Palestrantes: Uzi Rabi e Danny Tirza
Nota: O CDPP recebeu duas autoridades mundiais sobre geopolítica no Oriente Médio para tratar de dois problemas separados, porém correlatos: as transformações políticas pelas quais passou a região desde a Primavera Árabe, em 2013, e as estratégias de segurança de Israel para responder aos desafios perante a Palestina e os outros Estados Árabes. O Prof. Uzi Rabi tratou do primeiro tópico, enfatizando as raízes históricas das conturbações pelas quais passa a região, enquanto o Cel. Danny Tirza elucidou sua audiência sobre o processo de implementação da cerca ao redor da Cisjordânia e sobre a necessidade de uma maior difusão de informações a respeito das estratégias de segurança implementadas pelo Estado israelense.
Resumo:
Prof. Uzi Rabi
A fala do Professor Uzi Rabi se concentrou naquilo que ele considera ser os cinco pontos fundamentais para compreensão da geopolítica do Oriente Médio pós-Primavera Árabe.
- A cultura política se transformou e isso requer uma mudança da abordagem de análise. O fato da juventude árabe se reunir em praças para destronar ditadores de longa data não é trivial. No século XXI, a compreensão da sociedade árabe não pode mais se resumir aos seus líderes, como a família Assad na Síria ou Muamar Gaddafi na Líbia, dois dos exemplos citados pelo Professor. É preciso botar em prática análises de baixo para cima. A mídia assume papel fundamental ao permitir que as pessoas ajam independentemente de seus líderes formais.
- Há no Oriente Médio forte instrumentalização da religião, que rege e divide sociedades.
- Alguns Estados-nação da região, que Rabi chama de artificias, passaram por um processo de fragmentação que obriga os analistas geopolíticos a os encararem diferentemente. Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e outros foram criados de acordo com interesses ocidentais depois do Acordo de Sykes-Picot, no pós-Primeira Guerra Mundial. Como consequências, grupos inamistosos foram reunidos sob a égide de um mesmo mandatário. O Iraque, por exemplo, é divido entre xiitas e sunitas, curdos e árabes. A Síria, por sua vez, é palco de conflitos entre curdos, alawitas, sunitas, cristãos e drusos. Para compreender a geopolítica da região é preciso esquecer a configuração original dos Estados-nação e olhar para a região com enfoque na briga por autodeterminação desses grupos.
- A influência das potências ocidentais também não é mais a mesma. Os Estados Unidos estão fora do jogo, enquanto Rússia e China estão por vezes dentro, por vezes fora. Há muito espaço para alianças ad hoc.
- Diferentemente do que se ouvia durante o século XX, Israel não tem nada que ver com os fenômenos políticos de maior relevância do Oriente Médio, alguns deles citados acima.
Cel. Danny Tirza
O palestrante Coronel Danny Tirza, aposentado em 2007 das Forças de Defesa de Israel (FDI), relatou sua experiência como representante de Israel nas rodadas de negociação de Oslo e Anápolis e discutiu o processo de construção da cerca que divide o Estado de Israel e o território da Cisjordânia, projeto pelo qual foi um dos responsáveis.
- Negociações de Paz
No final de 1993 Cel. Danny Tirza foi nomeado para integrar a delegação israelense que iria participar da rodada de negociação de paz com os palestinos em Oslo. Desde então, tomou parte em todas as negociações até 2007, quando se aposentou do exército.
Duas eram suas obrigações enquanto membro da delegação israelense: dar voz às preocupações israelenses concernentes à segurança em terra e pôr em prática as medidas necessárias para, uma vez fechado o acordo de paz, assegurar a segurança de seu povo. Como exemplo Cel. Tirza citou a mudança necessária em toda a malha rodoviária de Israel que atravessava a Cisjordânia e o deslocamento dos campos de treinamento militar da região.
Em 1993, as conversas de paz alcançaram um entendimento entre as partes. Segundo Tirza, no entanto, ataques terroristas palestinos inviabilizaram a consumação do que foi acordado.
Em 2000, em Camp David, houve nova tentativa. O presidente norte-americano Bill Clinton recepcionou as lideranças de ambos os lados. Nessa ocasião, relata Tirza, Ehud Barak, primeiro-ministro israelense, se disse disposto a ceder 94% do território da Cisjordânia, 100% de Gaza e ainda o Monte do Templo para os palestinos, em troca do compromisso firmado por Yasser Arafat, líder palestino, pelo fim do conflito. Arafat, no entanto, disse a Clinton que não poderia firmar esse acordo pois ele não era o líder de toda a população árabe.
Nas semanas que se seguiram Israel foi alvo de diversos ataques terroristas. A população exigia do governo que restringisse a entrada de árabes palestinos no território. A decisão de construir a cerca, no entanto, só foi tomada em março de 2002, quando em apenas um mês 128 israelenses foram mortos em ataques terroristas. Na ausência de uma demarcação melhor, decidiu-se por construir a cerca sobre a Lina Verde, demarcação geopolítica resultado do acordo de cessar-fogo entre Israel e Jordânia em 1949 e única delimitação que define a Cisjodânia.
