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Arcabouço fiscal deixa de lado ‘discussão séria’ sobre gastos públicos, diz Pedro Malan

O Globo

O novo arcabouço fiscal tenta sinalizar com uma melhora gradual das contas do governo federal, mas deixou de lado uma “discussão séria” sobre os gastos, afirmou o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan ao podcast 2+1, dos jornalistas Vera Magalhães, colunista de O GLOBO, e Carlos Andreazza, âncora da rádio CBN.

O comandante da política econômica durante os dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou para riscos, como no caso dos precatórios (dívidas que o governo tem que pagar conforme decisões judiciais), que, segundo ele, foram uma “pedalada” do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

– Foi uma pedalada fiscal que foi feita em 2021. Na verdade, se transferiu um problema muito aumentado para 2027 – afirmou Malan, ressaltando que o adiamento do pagamento dos precatórios é um “legado” de “mais de duas centenas de bilhões de reais”.

Para o economista, a decisão de resolver o problema agora, em vez de em 2027, “foi correta”, mas a solução apresentada pelo Ministério da Fazenda pode trazer implicações. Segundo o ex-ministro, o problema está no fato de que a solução foi considerar a dívida dos precatórios como “uma dívida primária, reconhecida como tal”, enquanto os encargos derivados (juros, correção e demais taxas) dessa dívida passam a ser considerados “uma dívida financeira” e, portanto, não contam como gastos primários.

– Isso pode abrir uma caixa de pandora com outros tipos de encargos financeiros sobre outros tipos de dívida, que hoje são consideradas despesas primárias, que alguém pode alegar que também devem ser consideradas como despesas financeiras e não como despesa primária. É delicada a questão – disse Malan.

O ex-ministro classificou o novo arcabouço fiscal como uma “solução de compromisso”, no sentido de sinalizar uma melhora gradual nas contas públicas. O problema é que, no médio prazo, as despesas públicas vão sendo empilhadas, como “camadas geológicas”, sem uma avaliação da qualidade e da efetividade das políticas públicas financiadas por elas.

– Há muitas incertezas pairando no ar. Os mercados estão achando que existem possibilidades, mas esperando para ver o que vai acontecer. Acho que o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad teve razão ao dizer que não queria alterar a meta (fiscal) agora, que vai tentar e vai fazer um esforço (para cumprir a meta de zerar o déficit entre receitas e despesas). No fundo, no fundo, eles estão pensando em algo do seguinte tipo: vamos, talvez, não alcançar exatamente a meta, mas o importante é mostrar uma trajetória que vai gradualmente melhorando, ainda que na margem, ao longo dos próximos três anos e, portanto, isso vai acalmar dos mercados – afirmou Malan.

Para o ex-ministro, a percepção dos mercados sobre a evolução do equilíbrio das contas do governo é importante para controlar a inflação. Quanto maior a percepção de equilíbrio, mais rapidamente cairá a inflação.

– A inflação está caindo e tende a cair. A velocidade com que ela vai cair, a meu ver, depende da percepção sobre como está evoluindo a situação fiscal. Não faço distinção, como se a política monetária fosse uma coisa totalmente independente do que esteja acontecendo na área fiscal, ou em outras áreas da economia, como o crescimento – afirmou Malan, ressaltando que não costuma discutir os detalhes, se os juros poderiam cair mais rapidamente ou mais lentamente, mas ponderando que, no momento atual, a política monetária dos Estados Unidos também precisa ser olhada com atenção.

O ex-ministro da Fazenda avaliou ainda que a transição para uma economia de baixo carbono vai demorar mais do que “muitos estão aguardando”. Isso significa que o mundo vai depender do petróleo por mais tempo.

– Vai demorar mais tempo do que muitos estão aguardando. O mundo não reduz essa dependência de petróleo, carvão e gás num período curto de tempo. Algumas dessas metas, para 2025 ou 2030, me parecem excessivas – afirmou Malan.

Nesse quadro, o Brasil precisa fazer um balanço entre o custo de explorar petróleo em locais como a Foz do Rio Amazonas e os benefícios dessa atividade econômica. Na fase final da exploração do petróleo, os países produtores “sobreviventes” serão os que têm menor custo de produção, com produtividade maior. A Arábia Saudita vai ser um dos últimos países a “deixar de produzir petróleo, porque é a que produz com menor custo”.

– E aí é uma discussão de especialista: saber onde é que o Brasil está nessa liga. A julgar pelo pré-sal, nós estamos bem – completou Malan.

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