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Caminhos de Bolsonaro

Na sexta-feira, 19 de fevereiro último, Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Há duas interpretações para o evento.

É possível lê-lo como uma virada populista do presidente. Seria mais um episódio de tantos outros que sinalizam que o presidente fará o que for possível e impossível para se reeleger. Assim, o momento em que o ministro Paulo Guedes será trocado se aproxima. Mais cedo ou mais tarde haverá novas rodadas de conflito entre a estabilidade macroeconômica e a reeleição. Ou Paulo Guedes hipoteca a responsabilidade fiscal, como, por exemplo, Guido Mantega fez em 2013/2014, para a reeleição, ou ficará pelo caminho.

Outra leitura é bem mais cheia de nuances. É fato que o tema do preço de combustíveis é sensível em qualquer lugar do mundo. Todos os problemas que o presidente da França teve nos últimos anos com as manifestações dos “coletes amarelos” foram detonados por uma elevação dos preços da gasolina.

Além disso, historicamente, a sociedade brasileira não decidiu regular o setor de produção e comercialização de derivados de petróleo de forma competitiva. Não adotamos o modelo americano, em que a regulação do setor é privada, a cargo de inúmeras empresas. Por aqui sempre apostamos no modelo europeu continental, em que uma grande estatal monopoliza boa parcela das atividades. Evidentemente esse modelo torna o presidente da República muito mais exposto às ações dos grupos que se sentem prejudicados.

Os caminhoneiros se deparam com dois problemas. Primeiro, o nível do preço do combustível. Segundo, a sua variabilidade. Não é possível corrigir o primeiro sem comprometer a rentabilidade da empresa. Mas é perfeitamente possível adotar uma regra de fixação de preços que aumente a sua previsibilidade e reduza as oscilações no tempo. O ideal é que seja uma regra simples e pública para que todos possam acompanhar. A dificuldade de adotar tal regra deriva do fato de que, no primeiro mandato da presidente Dilma Rous­seff, se afirmou muitas vezes que se adotava uma regra desse tipo, mas de fato utilizava-se a empresa de forma populista para acomodar o interesse eleitoral da presidente. Há hoje muita suspeição e desprestígio em relação a estabelecer uma regra com essas características. Caberá à nova diretoria da Petrobras a construção da reputação necessária para adotar tal regra sem que achemos que o único objetivo seja estimular a reeleição de Bolsonaro.

De qualquer forma, ainda é difícil avaliar as consequências mais duradouras do evento do dia 19 de fevereiro.

Entrementes, o Congresso Nacional discute a proposta de emenda constitucional que renova o auxílio emergencial (AE) em função da gravidade da segunda onda da epidemia. Há pressão dos políticos para que essa renovação seja aprovada sem as contrapartidas.

O texto substitutivo do senador Marcio Bittar (MDB-AC) à proposta de emenda à Constituição, PEC 186 de 2019, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), permite que o Executivo envie uma medida provisória ao Congresso Nacional para abrir crédito extraordinário para financiar, por meio de aumento de endividamento público, uma nova rodada do auxílio emergencial (AE) em 2021. Evidentemente, o gasto seria além do teto de gastos como definido pela Emenda Constitucional 95. Adicionalmente, o texto da PEC autoriza que a nova rodada de AE seja renovada até o final de 2021, com custo total que pode atingir R$ 120 bilhões – a primeira rodada deve custar R$ 40 bilhões por 3 ou 4 meses.

Como a Constituição permite esse tipo de gasto somente se for para “despesas imprevisíveis”, o que não é o caso da epidemia que está conosco há um ano, é necessária a aprovação da PEC para dar segurança jurídica à extensão do AE. Além disso, há que superar a vedação a endividamento adicional (Regra de Ouro) e excepcionalizar o impacto do gasto na meta de resultado primário.

Na mesma PEC há diversas contrapartidas para melhorar o equilíbrio fiscal.

Uma é muito polêmica: a desvinculação de receita de impostos e contribuições para a saúde e a educação. A desvinculação constitui mudança importante em nosso contrato social e precisa de um debate mais profundo e qualificado. Há sinais de que o senador Bittar retirará a desvinculação de seu relatório.

As demais contrapartidas nos parecem de digestão mais fácil para o sistema político, além de serem medidas mais amadurecidas. Talvez outra exceção seja a desvinculação de 40% da receita do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) como fonte de funding do BNDES.

De qualquer forma, não está claro como o Congresso deliberará. Aprovará a PEC com a nova rodada de AE e contrapartidas ou fará um fast track para o AE e discutirá as contrapartidas em seguida?

Enquanto Bolsonaro demite o presidente da Petrobras e o Congresso trata da nova rodada do AE, a economia continua a funcionar. E os primeiros passos em 2021 não foram nada animadores. Desde meados de dezembro de 2020, o preço das commodities em reais subiu 30%, sendo que 20 pontos percentuais em função de nova rodada de elevação dos preços das matérias-primas no mercado internacional e 10 pontos percentuais como fruto da desvalorização do real.

O cenário inflacionário tem se deteriorado. A inflação deve atingir em maio ou junho 7% na leitura acumulada em 12 meses.

A coluna considera que Bolsonaro tem como objetivo prioritário se reeleger. Colocará a economia a serviço da reeleição. Já deu mostras com Sergio Moro de que é desapegado de seus colaboradores mais próximos, independente da importância que têm, sempre que haja conflito com seu projeto pessoal.

O tema hoje é sabermos qual é o nível de deterioração da economia – câmbio mais desvalorizado, inflação maior, Selic mais alta e piora fiscal – que Bolsonaro está disposto a aceitar para estimular sua reeleição e legar para si mesmo ou seu sucessor forte necessidade de arrumação da casa.

Evidentemente, se errar na dose, como foi o caso da presidente Dilma, Bolsonaro pode ganhar a reeleição e não governar. Nem sempre se consegue acertar no cálculo, como foi o caso de FHC em 1998.

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Sobre o autor

Samuel Pessôa