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Fiscal limita política monetária, dizem ex-BCs

Sem indicações de equilíbrio das contas públicas no futuro, curva de juros opera ‘empinada’

A política monetária é um instrumento poderoso de suporte às economias e, diferentemente dos estímulos fiscais, não deve ser retirado de forma significativa no curto prazo. Sua força, porém, encontra limitações, acentuadas pela pandemia e que podem ser ainda maiores sem indicações de equilíbrio fiscal futuro. Essa é a avaliação de economistas e ex-membros do Banco Central que participaram ontem de um debate promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e transmitido no site do Valor.

Após o choque inicial com a covid-19, os mercados financeiros, em geral, funcionam de maneira normal, e o grande desafio dos governos daqui para frente é dar estímulo às economias, disse José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). Além de Senna, participaram do evento Affonso Celso Pastore, da consultoria AC Pastore, e Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco.

Eles notaram que uma recuperação da atividade brasileira já é observada, ainda que heterogênea setorial e geograficamente, e que as previsões para o terceiro trimestre são boas. “Minha preocupação não é agora, porque os estímulos fiscais estão presentes. O problema é do quarto trimestre em diante. É aí que começa a grande encrenca”, disse Senna.

O suporte fiscal, em algum momento, terá de ser reduzido, ele afirmou. O quadro é diferente, porém, no campo monetário. “Deveremos ficar com ampla liquidez e motivação enorme dos bancos centrais para dar estímulo às mais diversas economias.”

Uma política monetária sem âncora fiscal, no entanto, “perde sua capacidade”, alertou Pastore, ex-presidente do BC. “Minha preocupação hoje está na flexibilização do teto de gastos”, disse ele a respeito do Brasil.

Segundo Pastore, a criação de um benefício de renda mínima para reduzir a pobreza extrema e a flutuação dos ganhos de informais seria possível apenas com o remanejamento de recursos de outros programas sociais existentes, cumprindo o teto. “Agora, se a preocupação do governo for manter elevada a popularidade do presidente com foco nas eleições de 2022, desaparece a preocupação com a neutralidade fiscal e aparece a noção de que se pode aumentar gastos”, disse.

Pastore afirmou que o risco é assistir a novos déficits primários e ele questiona se o país tem condições de administrar dívida pública alta e crescente. “O prêmio de risco se manifesta na inclinação da curva a termo de juros e no câmbio”, disse. Senna também reforçou que os juros de mercado praticados no país são “dominados” pelo risco fiscal. “Estamos falando, para pouco antes do fim da década, implícito um overnight básico de 9%. Taxa Selic hoje é 2% ao ano. É muito risco fiscal que os agentes estão esperando. É toda essa preocupação com a dívida pública”, disse.

Para lidar com a “empinação” da curva de juros futuros, o Tesouro Nacional tem reduzido o prazo médio de vencimento das dívidas que emite. “Se voltar para o teto de gastos, isso se regulariza, esse risco cai”, disse Pastore. A flexibilização da regra fiscal, por outro lado, leva a prazos médios de vencimento mais baixos e também eleva prêmios de riscos, o que, segundo Pastore, seria um primeiro sintoma de “intolerância à dívida” – os outros sintomas seriam repressão financeira e inflação mais elevada.

Para Pastore, o teto de gastos não vai se sustentar, porém, se o país não realizar reformas, especialmente a administrativa. “O Arminio [Fraga, também ex-presidente do BC] tem razão quando diz que esse teto não se sustenta, mas como queremos tratar o programa, com gambiarras ou, como devemos, com reformas?” Para ele, o país busca “saídas fáceis”, m

Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú e ex-diretor do BC, chamou a atenção para a relação entre política fiscal e inflação. Na sua avaliação, o balanço de riscos para a inflação ficou menos assimétrico recentemente. “Eu só enxergava risco para baixo por causa da recessão, mas agora a combinação de possibilidades de repasse cambial e de perda da âncora fiscal torna esse risco mais equilibrado”, afirmou.

Embora possa ser observado um “repique da inflação cheia de curto prazo nos próximos meses”, Mesquita não trata a situação como uma questão iminente. “Isso não se traduziu ainda em inflação ao consumidor dada a severidade da recessão, mas pode virar pressão inflacionária lá na frente, quando a economia começar a retomar um pouco o dinamismo”, disse.

Essa preocupação de curto prazo pode se transformar em algo mais sério porque o histórico de desancoragem de expectativas de inflação no Brasil, em geral, ocorre após choques no curto prazo, explicou Mesquita. “A partir daí, os analistas começam a se perguntar se o BC terá condições de reagir para trazer a inflação para a meta. Estou pensando daqui a um ano e meio, dois, três”, disse. “De novo, terá se a gente mantiver o regime fiscal, senão, vai ser muito difícil a política monetária efetivamente ancorar as expectativas de inflação.”

Fonte: Valor Econômico

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