Folha de São Paulo
Há alguns anos tenho escrito sobre o tema previdenciário.
O leitor deve ter notado que não abordo o tema do déficit (ou não) do sistema.
Para saber se há ou não há déficit, é preciso considerar uma fonte de receita e um sistema específico.
É possível, por exemplo, argumentar que a aposentadoria rural, que apresenta receita específica, e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que tem natureza assistencial, precisam ser excluídos para sabermos se o sistema previdenciário público do setor privado tem ou não déficit.
Se considerarmos, como fonte de receita do sistema previdenciário público do setor privado urbano, as contribuições patronal e do empregado, há déficit no sistema desde 2002.
Mas aí é possível argumentar que a Constituição estabelece outras fontes de receitas. E, além do mais, que a DRU (Desvinculação de Receitas da União) tira dinheiro da Previdência.
Entretanto, se vamos considerar outras fontes de receita —impostos gerais— e desconsiderar a DRU, por consistência temos de juntar no gasto o que havia sido apartado. Voltamos ao início.
Ou seja, a discussão sobre déficit ou não déficit é ociosa. É sempre possível estabelecer um conceito de gasto e de receita da Previdência que apresentará superávit.
Mesmo porque nosso gasto previdenciário —considerando o regime geral rural e urbano, os benefícios assistenciais e os regimes próprios— é de 14% do PIB. A carga tributária é de 32% do PIB. É sempre possível considerar um conceito de receita previdenciária que seja maior do que 14% do PIB e estabelecer por decreto que há superávit. Em termos econômicos, esses malabarismos contábeis não fazem o menor sentido.
O tema é outro: faz sentido uma sociedade de renda média, com 13% de razão de dependência—população de 65 anos como fração da população entre 20 e 64 anos— , gastar 14% do PIB com Previdência?
Considerando os países da OCDE, a organização que reúne as nações ricas e algumas emergentes, o gasto previdenciário de um país cuja razão de dependência é de 13% tende a ser de 7% do PIB, aproximadamente. O Brasil gasta o dobro do que seria esperado, se tomarmos o padrão dos países mais bem-sucedidos do mundo em termos de bem-estar social.
O importante a reter é que a sociedade, por meio do Congresso, escolheu gastar 14% do PIB com Previdência. No longo prazo —quando avançarmos no envelhecimento populacional— , o gasto irá a 20% do PIB.
O que o Congresso está discutindo é a revisão, ou não, desse conjunto de escolhas que fizemos no passado. Escolhas essas que estabeleceram um gasto previdenciário que é o segundo maior do mundo como proporção do PIB, quando se leva em conta a demografia. Numa amostra de 120 países, somente a Ucrânia gasta mais.
Alguns leitores discordam de minha afirmação na coluna da semana passada de que o déficit fiscal é estrutural, e não fruto do ciclo econômico. Apontam a confortável situação de 2014.
Em 2014, houve déficit público de 1,5% do PIB. Adicionalmente, havia hiperemprego de três pontos percentuais: 6% de desemprego, ante estimativas —inúmeras — que sugerem que a taxa natural de desemprego brasileira é de 9% (talvez caia como consequência da reforma trabalhista, mas levará uns oito anos para esse efeito aparecer).
Adicionalmente, havia outros sinais claríssimos de excesso de demanda: inflação de 6,5% e crescente, atraso tarifário de 20% e déficit externo de 4,5% do PIB.
Finalmente, o desequilíbrio estrutural foi construído ao longo de seguidos anos com gasto crescendo além da expansão da economia. Uma foto de um ano do passado não é base de comparação.
Não há como escapar. O Congresso terá de arbitrar nosso conflito distributivo. A omissão nos jogará de volta ao abismo inflacionário.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.