- Construção da cerca da Cisjordânia
O Cel. Danny Tirza foi nomeado responsável pelo projeto de construção da cerca. Como tal, faz questão de esclarecer à audiência algumas falácias que são propagadas pela mídia. Apesar de a chamarem de Muralha, Tirza enfatizou que apenas 5% da barreira é muro de concreto, enquanto 95% é constituído por cercas. Cercas estas que não são eletrificadas, mas que detém um sofisticado sistema eletrônico para identificação de pessoas que tentam invadir o território israelense a partir da Cisjordânia. Segundo o palestrante, a maior parte da barreira é formada por um sistema de três cercas de 3 metros de altura, com trilhas entre elas. As cercas possuem diversos censores: se alguém tentar cortá-la ou escalá-la os censores indicam a localização e hora exata do ocorrido. Câmeras de segurança, presentes em todo o perímetro, obtém imagens do local da ocorrência, de forma que o exército israelense possa saber se se trata de um terrorista ou de uma criança indo buscar sua bola.
Toda noite, segundo o Coronel, o exército israelense detêm de 5 a 10 pessoas procuradas no território da Cisjordânia tentando atravessar a cerca. A não ser que o indivíduo venha de uma área classificada como A, em que a Autoridade Nacional Palestina é responsável integralmente pela segurança, o exército israelense o leva para a Corte e procura obter informações relevantes para a Agência de Inteligência israelense (Mossad). Essas informações são de extrema relevância para o serviço de inteligência do país. Só em 2015, relata o palestrante, 65 terroristas foram detidos a caminho da cerca. Também em função da eficácia da Inteligência israelense, há quatro meses atrás uma rede de 150 terroristas do Hamas foi capturada na Cisjordânia enquanto planejada ataque à Israel bem como à líderes da Autoridade Palestina.
Apesar de ter privilegiado a construção de cercas de ferro, o Cel. Danny Tirza relatou que se viu obrigado a construir muros de concreto em áreas urbanas, a fim de proteger Israel da mira de snippers palestinas. Além disso, ele relatou que o muro seria uma melhor forma de evitar fricção entre soldados israelenses e a população civil palestina. A altura do muro, de 9 metros, Danny Tirza justificou como necessária para evitar que pessoas pudessem pular o muro.
O palestrante enfatizou sua preocupação como responsável pela instalação da cerca com o melhor balanceamento possível entre as necessidades de segurança de Israel, os direitos civis palestinos e a liberdade de expressão tanto de israelenses quanto de palestinos ao contestar a instalação da barreira.
Q&A
A plateia, constituída de aproximadamente 40 pessoas, dirigiu algumas perguntas aos palestrantes.
- O que poderia evitar que uma eventual retirada do exército israelense da Cisjordânia resultasse em um cenário político semelhante àquele que observamos hoje na Faixa de Gaza?
Cel. Danny Tirza: segundo o Cel. a principal motivação que levou Ariel Sharon a retirar unilateralmente suas tropas de Gaza foi mostrar ao mundo que os Palestinos poderiam governar a si mesmos. O resultado, segundo o palestrante, foi a destruição de todas as estufas israelenses pelos palestinos e a tomada do controle pelo Hamas, em 2006. Cel. Tirza salientou que não é possível Israel correr esse tipo de risco na Cisjordânia, já que a fronteira se encontra muito próxima de alguns dos principais núcleos urbanos do país. O palestrante afirmou que a retirada terá que se dar por etapas, com acordos com a Autoridade Palestina para que se mantenha a presença do exército israelense em áreas desocupadas pelos colonos.
Prof. Uzi Rabi: o Professor salientou que a resolução do conflito deve buscar a paz através de acordos com base em interesses mútuos. Obter paz entre os dois povos é diferente de torná-los amigos, segundo o Professor.
As perguntas seguintes foram feitas em bloco.
- Uzi, você incluiria Israel no contexto dos conflitos no Oriente Médio que você analisou anteriormente? Danny, há uma brecha na cerca ao sul de Hebron. É correto dizer que isso se deve à pressão dos colonos ou há motivos de segurança para isso?
- ISIS parece ser uma maior ameaça que o Irã, que suporta comunidades xiitas e se coloca contra o ISIS. É possível chegar a um acordo com o Irã para juntar forças contra o ISIS?
- A construção do muro gerou enorme inimizade por parte da comunidade internacional contra Israel. Os custos dessa repercussão negativa foram suficientemente internalizados?
- É possível traçar alguns cenários para o futuro da política no Oriente Médio?
