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O fundo eleitoral e a reforma política

Globo (publicado em 01/01/2022)

A aprovação do fundo eleitoral de quase R$ 5 bilhões para as eleições de 2022 demanda uma profunda reforma política, permitindo nos livrar dos partidos hegemônicos, que se apropriam pantagruelicamente dos recursos públicos para se perpetuar no poder.

A reação da sociedade civil não tem estado à altura desse desafio. Vivemos um sonambulismo crônico, que nos reduz à indignação momentânea e inconsequente diante desses monstruosos abusos praticados por nosso Congresso, dominado desde a Constituição de 1988 pelo infame Centrão — faça sol, faça chuva —, impondo sua pauta do atraso e da submissão do povo à tirania do poder pelo poder.

Está na hora de enxergarmos as causas desse assalto legalizado que, além do fundo eleitoral, inclui o fundo partidário, as emendas secretas e as individuais — somados, com valor igual aos recursos alocados para o auxílio aos 27 milhões de famílias em estado de miséria.

A situação lembra a advertência de Edgar Morin em seu último livro (“Leçons d’un siècle de vie”, 2021) acerca da alienação da sociedade diante do sequestro da democracia pelos mais sórdidos interesses: “Consciências dispersas, indignações frustradas, associações de solidariedade procurando estabelecer uma economia solidária, mas nenhuma força política coerente com um pensamento que possa levar a uma solução”.

É o que nos falta diante de mais essa afronta à dignidade do povo brasileiro.

Não basta reclamar do valor atual da pilhagem. Precisamos eliminar a fonte dessa expropriação de nossos recursos. Devemos exigir, nas ruas, nas redes sociais e na mídia, o fim da reeleição não apenas para cargos executivos, mas também para senadores, deputados e vereadores. Grande parte deles está se refestelando no Congresso e nas demais casas legislativas há mais de 40 anos.

Precisamos lutar pela mudança do atual sistema de voto proporcional para o de voto distrital, permitindo que os eleitores, que escolherão um único deputado ou vereador por distrito, possam conhecer e acompanhar o desempenho de seu mandatário, como ocorre em todas as democracias autênticas do mundo.

Precisamos, ademais, instituir as candidaturas independentes para nos livrarmos dos opulentos políticos profissionais.

Mais ainda. É necessário organizar uma força política coerente visando a extinguir os famigerados fundos partidário e eleitoral e as emendas parlamentares ao Orçamento, que, somados, surrupiam do Poder Executivo metade da verba orçamentária que seria destinada a investimentos em obras essenciais de infraestrutura.

Os partidos políticos são sociedades civis de direito privado, regidas pelo Código Civil. Não obstante, podem, por força da Constituição vigente, apropriar-se de bilhões dos impostos para reeleger seus eternos donos e apaniguados. Formam-se, em torno desses partidos hegemônicos, verdadeiras dinastias políticas, passando o poder de mando de pai para filho à custa do dinheiro público.

O movimento que ora se inicia na sociedade visando a formar uma lista negra dos deputados e senadores que aprovaram o infame fundo eleitoral para 2022 deve ir mais longe para, de forma organizada, exigir a realização de um plebiscito (art. 14, I, da Constituição Federal) que permita ao povo votar contra ou a favor da reeleição para qualquer cargo eletivo, voto distrital, candidaturas independentes, emendas parlamentares ao Orçamento, fundo eleitoral e fundo partidário.

A sociedade brasileira, a partir de 2013, tem se mostrado capaz de, nas ruas, mudar nossa história política. Temos agora um novo desafio: revogar o domínio da casta nefanda de políticos profissionais que inviabiliza nosso país e frustra a esperança de vida digna para a maioria do povo brasileiro.

Precisamos criar uma força política coerente no seio da sociedade civil para exigir medidas concretas de mudança de nossa estrutura eleitoral, partidária e orçamentária, a fim de alcançar uma democracia representativa legítima.

Link da publicação: https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-fundo-eleitoral-e-reforma-politica.html

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Modesto Carvalhosa