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Uma sugestão para financiar o Renda Cidadã

Por Alexandre Manoel , Valor Econômico

Programa contribuiria para a manutenção das taxas de juros baixas no curto prazo

 — Foto: Frantisek Krejci/Pixabay
— Foto: Frantisek Krejci/Pixabay

O presidente Jair Bolsonaro solicitou publicamente sugestão para financiar o programa social que substituirá o auxílio emergencial, a partir de janeiro de 2021. A sugestão deve caber dentro do teto e impedir que os informais atingidos pela pandemia fiquem desassistidos, contemplando também a necessidade de suavizar a flutuação da renda nacional, ao impedir que os beneficiários desse auxílio tenham renda abruptamente interrompida em dezembro.

Cinco pesquisadores1 propuseram um programa que atende aos requisitos do pedido do presidente Bolsonaro. A proposta deles garante que os membros das famílias do Cadastro Único (CadÚnico) tenham uma renda mínima de R$ 125 per capita. Adicionalmente, os integrantes do CadÚnico seriam contemplados com poupança Seguro Família, a fim de amenizar a flutuação da renda, programa Mais Educação, incentivando a educação das crianças e jovens, assim como uma expansão do programa Criança Feliz, com vistas a fomentar o desenvolvimento infantil dos integrantes do Cadastro.

Programa contribuiria para a manutenção das taxas de juros baixas no curto prazo, aplainando as taxas de longo prazo

Com isso, uma família de quatro pessoas integrantes do CadÚnico teria uma renda de quase meio-salário mínimo, chegando a um valor maior, dependendo das características da família e das poupanças que o novo programa orçado em R$ 57 bilhões possibilitaria. O atual Bolsa Família paga cerca de R$ 192 mensal por família, em média, em um universo muito mais limitado de cobertura que o Cadastro Único, que permite o cadastramento de famílias com renda de até meio salário mínimo per capita ou três salários mínimos de renda familiar total, englobando substancial parcela dos trabalhadores formais e informais.

A sugestão desses cinco pesquisadores é que esse programa seja financiado com recursos do Bolsa Família, do Abono Salarial, do Salário-Família e do Seguro Defeso. Dada a restrição orçamentária, entre as propostas publicamente disponíveis, essa parece ser a mais simples e efetiva, conciliando responsabilidade fiscal e social, além de permitir uma implantação imediata.

Como já existem disponíveis R$ 34 bilhões para o Bolsa Família na proposta orçamentária que tramita no Congresso Nacional, então faltam R$ 23 bilhões para tornar o Renda Cidadã já disponível em janeiro de 2021, se tal proposta for adotada. Neste artigo, defende-se a tese de que a inviabilidade política dessa proposta decorre de as fontes de financiamento sugeridas não permitirem que o Renda Cidadã seja implantado imediatamente em janeiro. Isso porque nem os recursos do Abono Salarial nem os do Seguro Defeso ficam disponíveis em 2021.

Logo, a sugestão deste artigo é que, enquanto o Abono Salarial e o Seguro Defeso estão sendo alterados e os recursos vão ficando disponíveis, o que se estima ocorrer em um prazo de dois anos, o Renda Cidadã seja financiado por meio das disponibilidades financeiras dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Nordeste (FNE), do Norte (FNO) do Norte (FNO) e do Centro-Oeste (FCO).

A Constituição Federal (art. 159) destina 3% do produto da arrecadação dos impostos sobre renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI) para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo por meio do FNE, FNO e FCO, que totalizam cerca de R$ 14 bilhões por ano. Além destes recursos, há um retorno financeiro anual de R$ 27 bilhões das operações de crédito realizadas, R$ 34 bilhões em disponibilidade de caixa e R$ 7 bilhões de despesas. Isso gera um montante anual de R$ 68 bilhões para ofertar operações de crédito.

Contudo, nos últimos anos, esses fundos têm efetivamente emprestado R$ 41 bilhões em média, gerando uma ociosidade de R$ 27 bilhões na utilização dos recursos. Nesse sentido, há a oportunidade de destinar R$ 23 bilhões das disponibilidades anuais para financiar o Renda Cidadã, sem prejudicar a oferta de financiamento ao setor produtivo.

De fato, a ideia é repassar parte das disponibilidades desses fundos (por um ano) para financiar o Renda Cidadã, enquanto o Abono Salarial, o Seguro Defeso e o Salário Família vão sendo incorporados. Com isso, permite-se que o auxílio emergencial não seja interrompido em dezembro, nem haja necessidade de aumentar carga tributária. Além disso, cria-se o Renda Cidadã diminuindo-se despesas obrigatórias, sem impacto primário e mantendo o teto dos gastos públicos.

Entende-se que o teto pode ser mantido sem qualquer flexibilização. Para que isso ocorra, o governo deve prorrogar o orçamento de guerra com simultânea medida provisória regulamentando a prorrogação apenas para fazer face à transição de um ano da reformatação do Abono Salarial e do Seguro Defeso. Neste caso, não haverá qualquer impacto no resultado primário. Isso porque o governo cancelará as transferências primárias para esses fundos em 2021, indo estas para o Renda Cidadã.

Assim, haverá R$ 14 bilhões redirecionados dos fundos e R$ 9 bilhões virão da diminuição de despesas durante a transição do Abono Salarial e Seguro Defeso, totalizando os R$ 23 bilhões adicionais ao Bolsa Família, a fim de lançar o Renda Cidadã já em janeiro, sem impacto no resultado primário. Nasceria, portanto, um programa com responsabilidade social e fiscal, contribuindo para a manutenção das taxas de juros baixas no curto prazo e aplainando as taxas de juros de longo prazo, o que restauraria a esperança de mais investimentos e de um futuro melhor.

Por fim, é possível que haja resistência de personagens das regiões atendidas pelos fundos, em virtude da diminuição das disponibilidades no próximo ano. Neste caso, deve-se atentar para o fato de que a oferta de empréstimos observada nos últimos anos não será impactada e que suavização das rendas dos beneficiários do auxílio emergencial beneficiará preponderantemente essas regiões.

1 Botelho, Vinícius et al. Programa de Responsabilidade Social: Diagnóstico e Proposta. Centro de Debates de Políticas Públicas, setembro de 2020, São Paulo

Link da publicação:

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/uma-sugestao-para-financiar-o-renda-cidada.ghtml

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