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Os dilemas do Banco Central dos Estados Unidos

Em dezembro do ano passado, argumentei que o Banco Central americano, conhecido por Federal Reserve, ou simplesmente Fed, iria parar o ciclo de elevação de juros em algum momento de 2019. O motivo eram os riscos de o Fed ter de enfrentar uma desaceleração mais intensa ou até uma recessão da economia. Dado que a sua taxa básica de juros estava (e está) muito baixa, não há muita munição —isto é, espaço para baixar juros, já que existe o limite inferior de zero— para se contrapor a uma recessão.

Assim, faz sentido o Fed ser muito cauteloso no processo de “normalização das condições monetárias” e ficar atrasado na política monetária: há munição de sobra para enfrentar uma eventual aceleração da inflação (basta subir os juros, e, para isso, não há limite). De fato, não somente o Fed parou o processo de subida dos juros básicos como, na reunião de 31 de julho, reduziu as taxas do intervalo de 2,25% a 2,5% para 2,0% a 2,25%. Decisão difícil, com dois votos contrários entre dez votantes.

Além do balanço de riscos que indica que o Fed deveria ficar atrasado no ciclo monetário, dois fatores pesaram na decisão. Primeiro, a percepção de que a guerra comercial tem efeito líquido desinflacionário: o aumento das tarifas produz alta temporária da inflação, mas reduz muito o investimento mundo afora. O efeito líquido é diminuir a demanda e a inflação no médio prazo.

O impacto da guerra comercial no investimento resulta dos seus efeitos sobre a globalização. A segunda globalização —aquela que se iniciou no pós-guerra (a primeira vigorou entre o fim das guerras napoleônicas e o início da Primeira Guerra Mundial)— difere da primeira pela existência de um fortíssimo comércio de insumos intermediários. O processo produtivo de um bem final ocorre em diversas etapas, em diferentes locais e países. A guerra comercial ofusca o cálculo empresarial. Onde localizar o investimento? Não se sabe, não se investe.

O segundo fator que tem pesado para a decisão do Fed foi a desaceleração experimentada pelos EUA e pelas economias centrais, zona monetária do euro e China, desde o segundo semestre do ano passado. No entanto, as dúvidas são muitas. O mercado de trabalho americano continua a melhorar, com alguns sinais de que salários já estão a se mover. Além disso, o acompanhamento dos indicadores sinaliza que a economia deve fechar o ano rodando a 2% ou um pouco mais.

O risco de ficar por demais atrasado no ciclo monetário —e este ponto não abordei na coluna de dezembro— é o mercado se convencer de que os juros neutros de longo prazo são muito baixos. Se houver essa percepção, como já tem ocorrido, o preço dos ativos subirá, como de fato têm subido. O preço da ação de uma empresa é dado pela comparação entre a receita futura e o custo de capital. Se este está muito baixo, o preço da ação subirá. O risco é alguma elevação abrupta da inflação alterar rapidamente essa percepção do mercado financeiro.

Nesse caso, os operadores do mercado passarão a considerar que o juro básico no longo prazo será maior. Haverá rápida queda dos preços dos ativos, que pode precipitar uma desorganização dos mercados. O BC americano caminha nesse fio de navalha em busca de um pouso suave da economia, com crescimento dado pelo potencial, algo em torno de 1,8% ao ano, inflação na meta de 2% ao ano e sem rupturas no mercado de ativos. Penso, portanto, que o ciclo de queda dos Fed Funds será menor do que os cinco cortes de 0,25 ponto percentual que o mercado financeiro prevê até dezembro de 2020.

Fonte: Folha de S.Paulo

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Samuel Pessôa