Folha de São Paulo
O Tesouro Nacional, antes sob o comando de Ana Paula Vescovi, hoje liderado por Mansueto Almeida, tem feito um esforço louvável para detalhar o estado das contas públicas, não só no que se refere ao governo federal, mas expondo também as mazelas dos governos locais.
O exemplo mais recente deste trabalho é o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, publicação que traz dados sobre estados e municípios até 2017.
Os números são preocupantes. A começar pelo aumento do déficit primário dos estados, que pulou de R$ 1,8 bilhão em 2015 e R$ 2,9 bilhões em 2016 (valores irrisórios na comparação com o PIB) para R$ 13,9 bilhões em 2017 (0,2% do PIB).
Note-se que esta medida leva em consideração a despesa empenhada naqueles anos, não a efetivamente paga. A diferença reflete principalmente o atraso no pagamento de fornecedores e servidores, mecanismo adotado por vários estados, na prática “empurrando com a barriga” o problema, ao invés de atacá-lo frontalmente.
A piora do desempenho não decorre da receita. Pelo contrário, durante o período destacado esta cresceu relativamente ao PIB, embora não muito.
Por outro lado, a despesa do conjunto dos estados cresceu bem à frente do PIB, em parte pela recessão observada até 2016, mas além da modesta expansão da atividade no ano passado.
A verdade é que os gastos estaduais vêm aumentando mais do que a inflação, reproduzindo o padrão do gasto federal até 2016.
Dentre esses, a despesa com pessoal, R$ 403 bilhões, merece atenção, representando pouco mais da metade do dispêndio primário registrado no ano passado, R$ 766 bilhões. Segundo o Tesouro, os gastos dos estados com pessoal aumentaram 32% acima da inflação entre 2011 e 2017.
Nada menos do que 14 dos 27 estados (incluindo o Distrito Federal) superaram no ano passado o limite (fixado na LRF) de 60% entre despesas de pessoal e receita corrente líquida.
Há muito mais a ser explorado na publicação, mas acredito que os números acima já deixam claro que boa parte dos estados está na lona por conta da péssima administração fiscal a que foram submetidos.
Não é por outro motivo que, mais uma vez, se fala em novo resgate por parte do governo federal, apenas dois anos depois da última tentativa.
A questão parecia superada com a reestruturação firmada no final dos anos 90, quando o governo federal assumiu a dívida de alguns estados e capitais, os mais ricos, em troca de programas de ajuste fiscal que foram bastante bem-sucedidos por praticamente uma década.
Em particular, esta dívida —apesar da choradeira de governadores e prefeitos —caiu de 13% do PIB para pouco mais de 7% do PIB de 2002 a 2014.
Todavia, sob a gestão de Dilma Rousseff, Guido Mantega e Arno Augustin os estados foram liberados das amarras fiscais, o que acabou nos levando à crise atual.
Muito embora a experiência daquela reestruturação não tenha sido perfeita, seu longo período de sucesso nos deixa lições importantes.
Em hipótese alguma o governo federal pode salvar os estados sem exigir contrapartidas muito duras e claras em termos de redução de gastos, privatização e modernização das práticas públicas, sem as quais nenhum recurso pode ser adiantado.
Por óbvio, nenhum estado é obrigado a aceitar quaisquer condições, mas é ainda mais certo que o governo federal não pode empurrar novamente para a população as contas de governos fiscalmente irresponsáveis.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.