Valor Econômico
Em reuniões recentes com economistas, no Brasil e no exterior, tem sido recorrente a
menção à crescente oposição do eleitorado, nas economias maduras, ao processo de
globalização – evidenciado pelo Brexit e a vitória de Donald Trump na eleição presidencial americana. Em umas destas reuniões, surgiu a constatação que a rejeição da globalização parece ser muito mais intensa entre as economias maduras do que as emergentes. É difícil mensurar esse tipo de movimento, mas a julgar pelo noticiário internacional, essa assimetria parece ser verdadeira.
E há dois fatores que poderiam explicar por que a globalização sofreria maior resistência nas economias maduras do que nas emergentes. O primeiro, mais óbvio, é que as economias emergentes bem sucedidas, notavelmente a China, tem tido êxito em elevar seu padrão de vida por meio de forte integração nas correntes de comércio internacionais, e parece haver sinais que parte da piora da desigualdade observada em certas economias, como EUA e Reino Unido, pode derivar de efeitos do comércio internacional – ainda que problemas educacionais e efeitos das inovações tecnológicas tenham sido mais importantes. O segundo, mais relevante no caso brasileiro, é que algumas economias preferiram ficar à margem da globalização, rejeitando a integração em favor do protecionismo.
Dados do Banco Mundial (“World Development Indicators”) mostram que o Brasil é a economia mais fechada entre as mais relevantes do mundo (uma amostra que responde por quase 80% do PIB mundial) – o critério utilizado é o mais simples, a razão entre a soma de exportações e importações e o PIB. Outros critérios, como a intensidade das barreiras tarifárias ou a presença de barreiras não tarifárias, monitoradas pelo “Global Competitiveness Report” do World Economic Forum, nos colocam em último ou penúltimo lugar no ranking de abertura.
O FMI, em seu relatório anual sobre a economia brasileira, publicado em julho, lista abrir a economia como a primeira iniciativa que o país deveria adotar para acelerar seu crescimento (o Fundo cita explicitamente a necessidade de reduzir as tarifas sobre a importação de bens de capital e eliminar barreiras não tarifárias, como o recurso frequente a ações anti-dumping).
Comparado com economias de países emergentes relevantes, o grau de abertura reduzido do Brasil salta aos olhos. Considerando um período longo, em 1970 Brasil e México tinham grau de abertura semelhante, cerca de 15% do PIB, enquanto a Índia era ainda mais fechada, 8%. Uma geração depois, em meados dos 1990, o grau de abertura da economia brasileira estava em 19,6%, quase igual ao da Índia (19,9%) e já inferior ao do México (26%), que caminhava para o Nafta. Ao final da amostra, em 2016, o grau de abertura da economia brasileira encontrava-se em 24,6%, ante 78,1% no México e 39,8% na Índia.
Cabe notar que o grau de abertura máximo de nossa economia teria ocorrido entre 2001 e 2004, quando atingiu uma média de 28,1% (sob influência da sub-valorização do real na esteira da crise de 2002). Desde então a abertura “nominal” entrou em ligeiro declínio – considerando-se uma média de longo prazo, dez anos, para limitar os efeitos ocasionados por oscilações da taxa de câmbio real, o grau de abertura tem declinado, mas apenas desde 2009, e estaria em 24,7%. Não há, portanto, como culpar a globalização por nossas mazelas econômicas recentes, que são muitas. A falta de condições objetivas talvez explique porque a hostilidade à globalização seja pouco visível mesmo entre os habituais críticos de políticas econômicas ditas liberais.
Ao contrário, os últimos anos foram caracterizados por uma tentativa canhestra e muito mal sucedida de criar mais barreiras entre a economia brasileira e o comércio internacional, com aumento do protecionismo em determinados setores (a despeito de se tratar de indústrias que estão bem estabelecidas desde meados do século passado) bem como a política de conteúdo nacional que trocou a racionalidade pelo voluntarismo, com resultados bem conhecidos.
O atual governo, que tem implementado importantes reformas, como a da legislação trabalhista e a criação da TLP, tem sido mais contido no que se refere à política comercial, talvez por que nessa área as responsabilidades estejam divididas entre o Ministério da Fazenda, onde imperam ideias mais progressistas, e outras áreas do governo que preservam suas preferências protecionistas – mesmo assim, o recurso a medidas de restrição ao comércio, como investigações anti-dumping, caiu entre 2015 e 2016, segundo a OMC.
A força da ideologia protecionista, que já nos brindou iniciativas como a reserva de mercado para a informática, deriva de um certo equilíbrio de economia política, que favorece o rentismo às expensas da competição e inovação. Nesse arcabouço, a visão até aqui dominante é que nosso principal ativo é o mercado doméstico “grande”, que deve ser preservado da concorrência externa – como se o mundo não fosse um mercado muito maior.
A recessão de 2014-2016, ocasionada por um colapso da demanda doméstica, tem suscitado, em meios empresariais, uma revisão dos benefícios dessa opção protecionista – a lição a ser tirada dessa experiência é que talvez o mercado externo possa se mostrar uma fonte de demanda mais estável e confiável que o doméstico. De fato, se o Brasil eventualmente optar por uma nova abertura dos portos, será, a julgar pela correlação de forças que tem determinado nossa política comercial, por inspiração e pressão do setor privado, mais do que por uma iniciativa puramente governamental.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.