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Intervenções e o risco de câmbio

Recentemente, o Banco Central mudou a orientação das intervenções no mercado de câmbio. Em vez de intervir apenas no mercado futuro, como vinha fazendo desde 2012, passou a intervir também no mercado à vista. Do ponto de vista dos efeitos sobre a taxa cambial e dos custos para o Banco Central não há nenhuma diferença entre as duas intervenções. O que, então, determina a escolha de um ou de outro instrumento?

Suponhamos uma empresa com receita integralmente em reais e que queira alongar a sua dívida colocando debêntures de cinco anos. Se não encontrar oferta de recursos no mercado doméstico de capitais, mas tiver acesso ao mercado externo, poderá fazer uma captação em dólares por cinco anos, realizando simultaneamente um swap cambial com o qual se cobre do risco de câmbio. Tudo se passa como se tivesse colocado debêntures de cinco anos no Brasil. Porém, aparece uma demanda adicional por hedge cambial e, se o Banco Central não oferecesse os swaps cambiais, o real se depreciaria.

Essa era uma operação comum antes de o governo pisar no freio do BNDES e, por isso, havia uma demanda significativa por hedge cambial. Além do benefício fiscal de reduzir os subsídios, o freio imposto ao BNDES fez ressurgir o mercado de capitais doméstico – outro excelente subproduto –, que somado à queda da taxa de juros removeu uma razão para os empréstimos em dólares e reduziu a demanda por swaps cambiais. Porém, no momento do pagamento da dívida externa, a empresa terá de comprar dólares no mercado à vista. Se o Banco Central reagisse a essa demanda vendendo swaps deixaria desatendida a demanda de dólares à vista, forçando a empresa a tomar dólares emprestado no mercado doméstico, elevando a taxa de juros desses empréstimos – o cupom cambial.

Essa alteração foi, explicitamente, uma das razões que levou o Banco Central a anunciar que ocorreria simultaneamente venda de dólares à vista com uma redução do estoque de swaps cambiais. Entendida dessa forma, a alteração nas intervenções é correta. No entanto, essa não é a única pressão que vem ocorrendo no mercado à vista de câmbio.

Somando os fluxos líquidos dos investimentos em carteira (renda fixa, ações e fundos) tivemos, nos últimos 12 meses, uma saída líquida em torno de US$ 20 bilhões. Tais fluxos variam amplamente no tempo. Antes de o País

Nenhum investidor se satisfaz apenas com ‘hipóteses’ sobre o curso da consolidação fiscal

perder o grau de investimento e de que os mercados tivessem a percepção correta da magnitude de nosso problema fiscal, havia anos de ingressos líquidos de US$ 40 bilhões, como em 2015, ou até de US$ 70 bilhões, como em 2010/11. Com a perda do grau de investimento, contudo, os ingressos encolheram transformando-se em saídas que, no auge daquele movimento, chegaram a US$ 20 bilhões – o mesmo valor ocorrido nos últimos 12 meses.

Por que estamos assistindo a uma saída líquida em carteira? Há quem atribuía esse movimento predominantemente à queda da taxa de juros no Brasil em relação à dos EUA, mas nessa comparação é omitida a medida relevante do risco de câmbio, que não são as cotações do CDS, e sim a volatilidade da taxa cambial.

Para que esse ponto fique claro vamos supor que um investidor não residente tenha a alternativa de investir no Brasil ou em um outro emergente, sendo que os dois têm a mesma cotação do CDS e a mesma taxa de juros. A qual dos dois países destinará seu investimento? A resposta é simples: investirá no país onde as oscilações da taxa cambial, medidas pelo seu desvio padrão ou por qualquer outra medida da volatilidade, forem as menores. Com isso, reduzirá a probabilidade de que, no momento do retorno dos recursos ao país de origem, uma depreciação cambial elimine todo o ganho proporcionado pela taxa de juros.

Usando uma amostra de 20 países emergentes, Marcelo Gazzano e Paula Magalhães mostraram que desde 2017 a volatilidade do real – ou o risco de câmbio no Brasil – é mais alta do que na grande maioria dos demais emergentes. Isso afugenta capitais, em vez de atraí-los.

Por que o risco de câmbio é tão alto? Embora a reforma da Previdência tenha reduzido o risco de default na dívida, há ainda enormes incertezas sobre os passos seguintes da consolidação fiscal. Como um governo politicamente fraco enfrentará as pressões vindas de taxas elevadas de desemprego? Nenhum investidor se satisfaz apenas com “hipóteses” sobre o curso da consolidação fiscal e sobre como o governo reagirá quando crescer o clamor sobre a alta taxa de desemprego.

Fonte: O Estado de S.Paulo, 13/10/2019

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Affonso Pastore