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Rumo a 2018, sem esquecer 2050

Valor Econômico,


Em 15 meses, elegeremos um novo presidente e Congresso. Difícil evitar o lugar
comum de caracterizar o pleito como um dos mais importantes das últimas décadas,
mas desta vez o clichê corresponde à realidade. Isto porque o novo presidente terá que
enfrentar, em pouco tempo, problemas econômicos agudos, e paralelamente colocar
em marcha políticas voltadas a tirar o Brasil de seu declínio relativo, um problema
crônico, algo que marca nossa performance econômica desde os anos 1980. O
problema agudo é fiscal.

Sem reformas, a trajetória da dívida pública é insustentável – os economistas do Itaú
projetam que a razão dívida/PIB chegue a 77% do produto no final do corrente
mandato presidencial e siga em trajetória de alta. O tamanho do desafio chega a cerca
de 5,5 pontos percentuais do PIB, a diferença entre o déficit primário atual e o superávit
necessário para estabilizar a dívida.

A reforma da previdência, que estava em vias de aprovação no Congresso, mas cujo
destino tornou-se duvidoso depois dos Idos de maio, teria gerado economias, ao longo
do tempo, de pelo menos 2 pontos percentuais, no formato originalmente proposto, e
1,4 ponto no formato diluído que foi aprovada na comissão especial. O restante do
ajuste envolveria diversas medidas, como controle dos gastos com o funcionalismo
federal, reoneração da folha e contenção de despesas como o abono salarial
e subsídios de crédito.

O problema fiscal não “estabiliza”, ele aumenta como o tempo, dado que a dívida
segue crescendo. Portanto, se a reforma da previdência de 2017 for vitimada
irremediavelmente pela degradação da governabilidade, então a de 2019 terá que ser
mais severa, e/ou os mecanismos adicionais de ajuste terão que ter sua
intensidade aumentada.

Pode-se argumentar que o ajuste deveria também incluir medidas de receita,
especialmente aquelas de caráter progressivo, como aumento da taxação da renda, em
intensidade e escopo (lucros e dividendos, por exemplo) e do patrimônio. Ocorre que a
carga tributária brasileira, equivalente a 33% do PIB em 2015, já é superior à média
dos países emergentes (27%) e próxima à dos países da OCDE (34%), que estão
em outro nível de desenvolvimento.

Também é verdade que taxação mais agressiva do capital tende a desencorajar o
empreendedorismo e o investimento, o que deveria ser indesejável em uma economia
que pretende crescer mais. Mais decisivo, contudo, é a realidade do Congresso: mesmo que o Executivo proponha aumentos de impostos, dificilmente contará com apoio para isso no parlamento – vale lembrar que nem a popularidade do então presidente Lula, em 2007, foi suficiente para conseguir manter a CPMF.

Por fim, um aumento de impostos seria apenas uma solução temporária para o
problema, dado que, na ausência de reformas, os gastos públicos continuariam em
tendência de crescimento devido à pressão imposta pela transição demográfica do país
(envelhecimento da população) sobre os dispêndios da previdência. Se o desafio fiscal
é grave, o do crescimento não é menos importante.

O Brasil começou o século XX com níveis de renda próximos aos da Índia colonial – a
renda per capita era 17% da americana, segundo uma pesquisa da OCDE, e a indiana
15%1. A economia brasileira entrou em um período de forte crescimento e
convergência de renda per capita, em relação às economias avançadas, a partir dos
anos 1930, e atingiu o auge, em termos de renda per capita relativa à dos EUA, na
virada dos anos 1970 para 1980. Desde então nosso desempenho tem sido muito ruim,
e a renda per capita, medida pelo conceito de paridade de poder de compra, recuou
para 23% da americana em 2010, tendo sido ultrapassada pela China, com 26% –
avaliações alternativas indicam que a ultrapassagem teria sido mais recente, mas a
tendência de declínio do Brasil é inequívoca.

Tendo em vista a severa recessão iniciada em 2014, cabe conjecturar que a renda per
capita caiu mais nos últimos anos e que a decadência relativa do Brasil se acelerou. Na
verdade, a trajetória da nossa renda per capita, em comparação com a da Índia, parece
semelhante àquela observada na comparação com a China, e não se pode descartar
uma ultrapassagem em algum momento nas próximas décadas, caso as tendências
recentes sejam mantidas.

Considerando-se não o risco de ser ultrapassado, mas a perspectiva de avançar na
escala de níveis de renda, tendo em vista que o PIB per capita dos EUA cresce a uma
taxa de 1,4% ao ano, devemos almejar uma taxa de crescimento do PIB superior a
2,1% (dado que nossa população tem crescido em cerca de 0,8% ao ano), sem que o
que não teremos perspectiva de convergência com os EUA.

Se quisermos avançar em relação à média do PIB per capita mundial, o que é
perfeitamente razoável, dado que somos um país em desenvolvimento, então devemos
almejar crescimento do PIB de no mínimo 3% ao ano. Isso deveria ser um objetivo
consensual. Muito mais difícil é encontrar consenso sobre os meios.

Em 2018 teremos com certeza candidato(s) propondo retomar o protagonismo do
Estado no processo de desenvolvimento, liderado pelos bancos públicos e Petrobras, para reacelerar o crescimento. Uma agenda muito parecida com aquela adotada entre
2010 e 2014, que teve resultados desastrosos e que é inconsistente com as
possibilidades fiscais. Outra agenda, além de avançar na consolidação fiscal, é seguir o
caminho das reformas microeconômicas, aprimorando o funcionamento dos
mercados laboral, de bens e serviços, atacando o patrimonialismo e o capitalismo
de compadres, privatizando, abrindo a economia (uma das mais fechadas do mundo) à
saudável competição externa e, crucial, investindo na educação da população e
qualificação da força de trabalho.

Essa segunda agenda pode parecer estranha aos usos e costumes do país. Como os
usos e costumes tem levado o país a fracassar em sua estratégia de crescimento de
longo prazo, é chegada a hora de tentar um receituário diferente. Senão o país chegará
à metade do século como uma relíquia de pobreza em um mundo crescentemente
afluente.

1 GDP per capita since 1820, Jutta Bolt, Marcel Timmer e Jan Luiten van Zanden, capítulo do livro da OCDE “How Was Life? Global Well-being since 1820”, de 2014.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita