Palestrante: Joseph Klafter, presidente da Universidade de Tel Aviv
“Inove. Países que não inovam ficam para trás”, afirma Joseph Klafter, o presidente da Tel Aviv University, a TAU. Na visão de Klafter, Israel, um reconhecido celeiro de startups, é um exemplo de como a inovação não depende do tamanho de um país, mas sim do poder das ideias –e também de um ambiente institucional favorável à pesquisa tecnológica. Atualmente existem cerca de 100 empresas israelenses com ações listadas na Nasdaq, número inferior apenas ao de companhias americanas e chinesas.
Presidente da TAU desde 2009. Foi nessa universidade em que fez seu doutorado em química e seguiu carreira como professor. Depois de um pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), trabalhou entre 1980 e 1987 no centro de pesquisas da Exxon, nos Estados Unidos, antes de retornar ao seu país natal para se dedicar à vida acadêmica. Publicou aproximadamente 400 artigos científicos e contribuiu com dezenas de livros.
Klafter participou de um debate com associados e convidados do CDPP no dia 12 de fevereiro de 2019. A seguir, uma síntese das ideias e reflexões apresentadas no encontro.
Os desafios internacionais e a contribuição israelense
Os desafios são muitos, a lista é grande e continua crescendo. Para nomear alguns, citaria a pobreza, as mudanças climáticas, os imigrantes e refugiados. O acesso a água tratada é outro desafio. Israel é um país pequeno, mas vem contribuindo decisivamente em algumas dessas áreas. A tecnologia de irrigação é um exemplo. Todo o sistema de gotejamento usado mundialmente foi originalmente uma inovação concebida em Israel. O sistema de navegação Waze também foi criado em Israel. Um de seus inventores graduou-se na TAU. São exemplos de como as soluções não dependem de tamanho do país, mas de ideias. O segredo para superar desafios está na teia do processo de inovação, com a interação de diversas instituições ao redor do globo. Esse é o melhor caminho para superar os desafios.
A propósito da água, tive um encontro com o ministro brasileiro da Ciência, Marcos Pontes, para discutir como Israel poderia ajudar o Brasil. Durante a sua visita ao meu país, o ministro fechou um acordo com a Watergen (fabricante de máquinas que produzem água potável a partir da umidade do ar), empresa que mantém uma parceria com a nossa universidade. O Instituto da Água, da TAU, já enviou pesquisadores para trabalhar com agricultores do México. Ao mesmo tempo, alguns de nossos estudantes viajam para passar um ou dois meses em regiões da Índia ou da África para entender quais as necessidades locais, como adaptar a tecnologia disponível e pesquisar novas soluções.
Os riscos das novas tecnologias
Em muitas áreas as oportunidades e desafios andam ao lado de possíveis ameaças. É o caso da inteligência artificial, por exemplo. A tecnologia caminha para tornar a vida mais simples. Tudo será conectado pela internet. Uma pessoa enferma pode ser monitorada à distância e receber auxílio em caso de alternações em seu quadro clínico. Por outro lado, a rede conectada é vulnerável a ataques. Precisamos buscar ideias, a todo momento, para contra-atacar essas ameaças. Não podemos deter o progresso, mas fazer com que ele seja suficientemente seguro.
Na TAU, temos um centro de ética, mas ele não funciona de maneira independente. Nosso centro de ética colabora com a análise de questões surgidas nas mais diversas áreas de pesquisa –na área médica com certeza, mas não apenas. Há questões éticas em todas as disciplinas. Trabalhamos de maneira bastante interdisciplinar, na busca da defesa da segurança de nossa sociedade, com em assuntos da biologia, da medicina ou da informática.
Ambiente institucional e pesquisa
A primeira preocupação das universidades é a pesquisa básica, motivada pela curiosidade. Não se pode obrigar que os pesquisadores busquem um objetivo comercial; podemos, isso sim, incentivá-los nesse sentido. O meio universitário é uma mina de ideias. Alguns preferem se concentrar na pesquisa básica, sem nenhuma preocupação com propriedade intelectual ou viabilidade comercial de suas pesquisas. Nossa obrigação é prover a infraestrutura necessária para o desenvolvimento das pesquisas no caso de os pesquisadores desejarem dar o passo seguinte, registrando uma patente ou vendendo um projeto.
Se o pesquisador quiser buscar a viabilidade comercial de sua invenção, como um medicamento ou algum equipamento, o papel da universidade é dar o suporte. Mas existem fricções internas. Os pesquisadores bem-sucedidos comercialmente querem muitas vezes receber integralmente os ganhos financeiros propiciados pelo seu invento. A universidade, ao mesmo tempo, julga razoável receber uma parcela, porque ela proveu os recursos e toda a infraestrutura. Decidimos que o registro da patente, nesses casos, fica com a universidade. Quando existir receita financeira, 40% dos recursos ficam com o pesquisador e 60%, com a universidade. Desses 60%, 40% voltam para o centro a qual o pesquisador pertence. Foi a maneira encontrada para manter um equilíbrio entre os interesses envolvidos. Universidades americanas seguem uma receita parecida.
