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Em defesa das privatizações

Estado de São Paulo

O governo Temer anunciou a privatização da Eletrobrás, e imediatamente a discussão se concentrou na avaliação da receita vinda da alteração das “quotas” geradas pela malfadada MP 579. Receitas não são o produto mais importante da privatização. Se o Brasil pôr em prática uma agenda de privatizações colherá muitos benefícios, mas se buscar apenas a obtenção de receita perderá uma oportunidade de estimular o crescimento, sem resolver o problema fiscal.

No pós-guerra, os países ao redor do mundo assumiram um papel enorme na produção de bens e serviços, sendo proprietários de tudo, como minas, fábricas, bancos e companhias de seguro, entre outros. Escaparam a essa tendência os EUA e o Japão, mas sucumbiram a ela Itália, França e Áustria, ao lado de muitos países emergentes. No Brasil, desde cedo criamos uma empresa estatal no setor de petróleo, seguida de outras em setores “estratégicos”, como: energia elétrica, telecomunicações, mineração e produção de ferro e aço.

Essa tendência mundial se inverteu nos anos 90. O símbolo da mudança foi o programa de privatizações de Margareth Thatcher, no Reino Unido, mas 20 anos antes a Alemanha de Konrad Adenauer já havia feito algo semelhante. Qual dos dois sistemas é melhor: a produção através de empresas estatais; ou através do setor privado? A resposta dada pela Teoria Econômica é que os incentivos – vindos do lucro e da meritocracia – são mais fortes nas empresas privadas, conduzindo a menores custos e maior produtividade, elevando o bem-estar da sociedade.

Já em 1985, o Banco Mundial lançou um relatório crítico às estatais, cujos resultados foram sendo confirmados – ano após ano – por um grande número de investigações empíricas (Megginson e Netter: From State to Market: A Survey of Empirical Studies on Privatization. J.E.L., 2001). A ilusão de que as empresas estatais corrigiriam falhas de mercado foi destruída por evidências de que haviam falhas do governo, reduzindo o bem-estar da sociedade.

Consciente desse resultado, nos anos 90, o Brasil realizou um programa de privatizações abrangendo a siderurgia, as telecomunicações, a companhia Vale do Rio Doce e a Embraer. Esses são exemplos de privatizações puras, nos quais há uma transferência de propriedade e de riscos integralmente para o setor privado. Em todos eles cresceram os valores das empresas e ocorreu um notável aumento de eficiência produtiva, constituindo-se em uma eloquente prova empírica das previsões da teoria.

Será que as empresas estatais não poderiam copiar a governança e a meritocracia das empresas privadas? Essa seria a orientação de um governo benevolente, mas o objetivo da maior parte dos governos é obter suporte político, e para isso tendem a distribuir benesses aos que o suportem, usando o poder que têm sobre empresas estatais. O resultado é, no mínimo, a geração de empresas atulhadas de funcionários, recebendo salários que não correspondem à sua produtividade.

Contudo, em um presidencialismo de cooptação, como o nosso, corre-se o risco de transformar essas empresas em dutos de canalização de recursos aos partidos, como descobriu-se através do escândalo de corrupção da Petrobrás e do affaire da JBS.

Felizmente, no caso da Petrobrás essa fase se encerrou com a diretoria comandada por Pedro Parente. Mas quem garante que seu sucessor não retorne aos vícios anteriores?

Em um trabalho clássico, Schleifer e Vishny (Corruption, NBER Working Paper #4372) concluem que “empresas estatais são ineficientes não somente porque seus gestores têm incentivos fracos para reduzir custos, e sim porque a ineficiência é o resultado da política do governo de transferir recursos aos que o suportam”. Não somente os incentivos das empresas estatais são mais fracos, como esse é, também, o resultado da política de transferir recursos aos apoiadores do governo, quer em uma versão mais branda – superdimensionado os empregos –, quer em uma versão mais infecciosa – a corrupção pura e simples.

Essas são algumas das razões pelas quais sou favorável a um programa ambicioso de privatizações e espero que o açodamento em “gerar boas notícias” não gere mais custos do que benefícios.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Affonso Pastore