Folha de São Paulo
Se o presidente falou pouco no discurso de posse, menos de dez minutos, o pronunciamento do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi longo, de quase 50 minutos.
Disse muito. Fez a ligação entre as seguidas crises brasileiras e o problema fiscal. Reafirmou o diagnóstico correto de que o equilíbrio com juros elevados e câmbio valorizado resulta de o gasto público aumentar sistematicamente além do crescimento da economia.
A reforma mais importante é a da Previdência, que é o maior item do gasto público.
O governo enviará no início de fevereiro uma proposta de reforma constitucional, uma PEC, com a reforma da Previdência.
Segundo Paulo Guedes, a aprovação da reforma da Previdência garantirá dez anos de crescimento. Entendo a ênfase do ministro no tema, mas outras reformas serão necessárias. De qualquer forma, o ministro está coberto de razão com relação à centralidade da reforma.
E se a reforma não for aprovada? Foi aí que Paulo Guedes reservou a maior surpresa. Disse que enviaria uma nova PEC, que desvincularia as receitas da União e, se entendi corretamente, desindexaria o gasto da União.
A ideia é devolver ao Congresso Nacional o poder de discutir o que fazer com o Orçamento. Com a receita e com a despesa. Devolver a política aos políticos.
Guedes explicou que o engessamento de todo o Orçamento em regras constitucionais era compreensível após um regime militar que deu pouca atenção ao gasto social. Mas já se passaram 30 anos. Já é possível os políticos chamarem para si a sua atribuição precípua de alocar os recursos públicos.
Essa ideia faz parte de um caminho que nosso presidencialismo tem tomado desde o inicio dos anos 2000. Trata-se do enfraquecimento da Presidência da República, que se nota em eventos como a aprovação do Orçamento impositivo, que retirou do Poder Executivo a capacidade de executar ou não as emendas dos parlamentares, e em seguidas reduções no poder das medidas provisórias.
Se a Presidência tem ficado mais fraca, a responsabilidade pelo equilíbrio macroeconômico, especialmente pelo equilíbrio fiscal, tem que passar a ser uma atribuição do Congresso Nacional.
Paulo Guedes foi específico: afirmou que os políticos têm muitos privilégios e poucas atribuições, pois não se debruçam sobre o Orçamento. Disse que jogar a decisão para o Congresso era um pedido de ajuda.
Reiterou: “Se a gente aprovar a reforma de Previdência, teremos ainda dez anos de crescimento. Se não aprovarmos, teremos que desindexar e desvincular tudo ou não haverá solução. O bonito é que, se der errado, pode dar certo. Se der errado a aprovação da reforma [da Previdência], é provável que a classe política assuma o comando do Orçamento”.
E se não derem certo a desvinculação e a desindexação? Isto é, e se o Congresso Nacional continuar a fazer greve da política e jogar a economia no abismo inflacionário? Guedes deixou claro que volta para casa.
Mas fica a dúvida. Se até hoje nosso sistema político funcionou com o Executivo sendo responsabilizado pelo eleitor pela estabilidade macro —daí que o interesse pelas reformas é sempre do Executivo, e não do Legislativo—, e o Legislativo, por suas agendas locais, por que agora seria diferente?
Paulo Guedes não oferece resposta a essa pergunta. Sugere que o elevado grau de renovação das Casas legislativas será suficiente para alterar as práticas.
Fica a pergunta para a ciência política: funcionará?
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