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Iniquidade tributária

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

ESTADÃO

Embora o tema da reforma tributária figure entre os mais importantes do País, muitos já desistiram de acompanhá-lo. Há uma falsa percepção de que ele se destina a definir os ganhadores. Desconsideram que, ao fim, a ausência da reforma faz de todos os brasileiros meros perdedores.

As propostas em tramitação no Congresso Nacional buscam sanear nosso sistema tributário sobre o consumo com a adoção de um imposto sobre valor adicionado (IVA), aproximando o Brasil das melhores práticas no mundo. Infelizmente, o tema pouco tem avançado, dada a repetida apresentação de reformas parciais e de impacto limitado.

Ao protelar a sua aprovação, Congresso e Executivo denotam desconhecer a urgência desse tema num país desesperado para criar empregos e reduzir a iniquidade provocada pelo sistema tributário atual. A reforma simplificaria a vida das empresas brasileiras e diminuiria a insegurança jurídica, o contencioso tributário e a sonegação.

O sistema atual faz a tributação sobre o consumo, além de complexa, ser elevada e a tributação sobre a renda, relativamente baixa e enormemente injusta. Enquanto na média dos países da OCDE o Imposto de Renda (IR) responde por 33,6% da arrecadação total, no Brasil sua participação é de 22,4%. No País a renda é pouco tributada e os bens e serviços, assim como o trabalho, são hipertaxados.

Dados da Receita Federal indicam que o brasileiro que ganha mais de 160 salários mínimos por mês paga apenas 6,5% do seu rendimento total como Imposto de Renda. Já quem ganha mensalmente entre 20 e 40 salários mínimos é tributado em 12,1% de sua renda. Tecnicamente, a isso se dá o nome de regressividade. Na prática, é injustiça. E algo pouco inteligente: mais concentração implica menos consumo, investimento e emprego.

Por trás de tamanha disparidade está principalmente a forma como tributamos lucros e dividendos. O imposto sobre esse tipo de renda é cobrado exclusivamente da pessoa jurídica, sem incidência quando distribuído a pessoas físicas. É hora de discutir a pertinência da manutenção das isenções de imposto sobre a renda de aplicações como CRIs, CRAs e debêntures de infraestrutura.

Para tentar compensar a isenção de Imposto de Renda da Pessoa Física sobre dividendos e outras formas de dedutibilidade no âmbito das empresas (algumas pertinentes, como as oriundas de incentivos à inovação), a alíquota nominal de Imposto de Renda de empresas não financeiras chega a 34% (IRPJ+CSLL) no Brasil. A alíquota média na OCDE é bem menor, atingiu 23,8% em 2018 e vem declinando desde 2014.

O correto seria tributar os lucros e dividendos quando distribuídos a pessoas físicas ou holdings individuais e restringir os casos de dedutibilidade, possibilitando a redução do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) em direção ao padrão internacional. Um IRPJ mais baixo tornaria o Brasil mais competitivo para receber investimentos estrangeiros e a tributação dos dividendos distribuídos reduziria sua regressividade.

Outra excepcionalidade é a dedução da base de incidência dos juros sobre capital próprio, calculados aplicando a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre o patrimônio líquido da empresa. O mecanismo dos juros sobre capital próprio até pode ter tido suas razões em outro momento, quando tínhamos hiperinflação, mas não faz mais sentido.

Essas distorções tornam o Brasil um caso excêntrico, prejudicando empresas nacionais com filiais no exterior, cujo lucro é tributado pela alíquota máxima de IR, incluído o não distribuído. Isso põe essas filiais em condições de desigualdade perante concorrentes nos países onde atuam, pois estes pagam alíquotas bem menores.

Uma reforma tributária eficiente deveria perseguir a simplificação do sistema e a redução do seu custo para as empresas. Com isso expedientes como o Simples e o lucro presumido poderiam ser redimensionados. Embora respondam por 67% da arrecadação tributária das pessoas jurídicas, apenas 1,38% das empresas declaram IR pelo lucro real.

Com um Simples menos amplo e tributação de lucros e dividendos na pessoa física, também seria restringido o fenômeno da “pejotização”, que consiste na transfiguração do rendimento do trabalho em rendimento do capital, para reduzir substancial e artificialmente o pagamento de impostos. Desse modo, profissionais liberais, como médicos e advogados, não pagam o mesmo IR do cidadão comum, assalariado ou autônomo, aprofundando a iniquidade da tributação e a concentração de renda.

Também devem ser evitadas soluções simplistas, como o imposto sobre grandes fortunas. A experiência internacional tem mostrado sua ineficácia, pois estimula a fuga de capitais e a arrecadação tende a ser muito baixa. Por isso muitos países deixaram de adotá-lo e, na média da OCDE, a arrecadação é de apenas 0,2% do produto interno bruto.

A pandemia revela absoluta necessidade de socorrermos os milhões de brasileiros em vulnerabilidade com o auxílio emergencial. Vencer a guerra da desigualdade que a todos envergonha é uma conquista urgente, que exige, desde já, a eliminação das distorções do sistema tributário atual.

Link da publicação: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,iniquidade-tributaria,70003661918

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Sobre o autor

Pedro Passos