Alexandre Andrada respondeu na semana passada à crítica que eu fizera ao seu texto no site The Intercept Brasil em que analisa, entre outros temas, a contribuição intelectual de Eugênio Gudin.
São três as nossas divergências. Vale a pena explicitá-las.
Primeiramente, Alexandre vê preconceito racial num trecho em que Gudin menciona a superioridade econômica dos países do Novo Mundo com população branca sobre aqueles que, como chamava Gudin, tinham grande contingente de população “indígena”.
Entendo a ojeriza que o termo rude de Gudin causa em Alexandre. Minha leitura, no entanto, é distinta.
Entendo que Gudin se refere ao atraso educacional da população local. Sabemos que o atraso educacional reduz a produtividade em razão da carência de habilidades cognitivas e não cognitivas ou socioemocionais.
Esse último ponto é importante e muito mais sutil e somente recentemente tem sido tratado pelos economistas que estudam os impactos da educação na produtividade do trabalho.
Florestan Fernandes, no clássico “Integração dos Negros em Sociedade de Classes”, notou a importância das habilidades socioemocionais para explicar diferenças de desempenho no mercado de trabalho.
Discordando de mim, Alexandre avalia que as passagens de Gudin sobre esse tema são racistas.
A segunda divergência é a interpretação da contribuição intelectual de Gudin ao tema da persistência do subdesenvolvimento entre nós.
Para Alexandre, Gudin apenas “enfatizou a importância da educação e da liberdade de comércio”.
Duas discordâncias com Alexandre aqui. Primeiro, notar nos anos 1950 a importância da educação como causa do subdesenvolvimento não é pouca coisa. Somente esse fato é suficiente para colocar Gudin como pensador original, muito à frente de seu tempo.
Segundo, o entendimento de Gudin sobre o subdesenvolvimento brasileiro é bem mais complexo.
Para os interessados, além de minha coluna há duas semanas, remeto diretamente aos textos “O Caso das Nações Subdesenvolvidas”, “Produtividade” e “Programação e Planejamento Econômico”, publicados na Revista Brasileira de Economia, sempre no fascículo de setembro, respectivamente em 1952, 1954 e 1956.
Terceira divergência: se entendi corretamente, Alexandre considera que o posicionamento político de Gudin, defendendo regimes autoritários e fazendo citações que “flertam com o racismo”, invalida seus escritos.
Não é uma questão inócua, mas, por essa métrica, as obras de Nelson Rodrigues, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato e tantos outros deveriam ser banidas.
Há duas características no pensamento de Gudin que gostaria de enfatizar. Primeira, para Gudin, o subdesenvolvimento resulta dos fundamentos de cada economia e não é relacional, como defende, por exemplo, o modelo centro-periferia da Cepal, entre tantos outros modelos com essa característica.
O subdesenvolvimento, para Gudin, é interno a nós e não está associado ao nosso papel no mundo. Somos os únicos responsáveis por nossa miséria.
A segunda característica era o enorme ceticismo, pelos motivos que abordei na coluna anterior, que Gudin tinha em relação à superação do subdesenvolvimento entre nós.
Se lembrarmos que, em 1900, a produtividade do trabalho no Brasil era 20% da norte-americana e que, hoje, 120 anos depois, continuamos com 20% da produtividade dos EUA, parece haver motivos para o ceticismo de Gudin.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.