Folha de São Paulo
Concessões a caminhoneiros trazem de volta antigos e nocivos remendos setoriais
O movimento dos caminhoneiros paralisou o país e expôs com toda a crueza as muitas fragilidades que nos assombram há anos, como a ausência de lideranças capazes de enfrentar um problema de dimensões nacionais, a crise fiscal que não deixa margem de manobra para a gestão pública e a estrutura tributária complexa e disfuncional, entre tantas mazelas.
Bastaram alguns dias de caminhões parados à beira das estradas para que a reação improvisada e descoordenada do governo às manifestações contrariasse a direção proposta há menos de dois anos para colocar a economia em ordem.
Embora o governo tenha se proposto a preservar a política de preços da Petrobras, a sua direção foi desgastada exatamente quando se esforça para reduzir a enorme dívida da empresa e recompor a capacidade de investimento duramente castigada pelas gestões anteriores.
Não restam dúvidas de que aqui, como no mundo, as oscilações do preço do petróleo chegam aos postos em tempo curto, o que não significa descartar mecanismos que atenuem a volatilidade para garantir um mínimo de previsibilidade a empresários e consumidores.
Mas essa proteção implica algum ônus fiscal, da mesma forma, aliás, que qualquer instrumento de “hedge” acarreta custos financeiros às empresas que buscam proteger-se das flutuações de mercado.
Acuado pela opinião pública e com baixa capacidade de articulação, o governo deu uma resposta imediatista às demandas dos caminhoneiros. Tirou R$ 0,46 do preço do diesel (abatendo Cide e PIS-Cofins), diminuiu o pedágio para caminhões vazios, instituiu o tabelamento de frete e reservou 30% dos serviços de transportes da Conab para caminhoneiros autônomos.
O próprio governo estimou o custo inicial de tais medidas em R$ 13,5 bilhões –o que, no atual contexto de escassez fiscal, exigirá mais privação dos brasileiros já sacrificados pelo desemprego, por impostos elevadíssimos e serviços públicos de má qualidade. As empresas também registram perdas bilionárias nas cadeias de produção e em vendas frustradas decorrentes dos bloqueios nas estradas.
É preocupante que, no afã de superar a crise, o governo tenha recorrido, mais uma vez, à fórmula obsoleta dos incentivos setoriais, transferindo para a sociedade a conta dos subsídios concedidos sem nenhuma garantia de solução estrutural do problema.
Tal receita já se mostrou ineficaz e geradora de distorções graves tanto na economia quanto na partilha dos recursos fiscais.
Adicione-se que o orçamento federal enfrenta déficit recorde, além da carência crônica de recursos para infraestrutura, saúde e educação.
Enfim, quem vai pagar a conta são os mesmos de sempre. E não só quando precisarem dos serviços de transporte, mas, também, ao procurarem hospital ou escola pública e não encontrarem atendimento decente.
Mais: a paralisação dos caminhoneiros e a reação confusa das autoridades alimentaram a desconfiança em relação à economia, prejudicando a recuperação da atividade e do emprego já excessivamente tímida.
O que não podemos perder de vista é que, independentemente da forma que tomaram, as manifestações dos últimos dias refletem um sentimento generalizado de desalento e impaciência da população diante da falta de propostas para reconduzir o país ao desenvolvimento econômico e social.
É isso que as lideranças políticas e empresariais que se apresentam com tais credenciais estão devendo aos brasileiros.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.