austrália e dizer que a Austrália não tem risco. Mas na América Latina tem todo risco. Ela está bem baixa hoje. Se você olhar um taxa real no Brasil, ela já está em zero. Estamos com uma Selic de 2,25%, mas estamos com uma economia próxima. Estamos com um taxa real em zero. Agora, se você for para um taxa nominal em zero, você vai ficar com uma taxa real negativa. Você tem um prêmio de risco no Brasil que é positivo.

Mas um taxa nominal de 1,5% é possível?

Isso vamos saber por tentativa e erro. Não tem ninguém que consiga, a priori, diga se ela está mais próxima de 1,5%, se ela está mais próxima de 2%. O Banco Central tem o seguinte comunicado: não está gravado em pedra, ninguém sabe exatamente qual é o tamanho dessa taxa mínima. Nós vamos descobrir o quão longo é o tempo, sentindo como diminuir o mercado. Para você sentir como tocar mercado, você não pode fazer movimentos bruscos, você tem que fazer movimentos suaves. O Banco Central fez dois movimentos bruscos, nos quais ele cortou 75 pontos em cada um deles. Nós permitimos que desabilite uma recessão, faça um movimento brusco, faça o que uma pessoa chama “front loading”. Daqui para frente ele vai de 25 em 25, dá 25 e espera uma ou duas reuniões para outro corte de 25. É como um jogador de bilhar que não conhece como leis da física. Mas ele tem que olhar exatamente onde tem que pegar bola para jogar bola na caçapa. Isso é uma questão de arte. O Banco Central vai ter que desenvolver essa arte, descobrir esse meio de tentativa e erro.

Como harmonizar a necessidade de responsabilidade fiscal com a necessidade quase humanitária de uso, sustentar, proteger a quantidade que você falou, esses milhões, diminuir milhões de brasileiros vulneráveis.

Primeiro lugar, não é possível viver em um país com uma desigualdade gigante. O país não é funcional, não é justo, não é passível de viver. Em segundo lugar, você não pode excluir um sujeito que foi excluído porque não teve uma comida, não se formou direito e não foi para a escola. Esse cara não tem futuro. Então, tem que transferir dinheiro para esse tipo de família. O Bolsa Família foi uma solução para isso, e uma solução belíssima. O Brasil gasta com o Bolsa Família uma coisa com retorno social absolutamente dantesco. Você está pegando crianças que têm um destino absolutamente incerto, colocando na escola, gerando comida. Um mínimo de renda para a mãe, e esse cara virá um cidadão que lá na frente vai ter uma profissão, ele vai crescer.

O Bolsa Família, no entanto, atingiu um pedaço da sociedade. Existem estimativas feitas no Brasil e no exterior que são excelentes estimativas da qualidade do programa. Todo o mundo busca diferenciar o produto e quer ganhar ou obter o reconhecimento político de ter inventado uma solução da roda. A roda está inventada. Vamos pegar esse Bolsa Família e vamos alargar esse Bolsa Família. Vamos incluir mais gente no Bolsa Família. O Bolsa Família é selecionado, ele seleciona um certo número de pessoas. Estão excluídos da informação, encontra um caminho de trazer-los para dentro.

Mas, quando você incluir informações, vai ter que encontrar um recurso mais, porque essa conta tem que fechar. O recurso está mais em algum momento desesperado que não existe no governo. Vou dar dois exemplos de desespero. O primeiro, de 2014 em diante, como renúncias fiscais. Elas já estavam no nível alto, 2% do PIB de 2014, 4,5% do PIB e ficaram lá. Alguém se beneficiou disso, algum empresário se beneficiou disso. Você pode tirar essas renúncias e usar para distribuição.

Segundo lugar, existe um programa chamado Simples, inventado por Guilherme Afif, ou avaliador preferido de Guedes. Então, esquece, que ninguém vai mexer no Simples. Na Itália existe um sistema parecido com o Simples, beneficiado é uma pequena empresa. Uma pequena empresa cresce, em vez de um indivíduo crescer na empresa ele cria uma outra parte do lado, fica com duas pequenas empresas. Ela cresce, fica com três pequenas empresas, com quatro, com cinco, com seis. Totalmente ineficiente. Só para ganhar o tributo. Acaba o Simples e distribui a renda. Reduz o Imposto de Renda na Pessoa Jurídica para aumentar o investimento e aumentar a tributação do dividendo, que vai para o dono da empresa. Nós temos que ter coragem de redistribuir renda.

Quer dizer, tem que mexer na carga tributária, e nenhum sistema tributário.

Você pode mexer na formação dela, mas sem subir na carga. Por exemplo, você gera alguma coisa, que, sem fundo, tira um privilégio que estava lá, que é uma retenção, faz algo na direção de outro …

Posso dar um exemplo. A carga está em 33%, 34% do PIB. No Simples, o cara paga 10%. Quer dizer, uma carga dele não é tão alta. Muito pelo contrário, é quase 60% ou 70% menor do que isso. É isso que você está falando? Reequilibrar …

Essa é uma delas. Uma outra é a seguinte: o que é o desperdício de gasto mal feito dentro do governo, eu comecei por aí. Quer dizer, não dá para mexer no Simples, começa a olhar o desespero que está lá, ou o que é mal feito. E, sem fundo, poupa dinheiro que você faz uma redistribuição de renda belíssima. Só que não pode ser um negócio assim, tem alguma condição de renda. Bolsa família gera uma condicionalidade. Você tem que criar um cidadão que, daqui a 20 anos, vai ser um cidadão que vai contribuir para o país. Você não pode criar um vagabundo que, sem fundo, nunca vai evoluir na vida. Você não pode ter nenhuma condição de educação, melhora de vida, melhora de hábitos de alimentação.

Você tem que colocar elementos que, sem fundo, gerem um acesso ao indivíduo à mobilidade social. Começa com dinheiro, mas vai assumir as responsabilidades que vão fazer aquele indivíduo respeitável lá na frente, que será extremamente importante para fazer o país continuar a crescer. Temos que sim, temos que fazer uma distribuição de renda e muito. O Brasil é muito desigual.

Para encerrar, abrindo para considerações finais, mas também condicionando. O que alguém não falou que você acha que era importante deixar como mensagem, em dois minutos?

Vou falar em um minuto. Estamos no meio de uma crise, mas as crises passam. A gente sai melhor, ou a gente sai pior, quanto mais racional a gente para lidar com cada uma das crises. Claro que em uma situação como essa que você faz, coloca um problema aqui, coloca um problema ali. E claro que o governo está falhando miseravelmente nessa crise. Mas a sociedade tem canais através dos quais ela pode pressionar. Tem imprensa, que é livre. Olha que coisa maravilhosa! O Brasil tem imprensa livre. O jornal público o que ele quiser. A televisão fala ou o que ela quer. Na rede social, você pode agrupar o caminho que quiser. Não dá para ir à rua porque tem isolamento social. Daqui a pouco vai poder ir. A sociedade tem que se manifestar. Ela não pode ser uma sociedade calada.  Ver e se queixar, sentar na beira da calçada e dizer “olha que coisa infeliz, nós nascemos aqui, vamos morrer aqui”. Nós temos uma obrigação de batalhar pelo país. A vacina vai chegar, a covid vai terminar e o nosso futuro quem vai fazer somos nós mesmos. Depende de como a gente se organizar para poder mudar o país, transformar do jeito que a gente quer.

Fonte: UOL, por José Paulo Kupfer

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