Folha de São Paulo
Boa parte do empresariado nacional, em particular os encastelados na pirâmide da Paulista, se especializou em ganhar dinheiro à custa de transferência de recursos do resto da população.
São vários os mecanismos, da proteção contra a concorrência (não só internacional mas também doméstica) ao uso intensivo de subsídios. Uma das formas mais insidiosas e menos transparentes, porém, se dá por meio do BNDES.
Empresas com acesso privilegiado ao banco tomam lá recursos balizados pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que tipicamente se situa muito abaixo do custo a que o Tesouro Nacional se financia (numa primeira aproximação, a taxa Selic), quando não da própria inflação.
Nos últimos dez anos, por exemplo, a TJLP ficou, em média, quatro pontos percentuais abaixo da Selic a cada ano; nos últimos três anos, cinco pontos percentuais.
No acumulado destes três anos foi também quatro pontos percentuais inferior à inflação. Tudo isso implica transferência maciça de renda do contribuinte para os que têm acesso a esses recursos, devidamente apelidada Bolsa Empresário.
No entanto, os efeitos negativos desse arranjo não se limitam ao seu impacto fiscal, já explorado em outras colunas.
Para começar, trata-se de um subsídio gigantesco que não passa pelo Orçamento federal: dá-se, portanto, a um ramo do Executivo o poder de promover transferências de renda sem nenhuma transparência, sem nenhuma discussão com a sociedade, seja de cunho técnico ou democrático.
E, exatamente por ser pouco transparente, é também um incentivo considerável para os que apreciam participar do jogo da corrupção.
A questão aí não é só o quanto de “bola” se paga para agentes que possam favorecer uns e outros.
A própria lógica de uma economia de mercado se inverte quando a principal atividade empresarial deixa de ser a inovação para se concentrar na obtenção de facilidades de modo a canalizar renda do resto da sociedade para si.
Países em que essa atividade se torna dominante, em detrimento da inovação (e consequente aumento de produtividade), se encontram precisamente entre as nações que fracassam, em oposição àquelas em que a destruição criativa é o principal modo de enriquecimento. Veem alguma semelhança?
Para mudar isso, o governo pretende migrar ao longo de cinco anos o balizamento do custo dos recursos do BNDES da TJLP para uma nova taxa (TLP), que por sua vez seria guiada pelo custo de financiamento de longo prazo do Tesouro, na prática eliminando aos poucos o colossal subsídio implícito para as novas operações do banco (a partir de janeiro de 2018).
A reação, como esperada, é feroz. Até o novo presidente do banco se manifestou contra, alegando que a mudança tornaria as condições de financiamento menos previsíveis, já que o custo de financiamento do Tesouro poderia se alterar drasticamente, por exemplo, em condições de crise, aparentemente esquecido da possibilidade de empresas contratarem diversas formas de seguro para mitigar esse risco.
Ainda menos auspiciosa é sua promessa de fazer “seis anos em seis meses”, ecoando justamente o faraó da pirâmide paulista quando pedia a cabeça de Maria Silvia Marques para manter os privilégios dos suspeitos de sempre.
Se cumprir a promessa, posso garantir que regrediremos bem mais do que seis anos em seis meses.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.