Valor Econômico
O banco central dos EUA, o Fed, está, segundo seus dirigentes, levando a taxa de política monetária para um patamar próximo ao neutro (isto é, consistente com um patamar de juros reais que mantém o crescimento em linha com o potencial e, assim, que não acelera, nem desacelera, a inflação). A taxa nominal de curto prazo encontra-se em 2,25% ao ano. No período 1990-2007, a mesma taxa teve média de 4,36% ao ano e esteve apenas 16% do tempo abaixo do patamar atual.
Essa simples observação empírica bem como estudos sofisticados, sugerem que a “taxa neutra” caiu nos EUA e outras economias maduras desde a crise de 2008 – a taxa real neutra média, considerando-se EUA, Reino Unido, Canadá e área do euro, teria caído de 2,4% a.a. para 0,7% a.a. entre 2007 e 2016 (dados do estudo de Holston, Laubach e Williams).
No caso brasileiro, estamos desde março deste ano com a taxa básica de juros, a Selic, no menor nível, em termos nominais, e com a taxa real de curto prazo oscilando entre 2,1% e 2,7% (usando expectativas da pesquisa Focus), também em patamares historicamente baixos. As autoridades monetárias vêm, em seus documentos, indicando que trabalham com uma “política monetária estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural”. Nem por isso temos observado alguma aceleração da demanda doméstica.
É fato que, ainda que com certa descompressão nas últimas semanas, as condições financeiras mais amplas, determinadas por taxas de juros de mercado mais longas e preços de ativos, têm se mostrado menos expansionistas do que sugere a taxa de curto prazo, o que inibe a resposta da atividade econômica. É plausível supor que a incerteza sobre o rumo da agenda de reformas, notadamente na área fiscal, também atua para retardar a recuperação do investimento e da atividade em geral. Mesmo com essas ressalvas, a combinação de crescimento modesto com inflação baixa tem suscitado um debate sobre a taxa neutra no Brasil. Estaríamos nós, também, diante de um novo normal para a taxa Selic?
Há razões para acreditar que sim. Em primeiro lugar, se o ambiente global de taxas de juros se alterou, isso tem impacto sobre a economia brasileira. No âmbito doméstico, uma combinação de fatores também pode estar atuando. Um processo de bancarização a partir de 2004, no qual o crédito avançou de 25,5% para 47,1% do PIB, tende a aumentar a potência da política monetária (não apenas pelo aumento da importância relativa do crédito, mas também por conta da intensificação da sensibilidade dos potenciais tomadores de recursos a variações do custo do crédito).
Os efeitos desse processo sobre a Selic neutra parecem, contudo, ter sido ao menos parcialmente neutralizados pela expansão fiscal e para-fiscal ocorrida a partir de 2009. Mais recentemente, a introdução de um novo regime para o apreçamento do crédito do BNDES, que chegou a 11,3% do PIB em seu máximo, com a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), aponta para uma importante redução da segmentação no mercado de crédito, ensejando o declínio da importância do crédito subsidiado.
Estimativas dos economistas do Itaú indicam que, para um crescimento potencial do PIB de 1,5%-2,0%, e com uma taxa real de juros de 4,5% para estabilizar o produto, teríamos um juro real neutro no intervalo 2,5%-3%. Sendo assim, e considerando-se expectativas de inflação para 2019 em torno de 4,1%, a Selic atual em 6,5% (implicando taxa real entre 2,3% e 3,10% a.a., dependendo da taxa nominal utilizada), estaria em patamar neutro para moderadamente expansionista. Caso as expectativas de inflação entrem em trajetória declinante, um ajuste da política monetária poderia vir a ser necessário, para evitar uma retirada mais rápida do que o desejável dos estímulos monetários.
Mas a análise precedente perde relevância se o país fracassar no esforço de ajuste fiscal, que tem como elemento central a reforma da previdência. Caso a mesma não seja aprovada tempestivamente, a paciência dos mercados com o crônico desequilíbrio fiscal brasileiro – o déficit público está em 7,1% do PIB – vai ser testada, o que deve ensejar fuga para ativos reais, depreciação cambial e aumento da inflação efetiva e da esperada. Em caso de fracasso do ajuste fiscal, o Brasil não será uma nova Grécia, e sim um velho e inflacionário Brasil.
Em resumo, conquanto o debate sobre um novo normal para a taxa básica de juros no Brasil pareça ser válido, diante do desempenho recente da economia e de certas mudanças estruturais que ocorreram recentemente, o espaço para flexibilização adicional da política monetária parece exíguo, a menos que ocorra uma nova rodada de redução das expectativas de inflação. E claro, a perspectiva para um novo, menor, patamar de taxa de juros neutra se esvai por completo caso o ajuste fiscal se mostre politicamente inviável.
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