Folha de São Paulo
A generosa lista de favores fiscais dissipa recursos que faltam a áreas essenciais
Sufocado pela expansão descontrolada dos gastos e por receitas tributárias que andam de lado, o país ainda não deu a devida atenção a um ralo pelo qual escorre uma montanha de recursos que pouco contribui para a eficiência da economia e o bem-estar da sociedade.
A cada ano, o país destina o equivalente a 4,1% do PIB, R$ 270 bilhões em 2017, aos chamados gastos tributários, a coleção de isenções, desonerações e incentivos concedidos com dinheiro público.
Não é assunto novo.
Há quatro anos, abordei o tema neste espaço. Reproduzo um trecho em que descrevia a inoperância das autoridades diante do problema e cujas palavras infelizmente continuam atuais: “Não é possível que uma profunda revisão no inventário desses incentivos, empilhados durante décadas de ajuda oficial a diversos setores para atender diferentes finalidades, não encontre itens que possam ser repensados ou simplesmente eliminados”.
De lá para cá, pouco mudou.
No geral, houve até uma queda das liberalidades tributárias a partir de 2015, quando atingiram o pico de 4,6% do PIB. Mas, em boa parte, a sangria se acentuou.
É só observar a evolução de três dos 64 itens da lista de renúncias fiscais: o Simples, os rendimentos isentos e não tributáveis no IRPF e a Zona Franca de Manaus.
Juntos, respondem por quase 50% do montante das desonerações. Pior: nos últimos dez anos registraram aumentos reais significativos.
No caso do Simples, a renúncia avançou 130%, atingindo R$ 75,6 bilhões em 2017.
É certo que o programa colaborou para a formalização de micro e pequenas empresas, mas não podemos ignorar que os generosos limites de enquadramento vis-à-vis os padrões internacionais desestimulam o crescimento empresarial e a busca por eficiência.
Avião com produtos da zona franca de Manaus –
É consenso entre especialistas que tais fatores contribuem para a baixa produtividade da economia.
Considere-se a Zona Franca: seus 50 anos de existência não foram suficientes para fazê-la andar sem a muleta de subsídios que, em 2017, somaram R$ 21,6 bilhões, 60% mais que em 2007.
Quanto à renúncia dos rendimentos isentos e não tributáveis no IRPF, seu valor quase quadruplicou em dez anos, alcançando R$ 28 bilhões em 2017.
Há dois outros itens custosos e de duvidosa serventia social: as deduções de gastos com educação e saúde no IRPF (elas não beneficiam os mais pobres e consomem R$ 17,5 bilhões anuais) e a desoneração da folha de salários, que desfalca a receita tributária em mais R$ 13,3 bilhões.
Incentivos fiscais pressupõem data de validade. Mas pressões de grupos de interesse levam a sucessivos adiamentos dos prazos.
É dinheiro precioso que se esvai. São recursos que poderiam estar à disposição do Tesouro para investimentos, por exemplo, em infraestrutura e em ciência e tecnologia, segmentos, aliás, muito mal aquinhoados na distribuição dos dinheiros públicos.
Poderiam ainda ser direcionados para reduzir o déficit fiscal ou mesmo para a formação de um colchão que compense perdas provenientes da reforma tributária.
É evidente a dificuldade para mexer num vespeiro com tal dimensão, seja pelas resistências políticas e corporativas, seja pela complexidade para definir o que rever.
Não há alternativa, porém. Sem distinguir prioridades, tratá-las com transparência e monitorar os resultados, os recursos da sociedade jamais serão aplicados de acordo com os princípios republicanos que caracterizam as boas democracias.