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Política econômica neoliberal?

Nem um governo de extrema direita consegue alterar o padrão de escolha social do país

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso que certa esquerda tem usado as palavras de ordem “abaixo o neoliberalismo” para atacar um conjunto de reformas modernizantes que foram propostas —diversas foram aprovadas— com o objetivo de melhorar o desempenho da economia.

Quase sempre as palavras de ordem tinham menos a função de defender programas e modelos diferentes para o país e mais a de estigmatizar adversários políticos.

Qualquer olhar minimamente honesto para as políticas econômicas e sociais que praticamos nas últimas décadas descarta qualquer motivação neoliberal dos seus formuladores e dos políticos que estiveram à frente quer do Executivo nacional, quer do Legislativo.

Somos, no continente, campeões de gasto público, gasto social, gasto com Previdência e gasto com funcionários públicos, incluindo o regime de aposentadoria de servidores mais generoso de que se tem notícia.

O que tem sido pouco notado é que, novamente, mesmo tendo à frente do Ministério da Economia um ministro neoliberal, o equilíbrio político produziu enorme elevação do gasto público em resposta à pandemia.

Não há a menor dúvida de que o estado de calamidade pública requereria elevação do gasto em níveis muito superiores aos limites estabelecidos pela emenda constitucional 95, conhecida por teto dos gastos.
O que não era nada óbvio é que a elevação do gasto por aqui seria a maior do continente. A base de dados Covid-19 Economic Stimulus Index consolida as medidas. A média para 168 países do estímulo fiscal —gasto primário, redução de receita e garantias de linhas de crédito— foi de 5,3% do PIB.

Para a América Latina, a média foi de 3,3% do PIB (Produto Interno Bruto), e a mediana foi de 2,0% do PIB. Segundo a base de dados, nosso pacote será de 11,8% do PIB, pouco menor do que os 14% do pacote estadunidense e maior do que os 10,5% do pacote francês.

De fato, recente post da economista-chefe do FMI, Gita Gopinah, com seu colega Vitor Gaspar documenta que a dívida pública dos países ricos subirá, em razão da pandemia, 26 pontos percentuais do PIB; para os países emergentes, a elevação será mais modesta, de 7 pontos percentuais. Para o Brasil, a subida será por volta de 22 pontos percentuais, número próximo dos países ricos.

Como tenho defendido neste espaço desde sempre, vigora no Brasil um contrato social que deseja construir um Estado de bem-estar social, versão tropicalizada do seu correspondente europeu continental.

Essa escolha é absolutamente legítima e tem sido implantada com o Executivo nacional
sendo dirigido por diferentes partidos, muitas vezes de diferentes linhas ideológicas.

Por detrás da estridência ideológica e da manipulação, há enorme continuidade nas políticas públicas desde a redemocratização. Aparentemente, nem um governo de extrema direita consegue alterar esse
padrão de escolha social.

Na semana passada, mencionei artigo sobre imunidade comunitária —a expressão imunidade de rebanho é mesmo horrível (agradeço a Maurício Garcia pela sugestão). O link para o trabalho está aqui.

Há duas semanas travei produtivo debate com colegas que organizaram o volume “As Políticas da Política”, editado pela editora da Unesp. A continuação do debate encontra-se no Blog do Ibre: aqui e aqui.

Fonte: Folha de SP

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa