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STF e Poderes formam consórcio para destruir combate à corrupção, diz Modesto Carvalhosa

Professor aposentado da USP lança livro em que propõe novo formato para Supremo e fim de privilégios para a classe política

Folha

Para o advogado e professor aposentado da USP Modesto Carvalhosa, 89, há uma articulação entre os Três Poderes e a cúpula do Ministério Público Federal para promover um desmonte das ações e do arcabouço legal contra a corrupção no país.

O professor aposentado da USP, que é um defensor ferrenho da Operação Lava Jato, afirma em entrevista à Folha que “o Supremo Tribunal Federal, juntamente com o Congresso, a Procuradoria-Geral da República e o Poder Executivo formam um grande consórcio para a destruição total não só da Lava Jato, mas de toda a legislação de combate à corrupção”.

Outra crítica ao STF é quanto à decisão da corte de mandar prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que, para Carvalhosa, trata-se de um preso político.

Um dos mais simbólicos defensores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o advogado está lançando um livro em que propõe um novo texto constitucional para o país, com foco principalmente na eliminação de privilégios para a classe política e os servidores públicos.

Nesse novo formato, o tribunal seria composto apenas por juízes de carreira, escolhidos por antiguidade, e não mais por indicação do presidente da República.

Na obra, Carvalhosa defende que, além da votação eletrônica, deve haver também o voto impresso para permitir a fiscalização dos resultados eleitorais.

Em seu livro, o sr. defende mudanças legislativas que eliminam privilégios para os partidos políticos, como verba do fundo partidário. Quais seriam os possíveis caminhos práticos, a curto e médio prazos, para promover o corte dessas vantagens? A ideia é que se convoque um plebiscito para votar uma nova Constituição. Seria como se faz na Europa sempre que há proposta de uma nova Constituição.

Esse plebiscito adviria de uma comissão constitucional completamente fora do Congresso, que apresentaria um projeto de Constituição.

Todo mundo fora do setor público poderia se candidatar para participar da Constituinte. O meu esboço poderia servir como base para a Constituição. É preciso haver um plebiscito, não podemos contar com o Congresso para mudar os seus próprios privilégios. É a única maneira de sair dessa crise institucional permanente.

Sua proposta de nova Constituição prevê que o STF seja convertido em um tribunal chamado Corte Constitucional, que deixaria de atuar como uma quarta instância do Poder Judiciário e passaria a analisar somente temas de violação à Constituição. Qual seria o resultado prático de tal medida? Primeiro, acabar com os recursos que vão da segunda instância até a quarta instância. Segundo, acabar com o Supremo Tribunal Federal como uma fábrica de habeas corpus [pedido de soltura] para todos os corruptos e grandes traficantes do país. Hoje, sendo grande criminoso, terá habeas corpus no STF, infalivelmente.

Acabaria também a terceira instância, no sentido de que o Supremo seria uma corte constitucional e os tribunais superiores, como o STJ [Superior Tribunal de Justiça] seriam só para revisão criminal e civil. A revisional é quando você tem provas que surgiram posteriormente que mostram que o processo deve ser anulado.

O processo transitaria em julgado [decisão definitiva da qual não cabe recurso sobre provas, a não ser que surjam novas evidências] na segunda instância, nos tribunais estaduais e nos tribunais regionais federais.

Na Corte Constitucional proposta pelo sr. os postos seriam preenchidos pelo critério da antiguidade, com as vagas sendo assumidas pelos ministros mais antigos do STJ, que passaria também a seguir o mesmo critério, sendo composto pelos magistrados com mais tempo nos tribunais regionais federais. O argumento do sr. é o de que isso eliminaria a influência política nas escolhas para a corte suprema. Mas essa regra não poderia levar a um maior corporativismo da magistratura no tribunal, além de prejudicar a indicação de juízes mais eficientes? A política, como dizia Hannah Arendt, é uma ciência factual, e você só pode melhorar a política a partir da análise dos fatos. Os fatos levam à conclusão de que a nomeação pelo presidente da República não preenche os requisitos teóricos e abstratos de saber jurídico e idoneidade moral.

A carreira da magistratura é muito mais apta factualmente a apresentar bons juízes do que a nomeação que o presidente faz. Pode até ser que o decano [membro mais antigo de um tribunal] seja medíocre, mas ele ficará lá por apenas oito anos. Nada é perfeito. Pode haver algum elemento corporativo, pode haver uma tendência conservadora, mas aí ele vai ficar oito anos só.

Essa é exatamente outra medida de seu projeto de Constituição, a adoção de mandato de oito anos para os ministros da corte constitucional. Esse prazo de rodízio de ministros não poderia permitir mudanças de orientação do tribunal em pouco espaço de tempo, causando insegurança jurídica? Não haveria a substituição de todos a cada oito anos, haveria sempre um núcleo majoritário lá dentro. E se os juízes forem de carreira, eles não serão partidários.

Hoje o que há no Supremo são partidos políticos. Há um pequeno partido antibolsonarista, há um partido maior a favor do Lula, há o partido da impunidade e há o partido lava-jatista. Com o critério da antiguidade haverá muito mais estabilidade judicial, porque aí o partido será o partido do Judiciário.

