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O crescimento brasileiro em relação ao mundo

Estado de São Paulo


Há, nas últimas décadas, uma profunda decepção com o fraco crescimento econômico brasileiro. É esta uma percepção correta? Teria ocorrido o mesmo com outros países?

A percepção é correta: entre 1980 e 2016 a nossa renda per capita passou de pouco mais de 40% da dos EUA para perto de 25% (dados do FMI em moeda de poder de compra equivalente), mas o fenômeno está longe de ser generalizado. No mesmo período, a renda per capita da Coreia do Sul era quase metade da nossa (20% da dos EUA), mas já vai se aproximando rapidamente da do Reino Unido, que flutua pouco abaixo de 70% da renda per capita dos EUA, encantando quem visita o país pela qualidade da vida nas cidades, pela eficiência nos aeroportos, sistemas viários e demais meios de transportes.

Outros emergentes como China, Índia e Turquia têm tido crescimentos acelerados, com a China já tendo superado a renda per capita do Brasil em 2016 (em 1980 tinha 5% da dos EUA), e a Turquia situando-se bem acima, em torno de 45% da renda dos EUA. Enquanto isso aumentou continuamente a distância do Brasil com relação aos EUA e os demais países maduros e emergentes de melhor desempenho.

Nos anos 1970, tivemos uma boa história de crescimento, quando ocorreu uma elevação da produtividade total dos fatores. Mas não decorreu da melhoria da qualidade do capital humano, cuja oferta era tão baixa em relação à demanda que concentrou a distribuição de rendas nos anos do “milagre brasileiro”. Veio da remoção das incertezas gerada pelo PAEG (o plano dos ministros Campos e Bulhões), que abriu o espaço para que prosseguissem os investimentos na indústria e no setor de serviços. Como no modelo de desenvolvimento de Arthur Lewis, os trabalhadores deixavam de ganhar salários próximos da subsistência no campo, passando ganhar na produtividade marginal nas atividades urbanas. Foi a mudança na composição setorial do emprego que levou a um enorme aumento da produtividade do trabalho, gerando taxas de altas do PIB acima de 10% ao ano.

Será que uma política industrial acelera o crescimento? A Austrália é um contra exemplo. Já era um país desenvolvido no início do século passado, mantendo nos últimos 40 anos uma renda per capita de 80% da dos EUA, superando a União Europeia e o Reino Unido, mas não o calcou na indústria, e sim em outras atividades. Caminho diverso foi o da Coreia do Sul, que arrancou para o crescimento com uma política industrial. Mas nunca foi ao extremo de atrair capitais estrangeiros para explorar o mercado interno, como nós, optando por estímulos que elevassem as exportações, o que requeria eficiência produtiva. Nas fases iniciais de sua política industrial cuidou para que ocorresse o aumento de produtividade, cujo sucesso se deve aos pesados investimentos em educação, gerando um capital humano de qualidade suficientemente elevada para que permitisse a adoção de tecnologias desenvolvidas em outros países, tornando a sua indústria competitiva. Contrariamente ao Brasil, na Coreia a “indústria nascente” de fato nasceu e passou a crescer. A qualidade de seu capital humano, ao lado de empresas movidas pela competição externa, permitiu a adoção de tecnologias mais eficientes.

Foi uma trajetória oposta ao nosso modelo de política industrial, que chegou ao cúmulo de produzir tarifas efetivas – sobre o valor adicionado – na indústria automobilística tão elevadas, atualmente, quanto as montanhas do Himalaia. Nosso protecionismo, quer na forma de tarifas, quer na forma de índices de conteúdo nacional, não se restringe aos automóveis, atingindo bens de capital e bens intermediários e é, ao lado das enormes distorções tributárias, o maior responsável pela baixa competitividade das exportações e pela nossa incapacidade de crescimento. Seu resultado foi acentuar o Estado patrimonialista e o “rent-seeking”, sem efeitos sobre o crescimento.

Nosso mau desempenho vem de um profundo erro de diagnóstico sobre como abrir oportunidades para que os empresários mais eficientes recebam os estímulos corretos, e sobre como podemos elevar a qualidade do capital humano.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Affonso Pastore