Folha de São Paulo
Não devem pairar dúvidas sobre seu respeito à Constituição e à convivência harmoniosa com os demais Poderes
As pesquisas antecipam que, se nenhum erro de campanha acontecer, o deputado e capitão reformado Jair Bolsonaro será eleito presidente.
Em 28 de outubro será hora, portanto, de explicitar o que de fato planeja fazer para tirar o país da letargia econômica e amenizar a tensão entre os polos radicais que tomou conta da sociedade na reta final da corrida eleitoral.
As manifestações recentes do candidato e de sua equipe não ajudam a esclarecer o que pouco se sabe. Seu programa de governo não prima pela profundidade e se tornou mais confuso com declarações desencontradas, anúncios precipitados e constantes desmentidos.
O primeiro passo para limpar a área de tantas bolas divididas deve ser o compromisso público e inequívoco com os valores democráticos, desfazendo o flerte com modelos autoritários cultivado ao longo da carreira e na própria campanha.
Ao receber a faixa presidencial, não devem pairar quaisquer dúvidas sobre seu respeito à Constituição e à convivência harmoniosa com os demais Poderes da República, o Legislativo e o Judiciário.
Sem tais preceitos, os gigantescos desafios econômicos, a começar pelo resgate da disciplina fiscal, podem se tornar insuperáveis, já que o encaminhamento dessas questões requer negociação complexa com o Congresso e a sociedade.
É preciso dirimir as dúvidas sobre se a agenda de reformas merecerá a prioridade exigida pelo estado periclitante das contas públicas e pela necessidade de retomada do crescimento, do investimento e do emprego.
É preciso, por exemplo, qualificar a afirmação do deputado Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil no eventual governo Bolsonaro, ao relativizar a existência de déficit nas contas da Previdência, embora tenha admitido a necessidade de ajustes no atual sistema.
Tampouco se conhece a visão do candidato a respeito do emaranhado tributário que submete todos nós a uma burocracia complexa e onerosa, além de comprometer a competitividade do país.
Os pronunciamentos e os desmentidos de sua equipe sobre a eventual recriação da CPMF deixaram na opinião pública mais interrogações do que esclarecimentos.
Igualmente grave, o vaivém das declarações sobre o tema da privatização gera incertezas e alimenta o clima de insegurança que há anos interfere negativamente no ambiente de negócios.
Noutras áreas vitais, como o ambiente, há definições claras —só que, ao contrário dos anseios da sociedade, representam um retrocesso. Nega compromissos internacionais assumidos pelo país e ameaça atropelar o marco legal existente na área, demonstrando falta de entendimento sobre o que é desenvolvimento sustentável e seu significado para as futuras gerações.
Sem clareza quanto a tais concepções, o novo governo poderá carregar desde o início o estigma da desconfiança de que o conteúdo liberal incorporado ao seu discurso durante a campanha tenha sido uma escolha motivada antes por interesses eleitoreiros que por convicção.
Em benefício mais do país que de seu provável governo, Bolsonaro está a dever sinais concretos de que reúne condições para enfrentar a agenda dirigida ao desenvolvimento econômico e social, eliminando a falta de unidade que tem caracterizado a atuação de seu time.
Na noite de 28 de outubro, depois dos habituais agradecimentos a eleitores e apoiadores, Bolsonaro, de viva voz, precisa esclarecer os pontos nevrálgicos de seu programa e superar as inconsistências que, espero, tenham sido fruto da retórica eleitoral.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.