O Estado de S.Paulo
Quatro meses após iniciar seu segundo mandato e indicar a educação como a prioridade de sua gestão, a presidente Dilma Rousseff chega ao seu segundo ministro na área.
O ministro assumiu a pasta com duas crises à sua porta: a das universidades federais e a do sistema de Financiamento Estudantil (Fies). Faz-se necessário garantir mais transparência nos gastos e apoiar as universidades federais para que saiam da crise em que se encontram, com dificuldades até mesmo para pagar despesas básicas, resultado de uma expansão mal planejada. De outro lado, é preciso reestruturar as regras do financiamento estudantil.
Criado em 1999, o Fies teve suas regras alteradas em 2010, com o objetivo de ampliar em 10 milhões o número de alunos matriculados nas universidades privadas. Os juros foram reduzidos e as regras de acesso ao financiamento foram relaxadas. A meta não foi atingida, o programa encontra o desafio de se manter sustentável e absorver novos alunos. O Fies representa hoje a segunda maior despesa do Ministério da Educação (MEC), consumindo 15% do orçamento da pasta, mais do que o governo federal repassa ao Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb). Com quase R$ 14 bilhões despendidos no ano passado, o programa nunca passou por uma avaliação externa. Seria importante que esta fosse realizada, até mesmo para melhor dimensionar o programa.
A tarefa de resolver a crise das universidades federais e do Fies não pode, contudo, tomar o lugar do principal desafio do Brasil: a melhoria de sua educação básica.
Da creche ao ensino médio, ainda temos muito a percorrer para que se garanta o direito de todos a uma educação de qualidade. Para cumprir essa obrigação tardia com os brasileiros o governo federal deveria, de início, inverter as prioridades recentes de investimento no ensino superior em detrimento da educação básica.
De acordo com estudo recente da consultoria do Senado, entre 2004 e 2014 a participação da educação básica nos gastos da União (excetuadas as despesas com pessoal) caiu de 45% para 37%. Hoje o governo federal contribui com apenas R$ 0,18 de cada real gasto com a educação básica no País, o restante sendo dividido entre Estados e municípios. Dar prioridade à a educação básica implica, portanto, a instituição de um novo pacto federativo na educação.
Na educação infantil, o programa nacional de construção de creches teve resultados ínfimos: apenas cerca de 800 unidades – das 6 mil prometidas em 2007 – foram entregues. O programa precisa ser redesenhado para que alcance seu objetivo. E esse redesenho terá mais sucesso se o Ministério da Educação abrir uma frente de diálogo com prefeitos e secretários municipais de Educação. O Brasil é muito grande para soluções padronizadas e únicas. Além de tornar viáveis novas unidades de educação infantil, o MEC deveria desde já discutir como financiar o seu funcionamento. Os recursos repassados pelo Fundeb são inferiores ao necessário nessa etapa da educação. O que impede sua expansão na velocidade que a sociedade deseja e a lei prevê.
Outro ponto sensível à espera de uma ação mais efetiva do MEC é a instituição da base nacional curricular comum. Como já escrevi em artigo recente neste Estado, o Brasil conseguiu a proeza de instituir um sistema de avaliação escolar sofisticado sem, no entanto, ter uma base curricular nacional comum. Como resultado, as avaliações externas passaram a ser a base da política educacional. É inegável a importância da avaliação. Mas ela não deve ser o centro do processo, e sim o currículo. Este deve ser claro e organizado o suficiente para que os brasileiros saibam o mínimo que deve ser ensinado em todas as escolas do País.
É urgente reformar o ensino médio. Um quinto dos jovens entre 15 e 17 anos está fora da escola. Apenas metade dos jovens entre 17 e 19 anos com o ensino fundamental completo consegue concluir o ensino médio. Do que o concluem, só 9% aprendem o esperado em Matemática. Um desastre! Mas podemos sair dele.
Em regime de colaboração com os Estados e municípios, deve-se construir o currículo para a segunda etapa do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio. Este último deve oferecer programas diferenciados: um com foco na área acadêmica, para aqueles que querem seguir até a universidade, e um profissional, direcionado aos jovens que pretendem seguir direto para o mercado de trabalho.
O currículo acadêmico deve ser flexibilizado, reduzindo o número de disciplinas obrigatórias e dando ao jovem a possibilidade de escolha de matérias optativas em trilhas que se coadunem com o seu projeto de vida. E o currículo profissional deve apontar para uma maior integração com as demandas de mercado. Vale lembrar: o Brasil, segundo o Plano Nacional de Educação, pretende formar 30% dos jovens nas universidades até o ano de 2024. O que faremos com os outros 70%?
Por fim, é sabido que não se engendrará mudança efetiva na educação sem os professores. E estes merecem, além da valorização social simbólica, um conjunto de medidas que vão do estabelecimento de carreiras que atraiam e mantenham os melhores quadros na atividade docente a salários dignos e bons programas de formação, inicial e continuada. Sua formação inicial e continuada deve estar articulada ao currículo e à prática de sala de aula.
Considerando a realidade brasileira, essa não é uma mudança trivial.
São muitos os desafios da educação básica no Brasil. Seu enfrentamento exige um novo pacto entre Estados, municípios e a União. E a disposição do governo da República de transformar o discurso em ação. Já passou da hora.
*Alexandre Schneider foi secretário municipal de Educação de São Paulo