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Termos de troca e eleições

Valor (publicado em 18/06/2021)

Aumento nos termos de troca no último ano do mandato elevam a probabilidade de reeleição

O Ministério da Agricultura anunciou nessa semana que as exportações do agronegócio subiram 34% em maio desse ano com relação ao mesmo mês do ano passado, como resultado do aumento da cotação das commodities, que cresceram 25% no mesmo período. Os preços dos produtos que o Brasil exporta aumentaram bem mais do que os dos produtos que importamos, aumentando os nossos “termos de troca”. Essa melhora nos termos de troca tende a aumentar a renda real e o bem-estar da população. Em que medida essas mudanças dos preços relativos internacionais também aumentam a probabilidade de reeleição do governante que está no poder? Será que esse aumento dos preços das commodities poderá afetar as eleições do ano que vem aqui no Brasil?

Aumento nos termos de troca no último ano do mandato do partido no poder elevam as chances de reeleição

A figura mostra o comportamento da variação porcentual dos termos de troca em abril de cada ano e da renda familiar mediana no Brasil entre 2010 e 2021. A figura mostra, em primeiro lugar, que realmente estamos num momento de grande crescimento dos termos de troca, comparável aos que ocorreram no início de 2011 e 2017. Além disso, podemos notar que os termos de troca têm uma relação positiva com o crescimento da renda real das famílias, principalmente no período mais recente. Mas, será que os termos de troca afetam as eleições?

A relação entre preços das commodities e eleições foi analisada por Daniela Campello e Cesar Zucco em artigos acadêmicos e em um livro recente (The Volatility Curse). Segundo os autores, em alguns países latino-americanos como o Brasil, a popularidade do presidente em exercício e suas perspectivas eleitorais dependem muito da sorte de terem condições internacionais favoráveis no momento certo. Essas condições podem ser geradas tanto por aumentos dos preços das commodities como por reduções nas taxas de juros americanos.

Recentemente, inspirados por esses artigos, nós analisamos a relação entre variações dos termos de troca no último ano do mandato e a probabilidade de reeleição em 634 eleições que ocorreram em 145 países(1). Nós consideramos como reeleição a manutenção do partido que estava no poder por um novo mandato e não somente a recondução do mesmo líder. Interessante notar como a taxa de reeleição média varia entre os países, desde 38% na América do Norte até 70% na África. E nossos resultados mostram que um aumento de 8,5% nos termos de troca no último ano do mandato aumentam a probabilidade de reeleição em quase cinco pontos percentuais.

Mas será que esse novo “boom de commodities” poderá influenciar as próximas eleições no Brasil? Em primeiro lugar, devemos notar que ainda estamos longe das próximas eleições presidenciais. Nosso estudo mostra que o importante é a variação dos termos de troca nos 12 meses que precedem a eleição, que no Brasil será em outubro de 2022. E não temos condições de prever como os preços das commodities se comportarão no futuro próximo.

Mais ainda, apesar dos termos de troca serem importantes para a evolução da renda familiar, eles estão longe de ser seu único determinante. Por exemplo, a figura mostra que a renda familiar cresceu consistentemente (a uma taxa de 5% ao ano) entre 2010 e 2014, mesmo com as grandes variações nos termos de troca que ocorreram no período.

Além disso, estamos vivendo um período bastante anormal, pois a pandemia afetou a vida de todos os eleitores em várias dimensões. Em primeiro lugar, em breve chegaremos a 500 mil mortos, bem acima do que seria esperado pelas nossas condições demográficas e sociais. A falta de uma estratégia coordenada para o enfrentamento da pandemia fez com que ela esteja durando bem mais no Brasil. Enquanto muitos brasileiros estão tendo que ficar em casa ou sair com máscaras e mantendo distanciamento, os habitantes de vários países da Europa e América de Norte já estão podendo sair livremente para trabalhar, ir a festas e eventos esportivos. Mais ainda, as consequências da perda de aprendizado dos nossos alunos, decorrente do fechamento das escolas por mais de um ano, são incalculáveis.

Além disso, a pandemia tem afetado os brasileiros de forma bastante desigual. No ano passado, a situação não foi tão grave porque o generoso auxílio emergencial concedido a quase metade das famílias brasileiras evitou uma queda maior da renda entre os mais pobres, como também pode ser visto na figura. Mas, a renovação do auxílio com valores reduzidos não está tendo o mesmo efeito, sendo insuficiente até mesmo para aliviar a pobreza extrema em algumas regiões. Assim, a renda familiar não deverá acompanhar o aumento dos termos de troca em 2021.

Mas será que o governo conseguirá reverter essas tendências no ano que vem, lançando um Bolsa Família turbinado ainda esse ano? É difícil prever como seria um novo programa social, mas as restrições fiscais certamente impedirão que muito mais dinheiro seja gasto nessa área.

Por fim, a pandemia acelerou tendências que já estavam acontecendo no mercado de trabalho. Como uma parcela relevante da produção e do consumo passaram a ser feitas de casa, as pessoas menos escolarizadas foram duplamente penalizadas, por não poderem trabalhar à distância, nem terem para quem vender produtos. Essa deterioração do mercado de trabalho dos mais pobres muito provavelmente continuará nos próximos anos, o que contribuirá para uma queda na sua renda. Assim, embora seja impossível prever resultados eleitorais com tanta antecedência sem saber como se comportarão os preços internacionais no futuro, os efeitos domésticos da pandemia certamente não favorecem Bolsonaro.

1 Do Terms of Trade Impact Election Outcomes? por Silva, Komatsu e Menezes-Filho, Economics Letters.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/termos-de-troca-e-eleicoes.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Naercio Menezes Filho