Valor Econômico
Este início de ano tem sido marcado por certa melhora no sentimento e nas avaliações de analistas e investidores quanto às perspectivas imediatas da economia brasileira. A combinação de inflação e taxa de juros em queda está influenciando positivamente a atitude de empresários e consumidores, como sugerem índices de confiança recémdivulgados, a atividade na indústria parou de encolher e a expectativa de uma supersafra anima o interior do país. Os economistas do Itaú Unibanco trabalham com uma projeção de crescimento de 1% esse ano, acima do consenso do mercado (0,5%, segundo o relatório Focus, do BC, no final de janeiro), mas este pode começar a se deslocar para cima.
Essa incipiente (e ainda sujeita a reversões) mudança de humor não se estende à avaliações de médio prazo no momento, estimamos que o crescimento potencial da economia não passa de 2% (e muitos analistas acham que seria até menor do que isso). Uma das razões para esse pessimismo estrutural é a baixa taxa de investimento da economia, uma média de 19,4% do PIB nos últimos dez anos, frente aos 22,5% na média dos outros países da região e 31,3% nos mercados emergentes.
Evidentemente, como mencionado em coluna anterior, esta taxa de crescimento é insuficiente para colocar o Brasil em rota de convergência para o padrão de vida observado nas economias avançadas afirmando de forma simples, com um crescimento potencial de 2% o país estará condenado à estagnação relativa. O atual governo, bem como o anterior, não se mostra satisfeito com essa situação e, também como o que o precedeu, aponta a infraestrutura como área mais promissora para alavancar o crescimento de curto e médio prazo da economia.
A vantagem da atual administração é uma atitude menos preconceituosa ante o setor privado, com o aparente abandono da malfadada prática de tabelamento de taxas de retorno e da ênfase no protagonismo estatal.
A opção pelo crescimento guiado pelo Estado parece desprezar evidências históricas, que demonstram a capacidade da iniciativa privada de liderar o processo de investimento também no campo da infraestrutura. O curioso é que essas evidências são tão abundantes quanto antigas. O excelente “The Pursuit of Glory: Europe 16481815”, do antigo professor de Cambridge, Tim Blanning, conta como o investimento privado levou, a partir da aprovação pelo parlamento dos “Turnpike Acts”, no final do século XVII, a uma explosão da construção de estradas pedagiadas por empresários privados.
Esse processo levou à formação de um espaço econômico nacional o que favoreceu a revolução industrial inglesa e a uma drástica diminuição da duração das viagens dentro do Reino Unido: o tempo de viagem entre Londres e Bath caiu de 50 horas em 1700 para 40 em 1750 e “apenas” 16 horas em 1800, ainda antes da explosão do transporte ferroviário, que viria nos anos 1840, ao passo que as viagens até Edimburgo tiveram redução de 256 para 150 e, finalmente, 60 horas nesse período.
As estradas britânicas privadas não necessariamente eram as melhores do ponto de vista técnico os franceses tinham (como ainda têm) engenheiros de mais alta qualidade , mas eram as mais eficientes do ponto de vista econômico, visto que sua construção seguia o princípio da maximização de lucros. A Espanha também tinha algumas estradas de boa qualidade, mas, para o azar da sua economia, estas visavam mais facilitar os deslocamentos da família real entre seus diversos palácios do que o transporte de mercadorias.
Talvez o melhor contraexemplo citado por Blanning se refira à Sicília. Na década de 1770, o governo local indicou um engenheiro militar para planejar uma estrada entre Palermo e Catânia. O encarregado sequer completou o plano, pois não conseguiu administrar as pressões por parte das diversas autoridades e da nobreza, que insistiam que a estrada passasse por suas respectivas localidades ou propriedades, ziguezagueando pela ilha, o que inviabilizou o desenho de um trajeto minimamente racional entre as citadas cidades.
A superação do preconceito antilucro é um avanço. Mas dificuldades persistem. Além da questão das fontes de financiamento, grandes empresas multinacionais de infraestrutura têm manifestado duas preocupações com certa frequência. Uma parece ser passível de solução relativamente simples, a
outra vai requerer um pouco mais de criatividade. A primeira referese à proteção cambial. Quem investe em euros, dólares ou ienes quer ser remunerado nessas moedas, não em reais.
A forma mais direta e simples de oferecer proteção cambial aos investidores é indexar as tarifas ou pedágio, de forma adequadamente suavizada, por meio de médias móveis longas, à taxa de câmbio. Para quem se assusta com isso, vale lembrar que os preços dos combustíveis e a energia elétrica de Itaipu já são dolarizados. Vale notar também que projetos de infraestrutura voltados ao comércio internacional de bens e serviços, como certas estradas, portos e aeroportos, tendem a ter receitas sensíveis aos movimentos cambiais.
A saída pela dolarização (com a devida cautela) atenderia muitos projetos de infraestrutura, ainda que não todos. O outro problema é setorial. O segmento de construção pesada, que ofereceria parceiros nacionais para os investidores externos em infraestrutura, encontrase em boa medida fragilizado pelos efeitos das atuais (e bemvindas) investigações sobre corrupção. Será necessário, portanto, trabalhar para trazer novos atores para o setor, como empresas de construção que trabalham em outros segmentos, ou mesmo financiar a formação de novas companhias, com novas práticas e nova governança, mas que se beneficiem do capital humano, os engenheiros e técnicos, que existem nas empresas antigas.
Sem enfrentar esses problemas, mesmo que a questão do financiamento seja equacionada, nosso setor de infraestrutura corre o risco de, apesar de enorme demanda não atendida, ficar parado no tempo, como a Sicília setecentista.
As opiniões aqui expressas são as do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.