Cel. Danny Tirza: o Cel. explicou à audiência que a área do perímetro sobre a qual a cerca não percorre é parte do Deserto da Judea, um território muito montanhoso e de difícil acesso. O “buraco” na cerca não se justifica por uma questão política, mas sim porque nessa área outros instrumentos de segurança são mais interessantes. No que diz respeito à pergunta sobre os custos político associados à construção do muro, Tirza defendeu uma maior disseminação de informações para o público internacional e inclusive israelense para que se esclarecessem as intenções e os métodos aplicados pelo exército israelense para garantir a segurança do país.
Prof. Uzi Rabi: o Professor da Universidade de Tel-Aviv respondeu à primeira pergunta evidenciado a dificuldade de se construir um ethos em que todos os fragmentos da sociedade israelense possam se identificar nele. A dificuldade premente, segundo o palestrante, é a parcela da população árabe residente em Israel, que hoje gira em torno de 20%. Como fazer com que eles se sintam israelenses? Como não trazer o inimigo para dentro do país?
O Professor respondeu o questionamento a respeito de uma possível aproximação com o Irã salientando a dificuldade de se fazer alianças robusta na região e os interesses nem sempre claros da política externa iraniana. Segundo ele, o fato de todo o mundo comprar petróleo do ISIS e ainda o fato de que o ISIS detém 8 milhões de pessoas como reféns nos territórios em que controla faz com que seja extremamente complicado se criar uma aliança mundial para dizimar o Estado Islâmico. Especificamente sobre o Irã, ele afirmou que não há como desenhar uma aliança uma vez que o Irã se vende para o oeste como uma ameaça menor, mas, na verdade, já prepara mísseis balísticos, contrariando aquilo com o que se comprometeu no acordo nuclear. Ademais, os conflitos entre Arábia Saudita e Irã não permite que essas duas nações se unam contra o ISIS.
Sua fala continuou para denunciar as raízes dos perigos envolvidos na atuação do ISIS. Segundo o Professor, o Estado Islâmico reúne partidários trazendo o vírus do sentimento de não pertencimento para países de primeiro mundo. Seu foco é atrair muçulmanos que não se sentem bem recepcionados pela cultura de seu país de residência. Há, segundo o Professor, vários problemas na forma com que os países de primeiro-mundo enxergam as estratégias para se mitigar os perigos oferecidos pelo Estado Islâmico. Através de anedotas de palestras que ele realizou no Canadá e no Parlamento Europeu, Professor Rabi salientou dois pontos: combater o ISIS não é responsabilidade apenas dos países do Oriente Médio e não há solução possível que passe por trazê-los à mesa de negociação.
As melhores perspectivas para o futuro, segundo o Professor, incluem uma Síria em que há espaço para curdos, muçulmanos, alawitas e outros povos que lá residem. As suas diferenças precisam ser respeitadas. Atingir esse cenário não é algo que possa ser feito por políticos. É um objetivo de longo prazo, alimentado por revoluções educacionais. Já para a Europa, é necessário reconsiderar as formas de se enfrentar o problema. Enquanto não se puder nomear de inimigo – “terroristas islâmicos” – não há como ganhar a guerra. A Europa sofre por conta dos princípios que ela designou a si própria.
- As monarquias absolutistas do Oriente Médio parecem ser mais resilientes às transformações políticas citadas pelo Professor Rabi. Como a relevância da religião, a análise de baixo para cima e o desmoronamento dos Estados nacionais afetam essas monarquias?
- Quais as prospecções futuras para o acordo nuclear com o Irã?
- Quais as preocupações israelenses com a segurança das Colinas de Golã?
Prof. Uzi Rabi: Segundo o Professor, a Primavera Árabe não afetou as monarquias. Ele afirmou que a Arábia Saudita é tão rica que pode “comprar” a indignação de sua população, enquanto Marrocos e Jordânia, monarquias mais pobres, garantem a coesão do seu tecido social através de entrelaçamento de sangue no poder e cessão de benefícios econômicos. Busca-se revolução onde não há o que perder. No caso das monarquias sempre há o que perder. O palestrante afirmou que no futuro, entretanto, essas monarquias terão que ouvir as demandas de seu povo.
Quanto ao Irã, o Professor Rabi disse à plateia que é preciso analisar os discursos proferidos pelos líderes muçulmanos para o seu próprio povo. Os iranianos se consideram uma civilização desenvolvida e, portanto, dificultar a obtenção de armar nucleares pelo Irã é interpretado por sua nação como um afronta ao progresso iraniano. Os iranianos já estão desenvolvendo mísseis balísticos, em contraposição àquilo definido no acordo nuclear. Hoje o país é uma enorme potência no Oriente Médio, com muito dinheiro originado desse acordo.
Cel. Danny Tirza: O inimigo real está em algum lugar da Síria, argumentou o Coronel. A questão é balancear as necessidades de segurança interna com a estratégia de não intervenção nos conflitos entre muçulmanos na Síria e no Iraque. Em períodos como esse é melhor se ater às questões que dizem respeito exclusivamente à segurança interna, segundo o palestrante.
Resumo e nota preparados por: Gabriel D. Jardanovski