Folha de São Paulo
A senadora Gleisi Hoffman nos brindou com a seguinte pérola : “A atividade econômica está no chão; como é que vai ter inflação?”. Fosse eu médico (para alegria de dona Gilda, que, como boa mãe judia, ainda não se conformou com minha escolha de carreira) certamente receitaria as pílulas do dr. Caramujo para a memória da senadora.
Basta lembra que em 2015 a inflação chegou a 10,7%, enquanto o PIB encolheu 3,8%. Mesmo se desconsiderarmos os efeitos dos preços de alimentos e dos preços administrados (que subiram muito naquele ano para compensar o desastrado congelamento de anos anteriores), a inflação teria atingido quase 8%.
Já nos 12 meses terminados no segundo trimestre do ano passado, ainda no governo Dilma Rousseff, o PIB caiu 4,8%, o pior resultado da história, com a inflação perto de 9% (ou 7%, se expurgados alimentos e preços administrados).
É verdade que o desemprego hoje é 1,5 ponto percentual mais alto do que em meados do ano passado, mas já alcançara 11% naquele momento, ante 6,5% no começo de 2014, ou seja, o mercado de trabalho já havia sucumbido à recessão iniciada dois anos antes.
Posto de outra forma, a experiência da senadora, então ministra, deveria tê-la ensinado que “atividade econômica no chão” não basta para domar o processo inflacionário. Se inflação dependesse apenas da atividade, o governo Dilma poderia se gabar de ter produzido a menor inflação da história.
Como sabemos, não foi o caso.
Quem acompanha o comportamento dos preços nota que a inflexão se deu no último trimestre de 2016, quando o IPCA, medido em 12 meses, cedeu mais de dois pontos percentuais, bem mais do que vinha caindo em trimestres anteriores (em torno de meio ponto percentual por trimestre), fenômeno similar ao observado no caso da inflação sem alimentos e preços administrados, e que persiste ao longo de 2017.
À parte o choque favorável dos preços agrícolas, que trouxe a inflação de alimentos para terreno negativo (mas que, por definição, não teve impacto direto na inflação ex-alimentos e administrados), dois fatores desempenharam papel central na quebra da espinha dorsal da inflação.
Por um lado a atitude do BC. É bom lembrar que, à época, não faltou quem afirmasse que a meta de 4,5% para 2017 era inexequível, sugerindo que a nova diretoria adotasse uma “meta ajustada”. A rejeição desta proposta indicou que a instituição se comportaria de maneira oposta à sua conduta sob Alexandre Pombini, cuja sujeição ao Executivo, mais do que evidente, era escandalosa. A firmeza do BC ajudou a consolidar a queda das expectativas de inflação.
Por outro lado, medidas como a criação do teto constitucional para os gastos federais sinalizaram uma trajetória de ajuste das contas públicas, ainda que gradual e sujeita a vários acidentes de percurso.
Para ser sincero, permaneço cético quanto à manutenção do teto sem medidas adicionais, mas o consenso que se formou indica que a maioria do mercado dá à atual administração o benefício da dúvida, mesmo se boa parte da tarefa for legada ao próximo governo.
O desemprego elevado só trouxe a inflação para baixo porque medidas corretas de política econômica foram adotadas. Quem acha que recessão resolve sozinha o problema deveria aprender com a Venezuela, mas não aplaudi-la, como fazem a senadora e seu partido.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.