Todavia, tudo que os estudantes da TAU realizarem no campus pertence a eles. Os estudantes pagam as mensalidades e, em troca, recebem os nossos serviços. Se eles tiverem alguma ideia, a propriedade intelectual será deles, não da universidade. Acreditamos que isso possa facilitar as gerações seguintes de pesquisadores. Existe um centro específico para dar apoio aos alunos. Assim, eles possuem um endereço e uma estrutura para desenvolver os seus projetos.
Ensino interdisciplinar
Temos ótimas universidades e centros de pesquisa em Israel. O Instituto Weizmman e a Technion são voltadas para as ciências exatas e a tecnologia. A Universidade Hebraica, em Jerusalém, oferece cursos em todas as áreas, como a TAU. A seu favor, a TAU tem uma localização privilegiada, a cidade mais dinâmica do país, onde se concentram as empresas.
Como somos uma universidade completa, podemos oferecer cursos interdisciplinares.
Estudantes de engenharia com aulas de retórica, pensamento crítico, filosofia. Há uma grande demanda por engenheiros com esse tipo de formação. Eles são rapidamente contratados pelas grandes empresas de tecnologia. Programas desse tipo às vezes sofrem a resistência dos professores, mas são populares com os alunos, são bem aceitos pelo mercado e deverão ser ampliados.
Como melhorar a educação básica
Em primeiro lugar, rankings, como o do exame PISA, oferecem um número médio. Isso não quer dizer que não possam existir ótimas escolas. Israel, por exemplo, não aparece muito bem nos rankings do PISA. Quando observamos com maior nível de detalhe, a posição relativamente ruim acontece por causa das desigualdades internas no país. Dito isso, tudo começa com a educação básica. Deve ser um sistema contínuo que tenha como destino final a universidade.
Muito se fala do impacto da tecnologia no ensino. Existe a possibilidade das aulas on-line. Temos muitos cursos on-line em nossa universidade. Começamos a oferecer esses cursos, originalmente feitos para os nossos alunos, a estudantes do segundo grau. Procuramos os municípios e disponibilizamos as aulas como um material adicional ao currículo. Fizemos isso em bairros de periferia. São alunos do segundo grau tendo aulas acadêmicas, com o auxílio de seus professores. Muitos professores eram reticentes, mas fizemos mentorias com eles em nosso campus. Dessa experiência começaram a surgir talentos entre esses estudantes de periferia. Todos devem ter a oportunidade de chegar à universidade. Do contrário, não haverá uma redução da desigualdade.
Trata-se de um programa que depende de doações. São cerca de 40 alunos a cada ano e a evasão é próxima de zero. Eles não pagam a mensalidade e ganham um auxílio para se manter na universidade. Hoje é possível ver jovens originários da periferia se formarem em engenharia, algo que poderia ser inacessível sem esse tipo de amparo.
Ainda no que diz respeito à diversidade, queremos que o estudo de disciplinas ligadas à tecnologia deixe de ser dominado pelos homens. Estamos buscando maneiras de incentivar, desde o ensino elementar, as meninas a se interessar mais por essa área. Organizamos visitas a laboratórios e colocamos cientistas mulheres para dar as explicações sobre os campos de pesquisa.
Esse envolvimento da universidade como o ensino básico é uma maneira de retribuir algo para a sociedade e contribuir para o desenvolvimento do ensino. Trata-se de algo que certamente poderia ser feito no Brasil.
Cotas e ação afirmativa
Em Israel, não temos cotas. Os critérios são os mesmos para todos. O parâmetro é sempre a excelência. Os estudantes árabes precisam cumprir as mesmas exigências dos demais estudantes. Entre os alunos da TAU, 14% dos alunos são de origem árabe. A maior parte deles se concentra em cursos na área de saúde pública. Não usamos nenhum critério de ação afirmativa. A desigualdade nas oportunidades deve ser enfrentada com o investimento no ensino básico, e não com ações afirmativas.
A retenção de talentos
Manter os talentos em Israel é certamente um desafio. Ainda mais difícil é atrair pesquisadores internacionais. Quase todos os professores são israelenses. Muitos vão estudar no exterior e eventualmente são contratados por empresas internacionais. Posso falar de minha experiência pessoal. Quando concluí o pós-doutorado no MIT, recebi um convite irrecusável da Exxon. Algo fundamental para que os pesquisadores retornem a Israel, como foi o que ocorreu no meu caso, é a possibilidade de dispor de um laboratório de nível similar ao que encontrariam nas melhores universidades americanas ou nas grandes companhias. É o que procuramos fazer na TAU, por meio do apoio do governo ou das doações e parcerias com as empresas.
Por: Giuliano Guandalini