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A Aritmética do Déficit

O Estado de S. Paulo

Diante do anúncio da meta de déficit de R$ 139 bilhões para 2017, muitos se apressaram em julgar tímido o ajuste. Tal avaliação ignora tanto a realidade fiscal de curto prazo como a tirania da aritmética da “PEC do teto de gastos”. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) representa um importante marco na direção do equilíbrio fiscal, mas seus frutos ainda não serão colhidos em 2017.

A despesa cresce acima do PIB por regras constitucionais e mudanças demográficas, o que exigiria um aumento insustentável da carga tributária, ano após ano. Se almejamos o equilíbrio fiscal, precisamos atacar essa dinâmica para além do curto prazo, e é exatamente isso que a equipe econômica sinalizou ao enviar uma PEC que limita o crescimento dos dispêndios à inflação do ano anterior e desvincula os pisos da saúde e educação, corrigindo-os também pela inflação.

É fácil ver que com a inflação cadente essa regra implica em uma elevação dos gastos em termos reais. Como as projeções de consenso para a inflação são de 7,3% em 2016 e 5,4% no próximo ano, com crescimento do PIB de 1,0% em 2017, observa-se que aplicando a regra da PEC os gastos deveriam ter um crescimento de quase 2% em 2017 e as receitas algo em torno de 1%. Consequentemente não deveria haver qualquer surpresa com relação a um déficit em 2017 maior do que o de 2016. Se não assumisse R$ 55 bilhões em receitas extraordinárias, o déficit projetado pelo governo de fato seria de R$ 194 bilhões.

A despeito do teto, poderia o governo ter sido mais austero? Primeiro, o forte ajuste das despesas discricionárias em 2015 esgotou a possibilidade de cortes nessa frente. Segundo, ainda que o reconhecimento de “esqueletos” deixados pelo governo anterior não deva se repetir, esse espaço será mais que compensado pelo crescimento dos gastos previdenciários de mais de R$ 50 bilhões em 2017. Terceiro, o governo não tem incorporado medidas que dependem de aprovação no congresso nas suas projeções. Isso impede uma reversão rápida do déficit.

Aliada à estabilização e à retomada do crescimento, a PEC fará com que o resultado fiscal melhore apenas gradualmente, e ainda assistiremos a déficits primários por mais alguns anos. Mesmo admitindo que a taxa real de juros caia para 5% e que o PIB cresça entre 2,5% e 3,5% ao ano, a relação dívida/PIB deve crescer por mais 5 a 10 anos. Essas não são sinalizações de que o governo afrouxou seu compromisso com o ajuste fiscal; pelo contrário, ao definir uma trajetória para os gastos, o governo dá um sinal crível que a razão dívida PIB cairá no futuro, e que está no caminho de recolocar o país na rota da responsabilidade fiscal.

Esse é o primeiro passo de um caminho espinhoso. A PEC é apenas uma moldura que ainda precisa ser preenchida com mecanismos que reorganizem as despesas. Um dos méritos da medida está em forçar o debate no congresso sobre as reais prioridades da sociedade, e quanto mais engessarmos as despesas pior será a qualidade do ajuste. Atualmente cerca de 40% dos gastos do Governo Central são destinados à previdência, que devem passar para 50% em 2022. Isso reitera a urgência de uma reforma, mas dada a necessidade de uma regra de transição essa dinâmica só se alteraria para além desse período. A incoerente aprovação do reajuste do funcionalismo até 2019 reduziu ainda mais a margem de manobra.

Dado o crescimento dessas despesas e o caráter irreversível de outras, como subsídios passados, o montante que pode ser ajustado é de apenas R$ 160 bilhões, e é sobre essa restrita base que o governo precisará fazer um ajuste de R$ 70 bilhões até 2022. Essa margem de manobra é composta por alguns poucos gastos, como Bolsa Família, custeio e investimentos de ministérios (fortemente reduzidos em 2015), abono salarial, desoneração da folha e subsídios (exceto PSI).

A sociedade pode optar por um nível de gastos mais alto e uma carga tributária maior, mas essa discussão não prosperará em um ambiente de descontrole fiscal. O desafio é enorme e o governo escolheu um caminho. Temos agora um túnel para procurar a luz no final.


por Caio Carbone e Marcelo Gazzano

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