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Passando o pano

À primeira vista, a decisão do presidente Jair Bolsonaro mandar a Petrobras voltar atrás no aumento do preço do diesel, com repercussões graves sobre o valor da companhia, guarda enorme semelhança com a política desastrada imposta pela presidente Dilma Rousseff. O problema é que a semelhança continua à segunda, terceira e qualquer versão de vista que se pretenda dar sobre o assunto, porque os princípios que nortearam a deliberação são, a rigor, exatamente os mesmos.

A ginástica mental (não estou seguro que esta palavra se aplica ao caso, mas vamos lá!) do presidente foi expressa em sua (também na falta de termo melhor) explicação: “[e]u não vou ser intervencionista, não vou praticar a política que fizeram no passado, mas eu quero os números da Petrobras. Tanto é que na terça-feira convoquei todas da Petrobras para me esclarecer porque 5,7% de reajuste, quando a inflação projetada para este ano está abaixo de cinco. ”

Seria bom que alguém esclarecesse ao presidente que, sim, ele é intervencionista ao interferir numa decisão corporativa de uma empresa, ainda mais no caso de uma empresa listada em Bolsa de Valores, cujos acionistas minoritários ficam à mercê de decisões arbitrárias impostas pelo controlador. Como seria bom também que alguém lhe explicasse que o preço do diesel, como aliás de todos os combustíveis (e de todas as commodities), não guarda qualquer relação com a inflação local.

Diga-se de passagem, a inflação, medida pelo IPCA, é uma média ponderada dos aumentos (e reduções) de preços observados para 383 bens e serviços, que variam de “arroz” a “TV por assinatura com internet”, passando por “estacionamento”, “material hidráulico” e “sardinha”. Neste conjunto de 383 bens e serviços há itens como a cebola, cujo preço subiu quase 30% nos últimos 12 meses, bem como televisores, que ficaram 8,6% mais baratos no mesmo período.

Por mais que o presidente possa apreciar uma ordem unida, não é assim que preços costumam se comportar numa economia de mercado, à qual ele recentemente jurou fidelidade.

Em outras ocasiões e em outros locais talvez fosse desnecessário repisar este tema, mas no Brasil e no atual momento é bom repetir que preços desempenham um papel central no funcionamento da economia, fenômeno que se conhece desde a contribuição original de Adam Smith, também explorado pelos economistas austríacos que seu filho 03, Eduardo Bolsonaro, supostamente teria estudado no Instituto Mises, o que obviamente não o impediu de apoiar a intervenção, nem de afirmar que valeria para todos os combustíveis.

De qualquer forma, preços mais altos desencorajam o consumo daquilo que se tornou relativamente mais escasso, bem como encoraja aumento na sua produção (e vice-versa). A intervenção no sistema de preços impede que este mecanismo funcione a contento, levando a situações de escassez para o consumidor e de dificuldades para o produtor. Não é por outros motivos que congelamentos e demais intervenções não funcionam, assim como não é por outras razões que tanto a Petrobras como o setor elétrico sofreram no passado recente, ou ainda que falte tudo na Venezuela.

Em maior ou menor grau a desarrumação dos preços traz consequências graves, o que já deveríamos ter aprendido, mas, como notei, vivemos em um país cujas elites políticas (quando não as empresariais) permanecem imunes ao aprendizado econômico.

Sim, sim, há os “passadores de pano” de sempre, que defendem a decisão com base na lógica política de “acalmar” os caminhoneiros para que eventuais manifestações não prejudiquem o avanço da reforma da previdência. Algo assim na lógica de “salvar a economia, mesmo que sejamos forçados a destruí-la no processo”, um raciocínio de rara e atilada inteligência.

Para quem testemunhou Margaret Thatcher encarar os mineiros de carvão, Ronald Reagan os controladores de voo e Fernando Henrique Cardoso domar os petroleiros em 1995 só resta lamentar que haja ainda quem defenda a atitude servil para com certos grupos de pressão que pretendem manter privilégios à custa do resto da sociedade. Mas cada um tem o líder sindical que merece.

Fonte: A Mão Visível

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman