Folha de São Paulo
Discutir a cor da roupa de crianças e fomentar intrigas palacianas não contribuem para superar nossos desafios
Qualquer esforço para encaminhar os problemas complexos que afligem o Brasil terá efeitos limitados, inócuos até, se não desencadear um forte e sustentado processo de crescimento econômico, cuja ausência tem se prolongado por mais tempo do que seria razoável, provocando grandes sacrifícios à população.
O caminho para tal objetivo será pavimentado por um conjunto de ações que redefinam o tamanho e as atribuições do Estado, visando a saúde fiscal e a eficiência de sua operação.
O presidente da República, Jair Bolsonaro – Marcos Brandão – 20.fev.19/Senado Federal
Refiro-me, é claro, à agenda de reformas exaustivamente discutida nos últimos anos, entre as quais a revisão da Previdência, encaminhada ao Congresso Nacional nesta semana, ocupa lugar central.
Tornou-se inadiável, devido à demora dos governantes em enfrentar com firmeza os interesses daninhos que conduziram o sistema ao limiar do colapso financeiro.
Parcela da sociedade ainda parece relutar sobre o que vem se tornando consensual entre a população informada e, sobretudo, entre governadores e parlamentares: a inevitabilidade de mudar as regras da Previdência e outras lambanças fiscais.
Diante disso, cabe ao governo mobilizar todos os recursos disponíveis para explicar ao público, de modo didático, as razões de sua imperiosa necessidade para promover o crescimento econômico à larga com mobilidade social.
Diante do colossal desafio de tais mudanças, devem-se evitar distrações, especialmente as polêmicas supérfluas com o intuito de mobilizar as redes sociais.
Infelizmente, o que se tem visto é uma sucessão de trapalhadas que desagregam a difícil coesão reformista, ao tirar o foco das questões que, de fato, definirão o futuro do país.
Discutir a cor da roupa de nossas crianças, expor preconceitos em relação aos jovens que viajam ao exterior, fomentar intrigas palacianas —nada disso contribui para a superação de nossos desafios.
Ao contrário, aumenta a insegurança em relação à capacidade do governo de articular o que importa, tipo equilibrar as contas da Previdência, disciplinar o Orçamento público, melhorar o nível da educação, reduzir os índices da violência, estes, sim, os impasses que preocupam.
Até temas estratégicos e de grande apelo popular, como o chamado pacote anticrime, deveriam ser debatidos a seu tempo, independentemente de seus méritos. Não podem servir de distração ou moeda de troca nos trâmites parlamentares que darão à reforma da Previdência seu contorno definitivo.
O próprio modelo de capitalização incluído no novo desenho da Previdência pode inserir riscos neste momento. Trata-se de novidade meritória, porém complexa, cuja assimilação pela população em geral deve demandar tempo, e tempo é o que o problema da Previdência não dispõe, inclusive porque a fila de outras reformas à espera de aprovação é extensa e igualmente necessária.
Talvez por isso a proposta elaborada pelo governo tenha apartado a ideia da capitalização da PEC principal, prevendo seu detalhamento em legislação à parte e posterior.
O principal papel do Estado na economia é convergir esforços para estabelecer um ambiente regulatório estimulante aos negócios e aos investimentos, liberando recursos sociais e energia para gerir áreas como educação e saúde.
A dispersão das ações de governo nas últimas semanas, no entanto, sinaliza uma jornada na direção contrária, provocada por choques de concepção na cúpula governista.
É hora de reverter a percepção de que continuamos sem saber muito bem para onde estamos indo.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.