Entrevistas

José Olympio: ‘A fervura aumentou e o sapo está na panela. Temos de pular enquanto é tempo’

Globo (publicado em 05/08/2021)

“Precisamos chamar ao senso de responsabilidade. A maior conquista de um país é a estabilidade institucional.”

Para executivo, a crise que se desenha no país é mais grave do que o mercado se deu conta até agora. E a confiança conquistada pode sumir rapidamente

Signatário do manifesto em defesa da democracia e da urna eletrônica — que até a noite de ontem já contava com quase sete mil assinaturas, incluindo empresários, economistas e intelectuais — o CEO do Credit Suisse Brasil, José Olympio Pereira, diz que o país vive “um quadro dramático de crise institucional em formação” e que a sociedade “não pode assistir calada”. O documento começou a tomar forma por iniciativa do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), grupo sem fins lucrativos, que reúne empresários, economistas e cientistas políticos. A troca de mensagens começou há quase 20 dias, mas ganhou força após os ataques do presidente Jair Bolsonaro à urna eletrônica e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. Há 17 anos no Credit Suisse, sendo dez como CEO, Olympio Pereira deve deixar a presidência do banco no país Brasil até o fim do ano.

Como o senhor avalia a situação do país?

Minha sensação é a de que estamos igual aquela história do sapo na panela. A temperatura está aumentando e a sociedade e os mercados estão fingindo que nada existe. Isso é muito grave. Temos de pular (da panela) enquanto é tempo. Não podemos assistir calados. É preciso dar um basta e esvaziar esse balão antes que a crise se forme.

O mercado financeiro tem se mostrado otimista, com a Bolsa em alta mesmo em dias marcados pela turbulência política. Há um descolamento da realidade?

O mercado está surpreendentemente leniente e dando pouca bola para a crise institucional. Atribuo isso a um cenário externo favorável, com juros ainda muito baixos, desempenho das Bolsas externas registrando recorde, S&P na máxima histórica. Isso contagia. Mas a questão local é mais séria do que o mercado pensa.

O presidente Jair Bolsonaro reagiu à decisão do Supremo de investigá-lo no inquérito das fake news acusando o ministro do STF Alexandre de Moraes de atuar “fora das quatro linhas da Constituição” e disse que o “antídoto” também não será “dentro das quatro linhas”. O senhor vê isso como uma forma de ameaça?

Estou preocupado com o ano que vem. Podemos ter uma bagunça. Não acredito que vamos ter golpe ou que as Forças Armadas vão tentar algo fora da caixa. Mas podemos ter muita confusão e radicalização, e isso é muito ruim.

Como se deu a articulação para criar o manifesto?

Não tem um único autor. A ideia surgiu em grupos de discussão em que os signatários participam. Quando me apresentaram, imediatamente achei perfeito.

Esta não é a primeira vez que o empresariado se manifesta este ano sobre uma questão considerada de interesse nacional. Isso já havia ocorrido, por exemplo, no episódio de compra das vacinas. Desta vez, porém, os empresários deram nome e sobrenome. O que mudou? Por que decidiram falar neste momento?

A fervura aumentou. Basta ler os jornais. Estamos em uma escalada, uma crise em formação. A onda está crescendo. Precisamos esvaziar, chamar as pessoas ao senso de responsabilidade. A maior conquista que um país pode ter é a sua estabilidade institucional. Essa é a fortaleza que nos permite atrair investimentos e nos colocar como uma nação importante no mundo. É o que nos dá o respeito frente a outras nações. Não podemos botar isso em risco. Sem estabilidade, o resto desmorona. Estamos há 36 anos construindo essa estabilidade, desde o início do processo de redemocratização, em 1985, em 1988 com a Constituição e em 1989 com a primeira eleição direta. É todo um processo para demonstrar a força das nossas instituições e construir um Estado democrático de Direito forte e estável. Não podemos colocar isso em risco. É suicídio.

Como as sucessivas crises afetam a imagem do país no exterior e os negócios?

Ainda não afetam de forma dramática, sobretudo por essa questão de estarmos vivendo um cenário externo favorável. Mas se tiver caos, se houver confusão, pode afetar. E essas coisas acontecem de uma hora pra outra. A confiança é algo que está bem até o dia em que deixa de estar. A desconfiança pode acontecer de uma hora para a outra. Não é porque está bem hoje que não pode haver uma crise de confiança amanhã.

O movimento reconhece que o momento é crítico, mas não se fala em impeachment. O país aguenta chegar até as eleições de 2022?

Tem que aguentar. Acho que aguenta sim.

Se as únicas opções em 2022 forem Lula e Bolsonaro, como o senhor avalia que o empresariado deverá se posicionar?

Não quero entrar em cenário eleitoral. Minha posição é que estamos botando o carro diante dos bois. Não podemos ficar discutindo isso a um ano e meio das eleições. Vamos concentrar e endereçar os problemas que nós temos hoje. O Brasil tem problemas demais no curto prazo para desperdiçar energia com a eleição do ano que vem. Até porque as coisas podem mudar muito até lá.

Link da publicação: https://blogs.oglobo.globo.com/capital/post/mercado-esta-surpreendentemente-leniente-com-crise-institucional-em-formacao-diz-ceo-do-credit.html

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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