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A mensagem de Bali

Valor Econômico


Os encontros anuais do Banco Mundial e FMI neste ano se deslocaram de Washington para a ilha indonésia de Bali. A mensagem de cautela e preocupação que emergiu desses encontros contrastou com o belo cenário da região – mas não com o tremor de terra que precedeu o evento. A perspectiva de um ambiente global mais desafiador, claramente delineada em Bali, deve servir de alerta para os responsáveis pela política econômica brasileira, neste e em especial no próximo governo.

O tom do evento foi estabelecido pelos economistas do FMI, em sua publicação Perspectivas Econômicas Mundiais (WEO). O texto traz não apenas uma redução do crescimento mundial esperado, de 3,9% para 3,7% em 2018-2019, mas também a constatação de que o balanço de riscos em torno dessa projeção central tem viés negativo.

Os economistas do Fundo destacam os riscos, para a economia mundial, derivados de uma
intensificação de ações comerciais protecionistas, bem como de uma possível repentina  interrupção ou reversão dos fluxos de capitais para economias emergentes, que teria impacto particularmente relevante em economias financeiramente vulneráveis (isto é, aquelas com déficits fiscais e/ou de conta corrente expressivos).

O WEO ressalta, também, que o crescimento mundial tem se tornado menos balanceado em  termos geográficos, com maior heterogeneidade do que em 2017. Com exceção de países  produtores de petróleo, como Arábia Saudita e Rússia, que se beneficiam das altas no preço  dessa matéria- prima, a maioria das revisões de projeções de crescimento para economias  individuais é em direção negativa. Fica também registrada certa perda de dinamismo na  produção de bens de capital nos EUA, Alemanha e Japão, o que evidencia enfraquecimento do investimento – não seria surpresa, dado o ambiente global mais incerto, notadamente no que tange às relações comerciais (note-se que o mero risco de protecionismo, que implica potencial bloqueio de canais de distribuição, já impacta o investimento antes mesmo de sua materialização).

O trabalho do FMI apresenta uma interessante simulação dos efeitos de uma guerra comercial, que leva em conta medidas já anunciadas por Estados Unidos e China, bem como uma rodada adicional de aumentos de tarifas, com efeitos ampliados pelas repercussões sobre consumo, investimento e condições financeiras. O estudo mostra que ainda que inicialmente limitadas, as perdas da economia americana com a escalada protecionista poderiam equivaler a uma redução de um ponto percentual do PIB no longo prazo. Outro risco analisado em detalhe pelo texto é de um súbito aperto das condições financeiras globais, que poderia ser ocasionado pela perspectiva de aperto monetário mais agressivo nos EUA ou por um choque idiossincrático (incluindo um possível cyber-ataque).

Um tema abordado recorrentemente em Bali foi o risco das ações comerciais dos EUA levarem a uma quebra mais pronunciada do ritmo de expansão da economia chinesa, o que teria impacto particularmente relevante para as economias exportadoras de matérias-primas, como as da América do Sul. Os economistas do Itaú Unibanco estimam que, caso a economia chinesa – sob o impacto de restrições comerciais – passe a crescer apenas 4,5%, ao invés dos esperados 6,5%, o impacto sobre o PIB mundial seria da ordem de um ponto percentual. Isso, por sua vez, pelo canal do comércio, condições financeiras e preços de commodities, reduziria o crescimento do PIB brasileiro também em algo próximo a um ponto percentual – e o risco de um retorno à recessão seria palpável. Trata-se, por ora, de um cenário de risco, visto que as autoridades chinesas têm sinalizado a disposição de atuar (como já têm feito com a política monetária) para mitigar os efeitos contracionistas das tensões comerciais.

Nesse ambiente global crescentemente perigoso, as prescrições de política econômica de curto prazo do FMI visam balancear controle de riscos com o devido apoio à atividade econômica. Quanto às economias maduras, a sugestão é que a política monetária seja gradualmente ajustada, sob o amparo de uma comunicação adequada, quando a inflação subjacente estiver se aproximando das metas. Já a política fiscal deve aproveitar a retomada cíclica para reconstituir reservas e margens de manobra. Os economistas do Fundo parecem compartilhar da preocupação, generalizada em meios acadêmicos no hemisfério norte, de que a caixa de ferramentas das autoridades econômicas pode se mostrar inadequada para enfrentar uma eventual nova recessão. A perspectiva de continuidade do ajuste monetário nas economias maduras, em meio a tensões comerciais crescentes, leva o Fundo a recomendar às economias emergentes que se preparem para um ambiente de maior volatilidade – o FMI não recomenda aumentar o estoque de reservas internacionais desses países – mesmo porque estas concorrem, de certa forma, com seus empréstimos -, mas essa seria uma possível resposta a um cenário de riscos externos ampliados.

No caso brasileiro, o Fundo sugere que a política monetária siga estimulativa, tendo em vista o hiato de produto e desemprego elevados em contexto de expectativas de inflação até aqui  ancoradas, ao passo que a ênfase no lado fiscal é a retomada da sustentabilidade por meio da reforma da previdência, cujos gastos são altos, crescentes, e distribuídos de forma desigual entre a população. Existe ampla convergência entre os economistas quanto à importância da reforma da previdência. Há, contudo, divergências em relação à implementação.

Alguns defendem que o novo governo utilize a proposta Temer – que está pronta para ser votada – como ponto de partida, algo que poderia ser aprovado ainda no primeiro semestre de 2019. Outros preferem uma proposta que gere economias maiores, ainda que com o risco de a tramitação se estender por boa parte do próximo ano – obviamente, se o ambiente legislativo permitir a tramitação acelerada de uma proposta mais ambiciosa, talvez via emendas à proposta Temer, tal opção seria dominante.

A mensagem de Bali é que, ainda que o mundo siga em crescimento, o ritmo de expansão se reduziu e aumentaram riscos de baixa para a atividade global. Nesse ambiente, podem ocorrer paradas súbitas de fluxos de capital, que afetariam de forma mais intensa os emergentes com vulnerabilidades macroeconômicas, como é o caso do Brasil no campo fiscal. As nuvens se acumulam no horizonte e o tempo para reforçar nossas defesas é curto.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita