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A indignação das vítimas difusas da corrupção

Virtunews

A eficiência serviços públicos é uma das fontes mais importantes de legitimidade dos governos. O atual ignora a saúde pública e o bem comum. O que acontece quando a indignação popular não encontra eco em seus representantes? Quando os Poderes, capturados por grupos de interesses, deixam de funcionar com o objetivo de perseguir o bem estar da sociedade que representam?

A corrupção é o abuso do poder público em benefício privado. Na sua prática há agentes de um ou mais Poderes que extrapolam suas funções em benefício próprio, ou de terceiros, de quem recebe propinas pelos favores. Há desvio ou mal uso do dinheiro público, e os Poderes, capturados por grupos de interesses, deixam de funcionar com o objetivo de perseguir o bem comum. Quem perde é a população, vítima difusa desse crime, só lhe restando a indignação e o voto.

Alguns se espantam com o contínuo apoio da população ao combate à corrupção, que nos últimos sete anos vem se manifestando como apoio à Lava Jato, e grande apreço a Sergio Moro. Além dos méritos próprios é importante entender os outros motivos desse apoio. A Lava Jato e seus filhotes desnudaram o maior caso de corrupção já conhecido, envolvendo funcionários da administração direta e indireta, ministros, ex-presidentes da república, políticos, lavadores de dinheiro e empresários. Não é papel da Lava Jato acabar com a corrupção, que só será reduzida com a alteração das leis que permitiram que ela chegasse ao ponto em que chegou durante os governos do PT.

Em depoimento, Sergio Machado, ex-funcionário da Petrobras, afirmou que os pagamentos de propinas entre 1% e 3% sobre os valores das obras contratadas revelavam ser a empresa “a madame mais honesta dos cabarés do Brasil”, uma vez que é praxe a cobrança de propinas de 3% nas obras públicas federais; entre 5% e 10% nas estaduais; e entre 10% e 30% nas municipais. Assim é (era?) no Brasil. As leis não só não foram aprimoradas como aí está o Centrão fazendo de tudo para que sejam ainda mais afrouxadas. Estão dadas, portanto, as condições para que a corrupção reapareça ainda mais forte no futuro.

Tão importante quando o que foi exposto pela Lava Jato é o fato de que o cidadão comum está longe da corrupção, fato raro em países com elevados níveis de corrupção. Entrevistas feitas pela Transparência Internacional na América Latina e Caribe, no primeiro trimestre de 2019, (Global Corruption Barometer) revelam que “a corrupção no governo” é considerada um grande problema para 90% dos brasileiros.

Fonte: Transparency International | Global Corruption Barometer

Mas dentre os entrevistados que, nos 12 meses anteriores, haviam tido contato com os 6 serviços públicos mais importantes (polícia, Judiciário, saúde, educação, obtenção de documentos pessoais e serviços básicos – água, eletricidade, gás), apenas 11% dos brasileiros admitiram haver pagado propina como contrapartida. É um dos níveis mais baixos da região. No Peru tal proporção chega a 30%, no México a 34% e na Venezuela a 50%.

Fonte: Transparency International | Global Corruption Barometer

Ou seja, a pequena corrupção, aquela que obriga o cidadão a se corromper para obter uma consulta médica para um filho doente, ou para matriculá-lo numa escola felizmente não existe ou é muito baixa entre nós. Não sendo corrupto, o cidadão não aceita a impunidade da grande corrupção, aquela que envolve funcionários públicos de alto escalão e ocorre em torno de grandes obras públicas, privatizações, concessões etc.

Em adição, esse mesmo cidadão comum paga muito imposto, sobretudo do tipo indireto, que é excepcionalmente elevado, garantindo ao país o lugar de campeão da carga tributária entre seus pares. Ao pagar muito e receber pouco, fica indignado. É bom lembrar que uma das fontes mais importantes de legitimidade dos governos é a oferta dos serviços públicos que os cidadãos gostariam de ter. De tanta insistência em caminhar na contramão chegamos ao governo atual, que ignora a saúde pública e o bem comum. O que virá em seguida se a indignação popular não encontrar eco em seus representantes?

Link da publicação: https://virtunews.com.br/corrupcao-no-brasil-cristina-pinotti/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Cristina Pinotti