O seu projeto de Constituição estabelece que as prisões possam ocorrer já após decisão de primeira instância. Essa medida não violaria o princípio jurídico de que todos devem ter direito a pelo menos um recurso antes de uma punição ser efetivada? Em todos países civilizados que conheço há prisão após decisão de primeira instância, até para prestigiar o Judiciário. Como um juiz de primeira instância condena alguém e ele não vai preso? Então o juiz de primeira instância não merece credibilidade? Ele é quem tem as provas na mão, é o responsável pela condenação. Além disso, segundo o projeto de nova Constituição, haveria também a revisional penal na terceira instância.

Em sua obra, o sr. diz que as urnas eletrônicas são suscetíveis a fraudes, e por isso, além do voto eletrônico, também deveria ocorrer a impressão do voto em papel. As autoridades e técnicos da Justiça eleitoral dizem que os resultados das urnas são auditáveis e fiscalizáveis. Por que o sr. entende que o sistema pode ser fraudado? Uma regra basilar da democracia é a de que o voto é secreto e a apuração é pública. A eleição precisa ter um ritual, um ritual que pode parecer antigo, mas é fundamental.

Essa ideia foi muito prejudicada porque o presidente Bolsonaro também falou sobre isso. Quando ele resolve falar sobre um assunto, ainda que um assunto correto, ele destrói o assunto.

Essa ideia é legítima, a de que a apuração seja pública. A fraude se dá nos totalizadores, não é na seção eleitoral. Você pode programar o totalizador para que ele tenha um viés. Um programador pode manipular. Três ou quatro programam como eles querem e não há instrumento eletrônico possível para contestar isso [até hoje, segundo o TSE, não há nenhum indício de fraude nas urnas eletrônicas].

Ao tratar do contexto que o sr. denomina de partidocracia, na qual os partidos só atuam em benefício próprio para manter uma estrutura de poder, o sr. concentra críticas aos governos petistas de 2003 a 2016, cita também o PMDB e o DEM, mas não menciona outros partidos como o PSDB. A responsabilidade pela atual situação do cenário político-partidário não deve ser repartida com outros partidos? Claro que deve, se eu não coloquei no livro, falha minha. A Constituição diz que para você entrar na política deve ter filiação partidária, então todos são responsáveis pela Constituição de 1988 que criou isso.

Todos os partidos são corruptos. Você vê aquele ex-governador, o Aécio [Neves, tucano ex-governador de Minas Gerais acusado de corrupção na Lava Jato]. Todo mundo está implicado em roubalheiras monumentais do PSDB. Não há exceção.

Como o sr. avalia a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações impostas ao ex-presidente Lula e de remeter os processos relativos ao líder petista para o Distrito Federal? Essa decisão no aspecto jurídico é aberrante e teratológica, no sentido de que fere o princípio fundamental da estabilidade das decisões judiciais e o artigo 566 do Código de Processo Penal, que diz que não será declarada a nulidade processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

Aumentou de maneira exponencial a insegurança jurídica no Brasil e criou uma insegurança institucional, no sentido de que os Poderes jogam com as decisões judiciais conforme o interesse político do momento. Acentuou ainda mais o caráter político, e não jurídico, do STF.

​​As apurações da Operação Spoofing trouxeram mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato que indicam possíveis relações de proximidade indevidas entre eles. Houve ilegalidades nas condutas de Moro e dos procuradores? Essas mensagens foram criminosamente manipuladas, se é que elas existem, e portanto não devem ser consideradas. Elas são simplesmente um corpo de delito de um crime de hackeamento, a prova material do crime pela qual a Operação Spoofing pode agir, não passa disso. Elas não têm nenhuma validade porque são criminosas. Elas podem ser falsas, terem sido criadas pelos próprios hackeadores, deturpadas e descontextualizadas completamente.

As mensagens da operação Spoofing estão sendo citadas por ministros da Segunda Turma do STF no julgamento sobre se Moro foi parcial nos casos relativos ao ex-presidente Lula. Quais são as possíveis consequências desse julgamento? O Supremo Tribunal Federal, juntamente com o Congresso, a Procuradoria-Geral da República e o Poder Executivo formam um grande consórcio para a destruição total não só da Lava Jato, mas de toda a legislação de combate à corrupção.

Todos os Poderes estão concertados em uma atividade absolutamente racional entre eles no sentido da destruição de qualquer vestígio de condenação que tenha ocorrido e de legislação anticorrupção, que vem sendo desmontada desde 2017 com a lei de abuso de autoridade, a minirreforma eleitoral, e agora a desfiguração do pacote anticrime do Moro, da lei de improbidade administrativa e da lei de lavagem de dinheiro.

A prevalecer a suspeição de Moro, todas as condenações serão anuladas e o estado terá que pagar indenizações fabulosas aos condenados.

Qual sua avaliação sobre a prisão do deputado Daniel Silveira determinada pelo STF? Essa é uma prisão política. O Daniel Silveira é um preso político, pois ao se retratar publicamente perante a nação brasileira, ele está isento de pena. Ninguém pode ser mantido preso por crime contra a honra.

O que ele declarou é um horror, inadmissível, mas ele se retratou. Usaram a Lei de Segurança Nacional. Como disse o Eduardo Muylaert, que é um grande criminalista, o Daniel Silveira defendeu a volta do AI-5 e Supremo Tribunal Federal aplicou o AI-5. Nós temos no Brasil um preso político hoje em dia.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/03/stf-e-poderes-formam-consorcio-para-destruir-combate-a-corrupcao-diz-modesto-carvalhosa.shtml

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