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O que diz o manual de operações?

Se o presidente de um banco central dispusesse de um “manual de operações do regime de metas”, verificaria que sempre que a economia estivesse aquecida – o PIB atual acima do potencial –, e a inflação projetada no “horizonte relevante” estivesse acima da meta, teria que elevar a taxa básica de juros.

Embora a suavização dos ciclos econômicos não fizesse parte do seu mandato, consideraria os efeitos de suas ações sobre o PIB, e se buscasse uma convergência muito rápida da inflação para a meta teria que realizar uma intensa elevação da taxa de juros, gerando uma contração da atividade econômica maior do que se procedesse a uma elevação mais gradual. Embora cada presidente de banco central tenha avaliações diferentes sobre custos, todos têm que seguir o manual.

Se estivesse diante de uma renda per capita muito abaixo de onde se situava antes do início do ciclo de queda do PIB – algo em torno de 9 pontos porcentuais –, e suas projeções indicassem que por mais um ano o crescimento do PIB seria igual ou menor ao crescimento populacional, reduzindo ainda mais a renda per capita, saberia que está diante de uma economia deprimida, e que sem qualquer margem de dúvida a inflação cairia. Mas saberia, também, que a percepção da inflação não é fácil, devido a “choques”, como a elevação do preço da carne e dos vegetais. Porém, saberia que em uma depressão os efeitos desses choques rapidamente se dissipam, sendo meros ruídos que não alteram o comportamento da inflação “no horizonte relevante da política monetária”, e por isso não teriam que ser considerados.

Neste caso, a decisão correta seria reduzir a taxa básica de juros. Mas o “Manual de Operações” teria mais recomendações. Discorreria sobre os canais de transmissão da política monetária. Um deles é o canal do crédito, que com uma economia deprimida não teria nenhuma importância. Afinal, se os bancos comerciais tiveram o devido juízo, durante a recessão já teriam liquidado os empréstimos de má qualidade, podendo expandir o crédito caso existisse a demanda. Mas se a depressão provocasse forte queda da demanda por crédito, se encontrariam na situação do homem que levou o cavalo ao rio: poderia puxar a corda para evitar que o cavalo bebesse, mas se ele não tivesse sede não adiantaria empurrar a corda.

Saberia, assim, que o único canal de transmissão relevante é o efeito da taxa básica de juros – um mero conduit – sobre a taxa juros à qual a economia reage, que é a taxa de juros real de mercado de um ano. Nesse ponto o “manual” advertiria enfaticamente que é preciso muito cuidado com a reação desta taxa aos movimentos do conduit, o que significa tomar cuidado com mudanças na inclinação da curva de juros. Se, com uma economia aquecida, o presidente do banco central cometesse o erro de baixar a taxa de juros (e neste ponto, para não deixar dúvidas, o manual daria os exemplos dos erros incorridos no passado), geraria a expectativa de que mais adiante a inflação se elevaria. Como a taxa nominal de juros em cada período é a taxa real de juros somada à expectativa de inflação, o aumento da expectativa produziria uma inclinação da curva de juros, elevando a taxa de juros relevante em vez de reduzi-la. Em resumo, o tiro sairia pela culatra.

Mas se o banqueiro central constatasse que o hiato do PIB permanecia muito negativo, caracterizando uma depressão, saberia que para cumprir o seu mandato precisaria dar à economia uma dose maior de estímulos monetários, sem que corresse o risco de uma elevação das expectativas, inclinando a curva de juros. Se, neste caso, se negasse a elevar a dose do estímulo monetário, acentuaria ainda mais a depressão, deixando a inflação abaixo da meta, falhando miseravelmente no cumprimento de seu único mandato, e impondo à sociedade um custo desnecessário. Em conclusão, sua única alternativa seria baixar sensivelmente a taxa de juros.

Fonte: Estado de S. Paulo

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Affonso Pastore